DA COMPUNÇÃO DO CORAÇÃO

Resultado de imagem para compunção do coraçãoSe queres fazer algum progresso, conserva-te no temor de Deus e não busques demasiada liberdade; refreia, antes, todos os teus sentidos com a disciplina e não te entregues à vã alegria. Procura a compunção do coração e acharás a devoção. A compunção descobre tesouros, que a dissipação bem depressa costuma desperdiçar. É de estranhar que o homem jamais possa, nesta vida, gozar perfeita alegria, se considera seu exílio e pondera os muitos perigos de sua alma.

Pela leviandade do coração e pelo descuido dos nossos defeitos não percebemos os males de nossa alma; e muitas vezes, rimo-nos frivolamente, quando, com razão, devíamos chorar. Não há verdadeira liberdade nem perfeita alegria, sem o temor de Deus e Boa consciência. Ditoso aquele que pode apartar de si todo estorvo das distrações e recolher-se com santa compunção. Ditoso aquele que rejeita tudo que lhe possa manchar ou agravar a consciência. Peleja varonilmente: um costume com outro se vence.

Se souberes deixar os homens, eles te deixarão fazer tuas boas obras. Não te metas em coisas alheias, nem te impliques nos negócios dos grandes. Olha sempre primeiro para ti e admoesta-te com mais particularidade que a todos os teus amigos. Não te entristeça a falta dos humanos favores, mas penalize-te o não viveres com tanta cautela e prudência como convém a um servo de Deus e devoto religioso. Mais útil e mais seguro é para o homem não ter nesta vida muitas consolações, mormente sensíveis. Todavia, se não temos, ou raramente sentimos o consolo divino, a culpa é nossa, porque não procuramos a compunção do coração, nem rejeitamos de todo as vãs consolações exteriores. Continuar lendo

DA CONSIDERAÇÃO DA MISÉRIA HUMANA

Resultado de imagem para cabeça baixaMiserável serás, onde quer que estejas e para onde quer que te voltes, se não te voltares para Deus. Por que te afliges, quando não te correm as coisas a teu gosto e vontade? Quem é que tem tudo à medida de seu desejo? Nem eu, nem tu, nem homem algum sobre a terra. Ninguém há no mundo sem nenhuma tribulação ou angústia, quer seja rei quer Papa. Quem é que vive mais feliz? Aquele, de certo, que sabe sofrer alguma coisa por Deus.

Dizem muitos mesquinhos e tíbios: Olhai, que boa vida tem este homem: quão rico é, quão grande e poderoso, de que alta posição! Olha tu para os bens do céu, e verás que nada são os bens corporais, mas muito incertos e onerosos, pois nunca vive sem temor e cuidado quem os possui. Não consiste a felicidade do homem na abundância dos bens temporais; basta-lhe a mediania. O viver na terra é verdadeira miséria. Quanto mais espiritual quer ser o homem, mais amarga lhe será a vida presente, porque conhece melhor e mais claramente vê os defeitos da humana corrupção. Porque o comer, beber, velar, dormir, descansar, trabalhar e estar sujeito a todas as demais grandes misérias e aflições para o homem espiritual que deseja estar isento disto e livre de todo pecado.

Sim, muito oprimido se sente o homem interior com as necessidades corporais neste mundo. Por isto roga o profeta a Deus, devotamente, que o livre delas, dizendo: Livrai-me, Senhor, das minhas necessidades (Sl 24,17). Mas, ai daqueles que não conhecem a sua miséria, e, outra vez, ai daqueles que amam esta miserável e corruptível vida! Porque há alguns tão apegados a ela – posto que mal arranjem o necessário com o trabalho ou com a esmola – que, se pudessem viver aqui sempre, nada se lhes daria do reino de Deus. Continuar lendo

DOS EXERCÍCIOS DO BOM RELIGIOSO

Resultado de imagem para pessoa religiosaA vida do bom religioso deve ser ornada de todas as virtudes, para que corresponda o interior ao que por fora vêem os homens; e com razão, ainda mais perfeito deve ser no interior do que por fora parece, pois lá penetra o olhar perscrutador de Deus, a quem devemos suma reverência, em qualquer lugar onde estivermos, e em cuja presença devemos andar com pureza Angélica. Cada dia devemos renovar nosso propósito e exercitar-nos a maior fervor, como se esse fosse o primeiro dia de nossa conversão, dizendo: Confortai-me, Senhor, meu Deus, no bom propósito e em vosso santo serviço; concedei-me começar hoje deveras, pois nada é o que até aqui tenho feito.

A medida da nossa resolução será nosso progresso, e grande solicitude exige o sério aproveitamento. Se aquele que toma enérgicas resoluções tantas vezes cai, que será daquele que as toma raramente ou menos firmemente propõe? Sucede, porém, de vários modos deixarmos o nosso propósito; e raras vezes passa sem dano qualquer leve omissão de nossos exercícios. O propósito dos justos mais se firma na graça de Deus, que em sua própria sabedoria; nela confiam sempre, em qualquer empreendimento. Porque o homem propõe, mas Deus dispõe, e não está na mão do homem o seu caminho (Jer 10,23).

