BELÍSSIMO SERMÃO DO SUPERIOR GERAL DA FSSPX NO FUNERAL DE D. TISSIER

Em seu sermão (a partir dos 24:57min), D. Davide Pagliarani destacou a fidelidade exemplar de D. Tissier à FSSPX e à Santa Igreja.

Homem simples, constante e fervoroso, serviu uma com dedicação incansável, apesar das provações.

Toda a sua vida foi centrada na defesa da Missa tradicional e do reinado de Cristo Rei.

A Fraternidade, embora entristecida, encontra conforto no exemplo deixado por ele, e continua a confiar na Providência quanto ao futuro.

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Em nome do Pai e do Filho e do Espírito Santo, amém.

Excelências reverendíssimas, queridos confrades, queridas irmãs, queridos fiéis, 

Em primeiro lugar, gostaria de expressar as nossas sinceras condolências à família de D. Tissier, aos membros aqui presentes. Nós, como família espiritual de D. Tissier, compartilhamos vossas dores.

Sim, hoje a Fraternidade está verdadeiramente em luto. É uma perda muito importante: é a perda de um Bispo. É a perda, por assim dizer, de uma página da nossa história. Uma lindíssima página de nossa história.

Mas essa perda e o luto no qual hoje nos encontramos são compensados pela consolação do exemplo que ele nos deixou. Nosso Senhor, que sempre cumpre a sua palavra, veio buscá-lo “como um ladrão“: não estávamos preparados para uma morte tão repentina. Mas, em Sua delicadeza, Nosso Senhor quis buscá-lo justamente no momento em que ele celebraria a Missa. Foi nesse momento que Monsenhor perdeu a consciência. Seu último ato foi se dirigir para celebrar a Missa, e ele morreu poucos dias depois. 

Isso não foi por acaso: a Missa era a sua razão de ser. Ele procurou D. Lefebvre porque buscava a fidelidade à Missa. Ele se juntou a ele no mesmo ano em que a nova missa foi promulgada, e permaneceu fiel à Missa de sempre. E agora, o Bom Deus considerou-o pronto: pronto para essa nova liturgia, a liturgia eterna, na qual os sacerdotes, os bispos cantam constantemente: “Eis o Cordeiro que foi imolado – esse Cordeiro, que eu mesmo imolei ao longo de minha vida como sacerdote – eis o Cordeiro digno de receber glória e honra na eternidade”.

1. São Paulo descreve D. Tissier

Em poucas palavras, não é muito difícil esboçar o retrato de D. Tissier, porque isso já foi feito por São Paulo há 2.000 anos. Permitam-me citar São Paulo. O que São Paulo pede a um bispo? E os senhores verão como isso corresponde perfeitamente ao nosso querido D. Tissier. As próprias circunstâncias do seu episcopado, do seu sacerdócio, foram descritas por São Paulo há 2.000 anos. 

Conjuro-te diante de Deus e de Jesus Cristo, que há de julgar os vivos e os mortos, pela sua vinda e pelo seu reino:  prega a palavra, insiste a tempo e fora de tempo, repreende, corrige, admoesta com toda a paciência e doutrina…” Ora, isso é o que D. Tissier sabia fazer. Era franco, sincero, simples, sem duplicidade… firme, constante, livre, livre para pregar a verdade, para falar a verdade, livre para servir Nosso Senhor Jesus Cristo. 

Pois“, diz-nos São Paulo, “virá tempo em que (muitos) não suportarão a sã doutrina, mas acumularão mestres em volta de si, ao sabor das suas paixoes, (levados) pelo prurido de ouvir. Afastarão os ouvidos da verdade e os aplicarão às fabulas.”  Descrição muito precisa da situação em que se encontra a Igreja, onde os homens se voltaram às fábulas, onde os homens da Igreja recorreram às fábulas: o ecumenismo é uma fábula; o secularismo é uma fábula; o Sínodo é uma nova fábula, que dará origem a outras fábulas… Que graça ter compreendido isto em 1969! Que graça ter procurado D. Lefebvre, tê-lo descoberto e ter sido fiel a ele. Que graça não acreditar em fábulas! 

