O que se segue é a transcrição de um sermão proferido pelo Revmo. Pe. Gabriel Billecocq, FSSPX, na St. Nicolas-du-Chardonnet, a principal igreja da nossa Fraternidade em Paris. É um texto muito equilibrado, uma advertência salutar para evitar os excessos na qual podemos nos inclinar nestes tempos difíceis e um lembrete ainda mais salutar de que devemos permanecer sempre focados na “única coisa necessária”: Deus e Sua vontade.
Fonte: SSPX Great Britain – Tradução: Dominus Est
É uma visão verdadeiramente apocalíptica que a Igreja nos dá hoje no Evangelho, com Nosso Senhor descrevendo o que aparentemente é o final dos tempos – tempos difíceis, dolorosos, cujos dias serão abreviados pelo bem dos eleitos, como nosso próprio Senhor nos diz.
Percebam que todos nós temos uma pequena de curiosidade em saber como essas coisas vão acontecer, como será o final dos tempos, e talvez alguns dos senhores tenham sido curiosos o suficiente para pegar e ler o livro do Apocalipse e tentar adivinhar muito concretamente, muito materialmente, como essas coisas vão acontecer. Os senhores terão lido sobre as famosas bestas e a “marca da Besta”, o sinal da Besta.
Meus queridos fiéis, nossa curiosidade sobre essas coisas tende a ser mórbida. A curiosidade mórbida existe: uma curiosidade que nos atrai mais para o pecado do que para o belo e o bom. Podemos vê-la por nós mesmos – há exemplos ao nosso redor. É triste ver quantos jovens são atraídos por imagens ruins, ao invés de ler o Evangelho ou se interessar pelo que nosso Senhor fez durante Sua vida. E temos que admitir que podemos ser afetados por essa curiosidade mórbida quando pensamos no final dos tempos, imaginando como será o Anticristo, como nascerá, quem será, como seremos capazes de reconhecê-lo, qual será a marca do Anticristo… E sabemos que as pessoas agora estão fazendo todo tipo de especulação sobre essas coisas. Ao mesmo tempo que o Apocalipse diz no que cada um dos eleitos será marcado com o selo de Deus – e eu nunca tive um único fiel que se aproximasse de mim e me perguntasse o que é o selo de Deus. Todos perguntam: “O que é o selo do demônio? Qual é a marca da Besta?” Ninguém pergunta: “O que é o selo de Deus?” Meus queridos irmãos, este é apenas um exemplo de como nossa curiosidade se volta mais facilmente para o que é mau e feio do que para o que é bom e belo, e isso é uma coisa triste.
Assim, para dissipar um pouco toda essa curiosidade, hoje vamos falar sobre esse sinal da Besta, como aparece no Apocalipse e como certos Padres da Igreja o entendem. Ouvimos muito falar sobre essas coisas hoje em dia, infelizmente, com tudo o que estamos vivendo em nosso mundo.
É verdade que o Apocalipse inclui aquela famosa afirmação de que aqueles que seguem a Besta terão uma marca na testa e no braço, e que não poderão comprar nada se não tiverem essa marca. Muitas pessoas estão se perguntando se a vacina pode ser a marca da Besta – da mesma forma que essas mesmas pessoas se perguntavam se os cartões de crédito eram a Besta, e depois se os códigos de barras eram, talvez, o sinal da Besta.
Então o Apocalipse acrescenta o nome da Besta, dizendo que é o nome de um homem, e o número do seu nome é 666. As pessoas também especulam sobre essas expressões no Apocalipse.
Em primeiro lugar, a marca da Besta é um selo na mão e na testa, e Santo Agostinho explica realmente o que isso significa. Santo Agostinho não descreve este selo como uma marca visível aos olhos, como uma tatuagem que uma pessoa faz ou como um chip inserido em nosso corpo. Ele diz que a marca na mão e o caracter na testa significam duas formas de pertencer ao demônio.
