HOMEM DESDE O MOMENTO DA CONCEPÇÃO

Fonte: FSSPX México – Tradução: Dominus Est

Concebido no ventre de sua mãe, esse pequeno embrião, dê a ele o nome que quiser, já é um homem. Se antigamente poderia duvidar-se que houvesse uma nova vida humana no ventre de uma mãe, desde o momento da concepção da criança – com tudo o que isso implica –, a ciência hoje não nos deixa nenhuma dúvida: interromper a gravidez voluntariamente, ainda que fosse possível fazê-lo no primeiro momento da concepção, seria assassinar um inocente e privá-lo para sempre da visão de Deus. Tal crime não pode ser descriminalizado sem incorrer em terríveis castigos para uma nação inteira.

A alma do embrião na biologia tomista

Este poderia ser o título de um livro inteiro e estamos escrevendo apenas um artigo em uma revista de divulgação, mas diremos algumas coisas. Interessa enormemente ao moralista e ao teólogo definir com precisão o momento em que o homem recebe a alma espiritual, e o instante em que a perde. Porém determinar precisamente o momento da concepção de um organismo vivo, com suas diferentes etapas e também o instante de sua morte, não pertence propriamente ao moralista nem ao que é comumente entendido por um teólogo, senão ao biólogo.

E hoje que a biologia moderna fez progressos tão maravilhosos, parece que a “Suma Teológica” de São Tomás de Aquino já não tem mais nada a nos dizer. Mas, certamente, não é assim.

A ciência moderna perdeu, há muito tempo, a sabedoria, pois desconfiou da inteligência e se apegou à observação e à medida. Daí que seus progressos foram reduzidos à ordem puramente corporal e material, que é sensível e quantificável, perdendo de vista de toda a realidade que se eleve acima deste horizonte, pois já não sabe ver com a mente.

Ela perdeu a capacidade de perceber, então, não só a realidade da alma espiritual, própria do homem, mas também a dos princípios animadores dos organismos vivos – a alma animal e vegetal – que, embora dependam, em sua existência, da organização material – que poderíamos chamar de físico-química – no entanto, não apenas não se reduzem a ela, senão que, precisamente, a organizam e a governam. Essa carência não causa tantos problemas para a física, mas é uma catástrofe na biologia. 

São Tomás é um teólogo. Contudo, um teólogo não só se interessa somente pelas coisas divinas, mas também se interessa por tudo, pois tudo é obra de Deus e, por isso, a teologia tem algo a dizer sobre qualquer assunto.

O santo se interessou, pois, pela biologia, adentrando com sua mente prodigiosa nos escritos de Aristóteles; este não foi apenas o filósofo por excelência, mas também se dedicou à observação e investigação dos fenômenos vitais, tanto dos homens quanto das plantas e animais.

Nem Aristóteles, a propósito, nem São Tomás dispunham de microscópios eletrônicos para observar a constituição de uma célula, de modo que, comparado ao que se poderia ver hoje, suas observações são muitas vezes grosseiras.

Mas não se envergonhavam de usar a inteligência, e essa sim era muito poderosa. Por essa razão que a biologia tomista tem muito a corrigir e aprender com a biologia moderna, mas é muitíssimo maior aquilo que a biologia moderna deve aprender com São Tomás de Aquino.

Deve aprender a ver que o é o próprio princípio vital (ou seja, a alma) o princípio  que explica e governa todo o fenômeno da vida; mas que ela é uma realidade que não aparece na tela de nenhum dispositivo, pois está acima da ordem puramente material. A diferença entre um biólogo moderno – que sabe muito sobre “DNAs” e nada de animação – e um verdadeiro biólogo, é mais ou menos a mesma que existe entre um farmacêutico e um médico.

Para São Tomás, o momento da concepção do homem não coincide com o momento de sua animação, isto é, com o momento em que ele recebe sua alma espiritual. O momento da concepção é aquele exato instante em que, havendo fecundado o esperma do pai sobre o óvulo da mãe, começa a existir uma nova substância que tem vida independente da de seus progenitores.

Mas para São Tomás, seguindo fielmente a Aristóteles nisto, este primeiro estado vital não é o suficiente para receber de Deus a alma espiritual, e deve passar vários dias e vários novos estados progressivamente superiores para que o embrião esteja pronto para o momento de sua animação final, que começa a ser agora propriamente uma pessoa humana, animada de um princípio vital de ordem espiritual, único capaz de subsistir por si mesmo após a morte.

