QUANDO A BÚSSOLA SE TRANSFORMA EM UM CATAVENTO

Do novo rito da Missa à negação do sacrifício

Fonte: La Porte Latine – Tradução: Dominus Est

Em um artigo publicado por La Croix(1), o Pe. Martin Pochon SJ afirma deliberadamente o oposto do Concílio de Trento: Jesus “ofereceu o seu corpo e sangue, não a Deus, mas aos seus discípulos, em nome do seu Pai”, considerando que a doutrina tridentina não faz justiça ao verdadeiro significado evangélico da Ceia Pascal, e que o rito de Paulo VI contribuiu para recuperá-lo. 

Recordemos o que afirma o Concílio de Trento: “Se alguém disser que na Missa não se oferece a Deus um verdadeiro e autêntico sacrifício ou que “ser oferecido” não significa outra coisa senão o fato de Cristo nos ser dado como alimento: que seja anátema.(2)”

Jesus anunciou que oferecia a própria vida (João 10, 17-18) e, na Última Ceia, afirmou que o seu sangue é derramado para a remissão dos pecados (Mateus 26, 28), uma clara alusão aos sacrifícios cruentos da Lei de Moisés destinados a obter o perdão das faltas. As epístolas de São Paulo explicam o caráter sacrificial desse ato:

“Porquanto Cristo, nosso Cordeiro pascal, foi imolado” (1 Cor 5, 7),

Ele “se entregou a si mesmo por nós a Deus, como oferenda e sacrifício de suave odor” (Ef 5, 2), e é nele que “temos a redenção, a remissão dos pecados” (Cl 1, 14).

A Epístola aos Hebreus explica como este sacrifício é superior aos da Antiga Lei, de modo que é verdadeiramente eficaz e não precisa ser renovado: Jesus “é capaz de salvar definitivamente aqueles que, por meio dele, se aproximam de Deus, estando sempre vivo para interceder em seu favor. De fato, esse é precisamente o sumo sacerdote de que precisávamos, santo, inocente, imaculado, separado agora dos pecadores, elevado acima dos céus, que não precisa diariamente, como os sumos sacerdotes, oferecer vítimas primeiro por seus próprios pecados e depois pelos do povo, pois isso ele fez de uma vez por todas, oferecendo-se a si mesmo.” (3)

Nos sacrifícios antigos, a manducação da vítima imolada pelos oferentes simbolizava a união intencional destas com o sacrifício e o recebimento de dons divinos. O Salvador instituiu o sacramento da Eucaristia à semelhança dessa refeição sacrificial, que nos permite unir-nos a Ele após a oferta do sacrifício. Nesse sentido, há um dom concedido aos fiéis, mas como fruto do sacrifício.

O padre jesuíta nega esse sacrifício. Como podemos explicar o abandono explícito de um dogma de fé claramente conhecido – ele dá a referência em seu artigo – em favor de uma interpretação distorcida do Evangelho(4)? Como podemos explicar uma relativização tão flagrante de uma declaração dogmática pronunciada por um Concílio Ecumênico [5]?

Pode-se propor a seguinte explicação: a liturgia tem um sentido e molda mentes. No entanto, o autor do artigo afirma: “Quatro séculos depois [do Concílio de Trento], a reforma litúrgica que se seguiu ao Concílio Vaticano II procurou aproximar-se do significado da Última Ceia, tal como nos é apresentado pelos Evangelhos e pelo Apóstolo Paulo na sua Primeira Carta aos Coríntios. A comissão encarregada de rever o ritual percebeu que a afirmação tridentina era infundada, porque Jesus nunca pretendeu especificar com que autoridade falava e agia e, sobretudo, ofereceu o seu corpo e sangue não a Deus, mas aos seus discípulos, em nome do Pai.  ”

A opinião publicada pelo La Croix, que deve ser considerada herética, se é que as palavras ainda têm significado, talvez seja um resultado direto do Concílio e da nova liturgia.

Pe. Nicolas Cadiet, FSSPX

Notas

  1. Martin Pochon SJ, “Como restaurar a unidade da Igreja se ela não está fundada nos Evangelhos?”, La Croix , 24 de outubro de 2025, https://www.la-croix.com/a-vif/comment-retablir-l-unite-ecclesiale-si-elle-nest-pas-fondee-sur-les-evangiles-20251024 . O autor resume seu livro A Eucaristia: Dom ou Sacrifício?, Vie chrétienne, 2025.
  2. Concílio de Trento, doutrina e cânones sobre o sacrifício da Missa, 17 de setembro de 1562, cânon 1. Essa formulação, com a ameaça de anátema (excomunhão), expressa claramente a intenção do Concílio de definir uma verdade de fé.
  3. Hebreus 7, 26-27
  4. Após um longo período de trabalho, o autor publicou uma extensa obra exegética sobre a Epístola aos Hebreus à luz dos Evangelhos, Cerf, 2020.
  5. E lembrada por João Paulo II na encíclica Ecclesia de Eucharistia em 2003.