A QUARESMA – PALAVRAS DE D. LEFEBVRE

Oferecemos aqui uma reflexão de D. Lefebvre sobre a Quaresma.

Fonte: FSSPX Distrito da América Central – Tradução: Dominus Est

Meus queridos irmãos,

De acordo com uma antiga e salutar tradição da Igreja, por ocasião do início da Quaresma, dirijo-me aos senhores para encorajá-los a adentrar plenamente neste tempo penitencial com as disposições desejadas pela Igreja, e para cumprir o propósito para o qual a Igreja as prescreve.

Se eu olhar para os livros da primeira metade deste século, parece-me que indicam três fins para as quais a Igreja recomenda este tempo penitencial:

  • Primeiro, refrear a concupiscência da carne;
  • Segundo, facilitar a elevação de nossas almas às realidades divinas;
  • Finalmente, satisfazer nossos pecados.

Nosso Senhor nos deu o exemplo, durante Sua vida aqui na terra: a oração e a penitência. Entretanto, Nosso Senhor, estando livre da concupiscência e do pecado, fez penitência e, de fato, satisfação por nossos pecados, o que demonstra que nossa penitência pode ser benéfica não apenas para nós mesmos, mas também para os outros.

Rezar e fazer penitência. Fazer penitência para rezar melhor, a fim de se aproximar de Deus Todo-Poderoso. Isso é o que todos os Santos fizeram, e é isso que todas as mensagens de Nossa Senhora nos recordam.

Ousaríamos dizer que esta necessidade é menos importante em nosso tempo do que em tempos passados? Pelo contrário, podemos e devemos afirmar que hoje, muito mais do que nunca, a oração e a penitência são necessárias porque tudo foi feito para diminuir e denegrir estes dois elementos fundamentais da vida cristã.

Antes, o mundo nunca havia tentado satisfazer, sem nenhum limite, os instintos desordenados da carne, a ponto de matar milhões de inocentes por nascer. Alguns gostariam de acreditar que a sociedade não tem outra razão de ser senão a de fornecer o mais alto padrão de vida material para todos os homens, de modo que ninguém seja privado de bens materiais.

Portanto, podemos ver que tal sociedade se opõe ao que a Igreja prescreve. Nestes tempos em que também muitos eclesiásticos se alinham com o espírito deste mundo, testemunhamos o desaparecimento da oração e da penitência, sobretudo no seu carácter de reparação dos pecados e de obtenção do seu perdão. Poucos são, hoje, os que gostam de recitar o Salmo 50, o Miserere, e que dizem com o salmista: “Peccatum meum contra me est sempre”, “meu pecado está sempre diante de mim”. Como pode um cristão eliminar a idéia de pecado se a imagem do Cristo crucificado está sempre diante de seus olhos?

No Concílio Vaticano II, os bispos apelaram para uma tal redução do jejum e da abstinência que as prescrições praticamente desapareceram. Há que reconhecer que o fato deste desaparecimento é consequência do espírito ecuménico e protestante, que nega a necessidade da nossa participação na aplicação dos méritos de Nosso Senhor, a cada um de nós, para a remissão dos nossos pecados e a restauração de nossa filiação divina [ou seja, nosso caráter como filhos adotivos de Deus].

No passado, os mandamentos da Igreja prescreviam: jejum obrigatório em todos os dias da Quaresma, com exceção dos domingos, durante os três dias das Temporas e para muitas vigílias; a abstinência era para todas as sextas-feiras do ano, os sábados da Quaresma e, em numerosas dioceses, todos os sábados do ano.

O que resta dessas prescrições é: jejum na Quarta-feira de Cinzas e na Sexta-feira Santa e abstinência na Quarta-feira de Cinzas e nas sextas-feiras da Quaresma. Pergunta-se: mas quais são as razões para uma diminuição tão drástica?

O que significa jejum? Tomar uma única refeição (completa) no dia à qual podem se acrescentar dois lanches (ou pequenas refeições), um de manhã e outro à noite que, quando combinados, não podem equivaler a uma refeição completa. 