Tu, porém, vigia sobre todas as coisas, suporta os trabalhos, faze a obra de evangelista, cumpre o teu ministério, sê sóbrio. “Seja generoso no seu trabalho“: pregue sempre Cristo, a verdade. “A obra de um evangelista“: pregar Nosso Senhor como Ele é, sem alterar nada, mesmo que não agrade. “Cumpre o teu ministério“, o seu dever, até ao fim. E “sê sóbrio“, é muito interessante: D. Tissier nos deixa o exemplo de uma vida muito pobre e sóbria. E certamente essa simplicidade, essa pobreza, essa alma infantil mantida até o fim, foi o segredo, a chave da sua fidelidade. 

E é, sobretudo, sobre esta fidelidade de D. Tissier que gostaria de meditar convosco por alguns momentos, porque a sua fidelidade resume perfeitamente a sua vida. Fiel a D. Lefebvre, fiel à Fraternidade e fiel à Igreja.

2. A fidelidade de D. Tissier

D.Tissier foi muito claro sobre a noção de que ser fiel à Fraternidade significa ser fiel à Igreja. Ele denunciou muito claramente esse falso dilema, segundo o qual seria necessário escolher entre a fidelidade à Igreja e a fidelidade à Fraternidade. Não! Ser fiel à Fraternidade significa ser fiel aos meios que a Providência nos deu para permanecermos fiéis à Igreja. Não tem escolha. E D. Tissier deixou isso muito, muito claro. 

Fiel ao longo do tempo: isso que é belo! Foi um dos primeiros seminaristas a procurar D. Lefebvre, em 1969, antes mesmo da fundação da Fraternidade, sem saber o que aconteceria. Guiado unicamente pela fé e pelo desejo de servir a Nosso Senhor. Em 1969! Nós, em retrospectiva, sabemos o que aconteceu. Em 1969, havia apenas um pequeno punhado de seminaristas, metade dos quais sairia antes mesmo da Fraternidade ser fundada. Que fé, que fidelidade até hoje, até 2024! Fidelidade ao longo do tempo, perseverança… A perseverança é a fidelidade ao longo do tempo, essa fidelidade inabalável.

E a fidelidade nas provações: todas as provações que ele descreve na biografia de D. Lefebvre, todas essas provações do fundador da Fraternidade são descritas com o olhar, a atenção e o coração do testemunho direto e do discípulo atento e fiel, que, desde o início, compreendeu como a obra de Deus deve ser sempre fecunda através da cruz. Sim, esta cruz que Deus não poupou à Fraternidade desde o início; essa cruz que sempre encontraremos e que é o sinal de que a Fraternidade é obra de Deus. 

E nessa fidelidade, e por esta mesma fidelidade, D. Tissier tem o mérito de ter sido o primeiro a recolher, a estudar, a ordenar todos os fatos da vida de D. Lefebvre, todos os seus ensinamentos. Como um discípulo fiel, ele não queria que nada do legado de D. Lefebvre se perdesse.

Ele sempre teve a preocupação de que esse pensamento fosse fielmente transmitido às novas gerações, a todos nós, às gerações futuras. Essa é uma preocupação crucial para uma obra que tem como objetivo salvaguardar e transmitir sua mensagem, como a Fraternidade São Pio X. E podemos dizer que, mais do que qualquer outro membro da Fraternidade, D. Tissier pode fazer suas as palavras de São Paulo, assim como o próprio D. Lefebvre quis: “Transmiti o que recebi.” Tradidi quod et acepi. Transmiti fielmente o que me foi dado, sem tocá-lo, tal como o recebi, com a delicadeza do discípulo, a humildade do discípulo: quanto mais humilde se é, mais fiel ao transmitir o tesouro que se recebeu, tal como ele é, sem tocá-lo.