A primeira forma de pertencimento é a marca na testa, que significa o pertencimento por confissão aberta. A primeira maneira pela qual pertencemos à Besta – a marca em nossa testa – é proclamando abertamente que a Besta é toda-poderosa e ao mesmo tempo negando que Deus é todo-poderoso. Outro Padre da Igreja dá a mesma interpretação, que uma das marcas de pertença à Besta é a negação: a negação de Deus, a negação de Seu poder onipotente, a negação de que Deus criou o mundo, a negação de Sua Encarnação, a negação da Redenção… Em uma palavra, esta marca na testa equivale a apostasia, apostasia no coração. A testa é o que aparece abertamente, e Santo Agostinho explica que o que aparece em nossa testa é o que mostramos exteriormente de nosso pensamento interior, assim como o sinal do cristão é o sinal da cruz, que começamos em nossa testa, com a nossa mão. Assim como o sinal do cristão é o sinal da cruz, pelo qual o cristão mostra exteriormente que pertence a Jesus Cristo – ou seja, quer seguir Jesus Cristo seu Mestre e carregar sua própria cruz – do mesmo modo o primeiro sinal do demônio, aquela marca na testa, significa que um homem nega abertamente a Deus e afirma que o demônio tem poder onipotente.
A segunda marca é a da mão. Mais uma vez Santo Agostinho explica que essa marca não é uma espécie de tatuagem ou chip que alguém impõe na mão de uma pessoa. Ele explica que nas Escrituras as mãos expressam obras. A segunda marca de pertencer à Besta são as más ações, as obras do pecado. Aquele que pertence à Besta é aquele que segue o demônio fazendo o mal, pela realização do mal, pela obra do pecado.
Meus queridos fiéis, tendes aí o significado dessas marcas, os sinais da Besta.
Nossa salvação, antes de mais nada, não é material, tal como nosso combate, antes de mais anda, não é material.
Portanto, nossa pertença a Deus ou ao demônio não é, antes de tudo, algo material. Não é primeiro inscrevendo algo em nosso corpo que pertencemos ao demônio, nem é primeiro inscrevendo algo em nosso corpo que pertencemos a Deus. A primeira marca de nossa pertença a Deus é um caráter, um caráter indelével, impresso em nossa alma pelo batismo. Essa é a primeira marca da pertença do cristão a Deus. E é esse caráter que lhe dá acesso a todos os outros sacramentos. A marca de pertença à Besta é também um caráter da alma, não indelével, graças a Deus, mas o caráter de uma vontade que se volta para o mal e comete pecado.
Nosso combate é espiritual e, portanto, nossa pertença a Deus é espiritual. E a pertença ao demônio também é espiritual. a pertença a Deus acontece pela graça, e esse é o sinal pelo qual reconhecemos os eleitos de Deus. Os eleitos são aqueles que são marcados com o selo da graça, ou seja, o selo da caridade. Pertencer ao demônio significa pecado. Esse homem pertence ao demônio que não tem o amor de Deus nele, mas apenas o amor das coisas terrenas, materiais, sensíveis, ou mesmo simplesmente humanas, sem nada além.
Quanto a este número 666 de que fala o Apocalipse, esse livro também diz que este número da Besta é “o número de um homem”. Santo Irineu dá talvez a melhor explicação para este número. Muitas pessoas tentaram encontrar esse número literalmente ou encontrar o nome que ele contém, como os rabinos costumavam fazer, já que os números nas Escrituras sempre têm algum simbolismo. Existe até uma ciência chamada numerologia, que dá a interpretação dos números. Santo Irineu diz mais do que apenas isso.