O que se entende por abstinência: abstinência significa não comer carne (ou frango).

Os fiéis que tem um verdadeiro espírito de fé e que compreendem profundamente os motivos da Igreja acima mencionados, observarão de todo o coração não só as prescrições vigentes atualmente mas, entrando no espírito de Nosso Senhor e da Virgem Maria, se esforçarão para reparar os pecados que cometeram e pelos de seus familiares, vizinhos, amigos e concidadãos.

É por esta razão que acrescentarão outras às prescrições atualmente em vigor. Essas penitências adicionais podem ser jejum em todas as sextas-feiras da Quaresma, abstinência de todas as bebidas alcoólicas, abstinência de televisão ou outros sacrifícios semelhantes. Eles se esforçarão para rezar mais, assistir mais frequentemente ao Santo Sacrifício da Missa, rezar o terço e não perder as orações da noite com a família. Eles também devem ser mais desapegados dos bens materiais supérfluos a fim de ajudar os Seminários, ajudar a estabelecer escolas, ajudar seus padres a decorar adequadamente as capelas e ajudar a estabelecer noviciados para Irmãs e Irmãos.

As prescrições da Igreja não se referem apenas ao jejum e à abstinência, mas também à obrigação da Comunhão Pascal (dever de Páscoa). Eis o que o Vigário da diocese de Sion, na Suíça, recomendou aos fiéis daquela diocese em 20 de fevereiro de 1919:

  • Durante a Quaresma, os párocos terão a Via Sacra duas vezes por semana; um dia para as crianças das escolas e outro dia para os outros paroquianos. Depois da Via Sacra, que seja recitada a Ladainha do Sagrado Coração.
  • Durante a Semana Santa, ou seja, na semana após o Domingo de Ramos, haverá Tríduo em todas as igrejas paroquiais com instrução, Ladainha do Sagrado Coração na presença do Santíssimo Sacramento e Bênção. Nestas instruções, os párocos devem lembrar claramente aos seus paroquianos as principais condições para receber dignamente o Sacramento da Penitência.
  • Fixou-se para todas as paróquias que o tempo na qual o dever de Pácoa pode ser cumprido é do Domingo de Ramos até o primeiro domingo depois da Páscoa.

Por que essas diretivas já não seriam mais úteis?

Aproveitemos este tempo salutar durante o qual Nosso Senhor costuma dispensar abundantemente a Sua graça. Não imitemos as virgens loucasque, sem azeite em suas lâmpadas, encontraram fechada a porta da casa do noivo e receberam esta terrível resposta: “nescio vos” – “não vos conheço“. Bem-aventurados os pobres de espírito, porque deles é o reino dos céus. O espírito de pobreza significa o espírito de desapego das coisas deste mundo.

Bem-aventurados os que têm espírito de pobreza, porque deles é o reino dos céus.” O espírito de pobreza significa o espírito de desapego das coisas deste mundo.

Bem-aventurados os que choram, porque serão consolados”. Pensemos em Jesus que, no Horto das Oliveiras, chorou pelos nossos pecados. De agora em diante, cabe a nós chorar por nossos pecados e pelos de nossos irmãos.

“Bem-aventurados os que têm fome e sede de justiça porque serão saciados.” A santidade é alcançada através da cruz, da penitência e do sacrifício. Se realmente buscamos a perfeição, é preciso então seguir o caminho da cruz.

Que neste tempo da Quaresma escutemos o chamado de Jesus e de Maria e nos comprometamos a continuar nesta cruzada de oração e penitência.

Que as nossas orações, nossas súplicas e os nossos sacrifícios obtenham do Céu a graça de que aqueles que ocupam cargos de responsabilidade na Igreja retornem às suas santas e verdadeiras tradições, única solução para reviver e reavivar as instituições da Igreja. .

Rezemos, com amor, a conclusão do Te Deum:

In te Domine, speravi; non confundar in aeternum” “Em Vós, Senhor, esperei. Não serei confundido eternamente”

D. Marcel Lefebvre
Domingo da Sexagésima
14 de fevereiro de 1982
Rickenbach, Suíça