VIRGO DOLOROSA

A festa de Nossa Senhora das Sete Dores convida-nos a contemplar a participação de Maria na Paixão. Seguem abaixo alguns trechos da encíclica Ad Diem Illum de São Pio X. 

Por isto, entre Maria e Jesus reinou perpétua sociedade de vida e sofrimentos, que nos permite aplicar a ambos estas palavras do Profeta: A minha vida vai se consumindo com a dor e os meus anos com os gemidos (Sl 30, 11). E quando chegou a hora derradeira de Jesus, vemos a Virgem “aos pés da cruz“, horrorizada certamente ante a visão do espetáculo, “mas feliz porque seu Filho se oferecia como vítima pela salvação dos homens e, ademais, de tal modo partícipe de suas dores que teria preferido padecer os tormentos que cruciavam o seu Filho, tal lhe fosse dado fazer” (S. Bonav., 1 Sent., d. 48, ad Litt., dub. 4). — Em conseqüência dessa comunhão de sentimentos e de dores entre Maria e Jesus, a Virgem fez jus ao mérito de se tornar legitimamente a reparadora da humanidade decaída (Eadmeri Mon., De Excellentia Virginis Mariæ,c. IX) e, portanto, dispensadora de todos os tesouros que Jesus nos adquiriu por sua morte e por seu sangue.

Não se pode dizer, sem dúvida, que a dispensação destes tesouros não seja de alçada própria e particular de Jesus Cristo, porque fruto exclusivo de sua morte e por Ele mesmo, em virtude de sua natureza, o mediador entre Deus e os homens. Contudo, em vista dessa comunhão de dores e de angústia, já mencionada, entre a Mãe e o Filho, foi concedido à Virgem o ser, junto do Filho unigênito, a medianeira poderosíssima e advogada de todo o mundo (Pio IX, Bula Ineffabilis)

O manancial, pois, é Jesus Cristo: E todos nós recebemos de sua plenitude (Jo 1, 16), do qual todo o corpo coligado e unido por todas as juntas que mutuamente se auxiliam, segundo a operação da medida de cada membro, efetua o aumento do corpo de si mesmo em caridade (Ef. 4, 16). Como nota com acerto S. Bernardo, Maria é, na verdade, o aqueduto (Serm. De Temp., in Nativ. B. V., De Aquæductu, n. 4); ou então, essa parte média que tem por missão unir o corpo à cabeça e transmitir àquele os influxos e eficácias desta, o que vale dizer: o pescoço. Sim, diz S. Bernadino de Sena, ela é o pescoço de nossa Cabeça, pelo qual comunica todos os dons espirituais a seu corpo místico (S. Bern. Sen., Quadrag. de Evangelio æterno serm. X, a. III, c. 3). Torna-se, por conseguinte, evidente que não atribuímos à Mãe de Deus uma virtude geradora da graça, virtude esta que é só de Deus. Contudo, porque Maria excede a todos em santidade e em união com Cristo, e por ter sido associada por Ele à obra redentora, ela nos merece de congruo, segundo a expressão dos teólogos, o que Jesus Cristo nos mereceu de condigno, sendo ela ministra suprema da dispensação das graças. Ele (Jesus) está sentado à direita da Majestade nas alturas (Heb 1, 3). Ela, Maria, está à direita de seu Filho: O refúgio mais seguro, o mais valioso amparo de quantos se acham em perigo; nada, pois, temos a temer sob sua conduta, seus auspícios, seu patrocínio, sua égide (Pio IX, Bula Ineffabilis).

Estabelecidos estes princípios, e para tornarmos ao Nosso propósito, quem não reconhecerá termos afirmado com justa razão ser Maria, companheira inseparável de Jesus desde a casa de Nazaré até ao Calvário, conhecedora mais que ninguém dos segredos do seu coração, dispensadora, como de direito materno, dos tesouros de seus méritos, tornando-se, por todos esses motivos, um auxílio certíssimo e muito eficaz para se chegar ao conhecimento e ao amor de Jesus Cristo? Ah! Esses homens que, seduzidos pelos artifícios do demônio ou enganados por falsas doutrinas, julgam poder prescindir do auxílio da Virgem, nos fornecem disto em sua prova assaz peremptória. Pobres infelizes, desconhecem Maria, sob pretexto de tributar honra a Cristo! Como se pudéssemos achar o menino de outro modo que não pela Mãe!

São Pio X, Encíclica Ad Diem Illum, pelo aniversário da definição do Dogma da Imaculada Conceição, 2 de fevereiro de 1904.