Os Padres da Igreja concordam que este nome será desconhecido para nós até que o Anticristo apareça de fato. Esta profecia do Apocalipse é como qualquer outra profecia: só se torna clara no seu cumprimento. Mas Santo Irineu ainda pode explicar que o número 666 está cheio de simbolismo, tal como o número de 144 mil eleitos que são contados no Apocalipse (12 mil de cada tribo), como ouvimos na Festa de Todos os Santos. Os números nas Escrituras são realmente simbólicos. O 7 representa a perfeição, o 8 representa a plenitude e o 6 representa uma imperfeição. Não apenas uma imperfeição qualquer, mas os Padres dizem que parar em 6 significa impedir que o número se abra para Deus. Assim, o número 6 indica não alguma imperfeição natural inerente à criatura, mas um retorno do homem sobre si mesmo. E Santo Irineu continua explicando que o triplo seis (666) representa uma tripla volta do homem sobre si mesmo: não apenas um pecado do corpo, mas um pecado da alma, ou seja, do intelecto e da vontade, e também um terceiro pecado que ele chama de pecado do espírito.
Esse pecado do corpo, como sabemos, significa todos aqueles pecados que são muito difundidos hoje: pecados contra a natureza, aqueles pecados que clamam vingança ao Céu. O pecado da alma, isto é, do intelecto e da vontade, corresponde ao pecado de obstruir ou distorcer o intelecto para que ele seja incapaz de alcançar a verdade. Meus queridos irmãos, precisamos agradecer àqueles que se dedicam aos nossos filhos e dar-lhes uma educação genuína na verdade que os leva a Jesus Cristo. Mas esse pecado da alma, de fazer tudo para impedir que a criança chegue à verdade, também afeta a vontade. É outro lado desses programas de educação modernos, de impedir que a criança conheça o bem, o verdadeiro bem e como praticar o bem. O último dos três 6 significa o pecado do espírito, o pecado de nos fecharmos a Deus; é o pecado pelo qual o homem recusa a Deus. Este pecado corresponde à abominação da desolação no templo sagrado, talvez como o vemos hoje com esta nova Missa em que a adoração é totalmente orientada para o homem.
Meus queridos fiéis, vejam como os Padres da Igreja explicam essas misteriosas palavras do Apocalipse, que ainda permanecem misteriosas. Temos que nos impedir de correr atrás de interpretações, cada uma mais louca que a outra. Não importa quais dificuldades estamos passando hoje, não importa quais mentiras e erros estão nos sendo servidos – e muitas mentiras e erros estão nos sendo servidos! – por mais perigosos que sejam certos produtos que as pessoas querem injetar em nós, não esqueçamos que a marca da Besta é algo espiritual: significa pecado. Pertencemos ao demônio pelo pecado; pertencemos a Deus pela graça e pela caridade.
Nosso Senhor é muito claro neste ponto, e Ele nos diz: “Não temais aqueles que podem matar o corpo” – e hoje temos uma aplicação direta – “Não temais aqueles que podem matar o corpo; antes temais Aquele que tem o poder de lançar no fogo do inferno”. E novamente, Nosso Senhor disse a Seus Apóstolos pouco antes de deixá-los: “Coragem; Eu venci o mundo.” Não temos nada a temer das coisas materiais deste mundo. Devemos temer o pecado. Não devemos temer a morte do corpo; devemos temer a morte eterna.
É verdade, meus queridos fiéis, que o futuro nos é desconhecido e pode parecer muito sombrio, de fato. No entanto, há coisas que sabemos com absoluta certeza: Deus é nosso Pai; Deus não se esquece de Seus filhos; Deus protege Seus filhos; Deus alimenta Seus filhos.
Sejam quais forem as provações que teremos de enfrentar, estejamos perfeitamente confiantes: podemos não saber nada sobre os sofrimentos que virão, mas sabemos com absoluta certeza que a graça nunca nos falhará. Essa é a nossa esperança e nossa alegria neste mundo de tristeza.
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Dois outros excelentes textos sobre o tema:
“NOSSA ÚNICA PREOCUPAÇÃO”- PE. GABRIEL BILLECOCQ, FSSPX
ELES TREMIAM DE MEDO ONDE NÃO HAVIA NADA A TEMER – PE. FRÉDÉRIC WEIL, FSSPX