As consequências desta opinião sobre o crime de aborto são muito importantes, porque se o aborto ocorre após a fertilização, mas antes da última animação, ainda há uma alma imortal e não se coloca em jogo, então, seu destino eterno. Assim, por exemplo, os embriões congelados que existem aos milhares nasfrankensteinianas clínicas modernas, não seriam nada além de projetos de seres humanos que não teriam ainda uma alma espiritual.

A maioria dos autores tomistas mais recentes consideram obsoleta esta opinião da “animação tardia”, assumindo que a recepção da alma espiritual coincide plenamente com o primeiro instante da concepção – embora geralmente, deslumbrados com as precisões da biologia moderna não as incorpora no marco da verdadeira e necessária doutrina tomista das almas vegetativa, sensível e espiritual.

Alguns, no entanto, voltam a valorizar “animação tardia” por uma razão muito simples: para diminuir o tremendo problema teológico e moral que implica a manipulação genética e o aborto. Haveria uma imensa multidão de almas que saem de seus pequenos corpos sem a remota possibilidade do batismo! É claro que os teólogos do primeiro gênero, depois do Concílio Vaticano II, resolveram esse problema fechando o limbo e enviando generosamente todas essas almas para o céu, deixando de lado a doutrina dogmática da exigência do batismo para a salvação.

Que devemos pensar sobre a tese da “animação tardia”, se se quer ser completamente fiel a São Tomás? Para nós não há dúvida de que, dada a complexidade da primeira célula não é necessário “retardar” o instante da animação, distinguindo-o do momento da concepção. As almas se distinguem por suas potências. A alma vegetativa tem como potência básica a nutrição e a alma sensitiva o sentido do tato.

Mas essas potências não podem dar-se sem um órgão corporal associado como um instrumento, o que implica necessariamente uma certa complexidade estrutural. Seria contraditório pensar que uma alma vegetativa anime uma substância de estrutura corporal tão simples – por exemplo, uma solução salina – que não possui um sistema de nutrição e crescimento. E evidentemente o órgão do tato supõe algo ainda mais complexo.

Para Aristóteles era fácil comprovar que um ovo de galinha fecundado – que aparentemente não mostra mais complexidade do que a clara e a gema – teria o poder de alimentar-se de sua própria substância e crescer em complexidade, o que demonstrava a presença de, ao menos, um princípio vegetativo. Mas a simplicidade do que se observava não justificava a presença de órgãos dos sentidos, que parecem exigir o aparecimento de uma incoação, ao menos do sistema nervoso.

Assim, observando os estágios de complexidade da estrutura animal, Aristóteles estimava que só depois de algum tempo se fazia possível a presença de um princípio de vida sensitiva. Contudo, se ele tivesse conhecido a complexidade que tem a estrutura de uma simples célula, provavelmente não teria tido dificuldade em aceitar que desde o primeiro instante da concepção já se torna presente o princípio vital perfeito próprio da espécie, seja vegetal, animal ou humano.

É evidente que, neste aspecto, a biologia tomista pode e deve progredir. Mas o grande defeito da biologia moderna é não ver além do estritamente material, e pretender dar uma explicação do fenômeno da vida por suas estruturas e potencialidades puramente físico-químicas, o que acaba sendo uma espécie de mecanismo cibernético.

Isso implica uma grande cegueira intelectual. Uma estrutura molecular tão complexa como a de uma célula, pelas puras forças físico-químicas só tenderia a desintegrar-se. A multiplicação de células, sua diversificação e especificação em um organismo de complexidade infinitamente superior àquela da célula inicial com a qual, por exemplo, um gato inicia sua vida, clama pela presença de um princípio superior – a alma – que dirija todo este processo; no qual se encontre virtualmente contido o desenho do organismo final. Mas, é claro, se se reconhece a existência de um princípio de ordem superior a todo processo físico-químico, deve-se descartar a teoria da evolução, pois já não haveria como saltar da ordem mineral à ordem orgânica sem a intervenção de um poderosíssimo Criador.

E assim como a biologia moderna se fez incapaz de compreender o que é a vida, tampouco sabe o que é a morte, constituindo-se em um péssimo juiz do instante em que ela se produz. Que necessidade temos de biólogos tomistas, sem complexos de inferioridade perante os avanços científicos!

Pe. Álvaro Calderón
Extraído da Revista “Iesus Christus” Nº 130, correspondente ao ano XXII, bimestre julho-agosto de 2010.