E neste tesouro que D. Tissier soube transmitir fielmente, como uma pessoa genial, como um verdadeiro biógrafo de D. Lefebvre, que ele soube sintetizar incontestavelmente esse pensamento e esse material em torno de uma ideia central, que se repetia sistematicamente em seus sermões, em seus discursos: a ideia de Cristo Rei. Para D. Tissier, era muito mais do que um lema episcopal. Pode-se dizer que foi a luz de todo o seu episcopado: os direitos de Nosso Senhor sobre as almas, sobre as consciências, sobre os indivíduos, a Igreja, a família e a sociedade. Quantas vezes D. Tissier voltou a ela! Era realmente a ideia central em torno da qual ele havia reordenado e reorganizado tudo.

E essa fidelidade não era apenas uma fidelidade teórica aos princípios. Essa fidelidade traduziu-se no cumprimento de seus deveres como sacerdote até o fim. E, talvez, eu seja a primeira testemunha a poder dizer isso: D. Tissier quis servir a Fraternidade até o fim, além das suas forças. Era incrível, apesar de sua idade.

E de onde veio essa força? De onde veio essa força? Veio do amor de Nosso Senhor e do amor da Fraternidade. E posso assegurar-vos que cada vez que se tentou – que eu tentei, desculpem-me por usar a primeira pessoa – convidar Monsenhor a viajar, talvez, um pouco menos para tornar as suas tarefas mais leves… foi inútil, foi impossível. Eu não consegui fazer isso. Não consegui. Mas agora, agora, essa é a lembrança mais linda que guardarei de D. Tissier. E é um exemplo para todos os membros da Fraternidade: encontrar forças em Nosso Senhor! Encontrar uma força que vai além da força física que nos resta. Até o fim, até os últimos minutos de nossas vidas. Que exemplo maravilhoso!

3. O futuro da Fraternidade

É claro que todos nós estamos nos perguntando agora: O que vai acontecer? Perdemos um bispo. Como a Fraternidade vai lidar com esse momento? E, acima de tudo, como ela vivenciará o futuro? O próximo futuro, com tudo o que isso implica?

A Fraternidade vive este momento em silêncio, em oração, na gratidão à Providência por nos ter dado tal bispo. E a Fraternidade não tem pressa. Ela simplesmente segue os sinais da Providência.

Aquela mesma Providência que sempre veio em nosso auxílio nos momentos mais críticos e difíceis. Aquela Providência à qual esse jovem de 24 anos se entregou em 1969 e que o guiou até hoje. Aquela Providência que conduziu a Fraternidade no meio da pior tempestade da história da Igreja… Essa Providência não nos abandona hoje. Essa Providência não nos abandonará amanhã. Ela já nos mostrou mais do que suficiente a sua ajuda, a sua assistência. Por isso, nosso luto hoje se mistura a uma confiança renovada.

Então, o que isso muda? Só uma coisa muda agora, só uma coisa: a certeza e o reconhecimento de ter um bispo a menos na Terra, mas de termos na eternidade alguém que vigia a Fraternidade. Temos um novo protetor, que na eternidade continuará a nos observar, continuará, através de sua oração, a nos auxiliar, e continuará, através das lembranças que nos deixou, é claro, através de seu exemplo, a nos indicar em que direção deve seguir. Isso é o que muda para nós.

Gostaria também de aproveitar esta oportunidade para agradecer todas as orações e mensagens que foram enviadas à Fraternidade nesses últimos dias, que testemunham tanto a grande estima que todos tinham por D. Tissier, como o apego a Fraternidade. Agradeço-vos todas estas orações e, naturalmente, convido-vos a continuar rezando: pelo repouso da alma de D. Tissier, e pela Fraternidade neste momento particular. 

Confiemos tudo isto à Santíssima Virgem. D. Tissier tinha uma grande devoção por ela. A devoção da Fraternidade era sua, e é sobretudo sob a sua proteção que, temos certeza, o futuro estará em continuidade com o passado, e com a história da Fraternidade tal como se desenvolveu até hoje, e tal como D. Tissier, em particular, soube incorporá-la e representá-la. 

Em nome do Pai e do Filho e do Espírito Santo, amém.