Quando, por motivo de piedade ou proveito do próximo, se deixa alguma vez o costumado exercício, fácil é reparar depois essa falta; omiti-lo, porém, facilmente, por enfado ou negligência, já é bastante culpável, e sentir-se-á o prejuízo. Esforcemo-nos quanto pudermos, ainda assim cairemos em muitas faltas; contudo, devemos sempre fazer um propósito determinado, mormente contra os principais obstáculos do nosso progresso espiritual. Devemos examinar e ordenar tanto o interior como o exterior, porque ambos importam ao nosso aproveitamento. Continuar lendo

DO AMOR À SOLIDÃO E AO SILÊNCIO

Resultado de imagem para solidãoProcura tempo oportuno para cuidar de ti e relembra a miúdo os benefícios de Deus. Renuncia às curiosidades e escolhe leituras tais, que mais sirvam para te compungir, que para te distrair. Se te abstiveres de conversações supérfluas e passeios ociosos, como também de ouvir novidades e boatos, acharás tempo suficiente e adequado para te entregares a santas meditações. Os maiores santos evitavam, quando podiam, a companhia dos homens, preferindo viver com Deus, em retiro.

Disse alguém: “Sempre que estive entre os homens menos homem voltei” (Sêneca, Epist. 7). Isso experimentamos muitas vezes, quando falamos muito. Mas fácil é calar de todo, do que não tropeçar em alguma palavra. Mas fácil é ficar oculto em casa, que fora dela ter a necessária cautela. Quem, pois, pretende chegar à vida interior e espiritual, importa-lhe que se afaste da turba, com Jesus. Ninguém, sem perigo, se mostra em público, senão quem gosta de esconder-se. Ninguém seguramente fala, senão quem gosta de calar. Ninguém seguramente manda, senão o que perfeitamente aprendeu a obedecer.

Não pode haver alegria segura, sem o testemunho de boa consciência. Contudo, a segurança dos santos estava sempre misturada com o temor de Deus; nem eram menos cuidadosos e humildes em si mesmos, porque resplandeciam em grandes virtudes e graças. A segurança dos maus, porém, nasce da soberba e presunção, e acaba por enganar-se a si mesma. Nunca te dês por seguro nesta vida, ainda que pareças bom religioso ou ermitão devoto. Continuar lendo

DO SOFRER OS DEFEITOS DOS OUTROS

Aquilo que o homem não pode emendar em si mesmo ou nos demais, deve-o tolerar com paciência, até que Deus disponha de outro modo. Considera que talvez seja melhor assim, para provar tua paciência, sem a qual não têm grande valor nossos méritos. Todavia, convém, nesses embaraços, pedir a Deus que te auxilie, para que os possas levar com seriedade.

Se alguém, com uma ou duas advertências, não se emendar, não contendas com ele; mas encomenda tudo a Deus para que seja feita a sua vontade, e seja ele honrado em todos os seus servos, pois sabe tirar bem do mal. Procura sofrer com paciência os defeitos e quaisquer imperfeições dos outros, pois tens também muitas que os outros têm de aturar. Se não te podes modificar como desejas, como pretendes ajeitar os outros à medida de teus desejos? Muito desejamos que os outros sejam perfeitos, e nem por isso emendamos as nossas faltas.

Queremos que os outros sejam corrigidos com rigor, e nós não queremos ser repreendidos. Estranhamos a larga liberdade dos outros, e não queremos sofrer recusa alguma. Queremos que os outros sejam apertados por estatutos e não toleramos nenhum constrangimento que nos coíba. Donde claramente se vê quão raras vezes tratamos o próximo como a nós mesmos. Se todos fossem perfeitos, que teríamos então de sofrer nós mesmos por amor de Deus?

Ora, Deus assim o dispôs para que aprendamos a carregar uns o fardo dos outros; porque ninguém há sem defeito; ninguém sem carga; ninguém com força e juízo bastante para si; mas cumpre que uns aos outros nos suportemos, consolemos, auxiliemos, instruamos e aconselhemos. Quanta virtude cada um possui, melhor se manifesta na ocasião da adversidade; pois as ocasiões não fazem o homem fraco, mas revelam o que ele é.

Imitação de Cristo – Tomás de Kempis

DAS OBRAS FEITAS COM CARIDADE

Por nenhuma coisa do mundo, nem por amor de pessoa alguma, se deve praticar qualquer mal; mas, em prol de algum necessitado, pode-se, às vezes, omitir uma boa obra, ou trocá-la por outra melhor. Desta sorte, a boa obra não se perde, mas se converte em outra melhor. Sem a caridade, nada vale a obra exterior; tudo, porém, que da caridade procede, por insignificante e desprezível que seja, produz abundantes frutos, porque Deus não atende tanto à obra, como à intenção com que a fazemos.

Muito faz aquele que muito ama. Muito faz quem bem faz o que faz. Bem faz quem serve mais ao bem comum que à sua própria vontade. Muitas vezes parece caridade o que é mero amor-próprio, porque raras vezes nos deixa a inclinação natural, a própria vontade, a esperança da recompensa, o nosso interesse.

Aquele que tem verdadeira e perfeita caridade em nada se busca a si mesmo, mas deseja que tudo se faça para a glória de Deus. De ninguém tem inveja, porque não deseja proveito algum pessoal, nem busca sua felicidade em si, mas procura sobre todas as coisas ter alegria e felicidade em Deus. Não atribui bem algum à criatura, mas refere tudo a Deus, como à fonte de que tudo procede, e em que, como em fim último, acham todos os santos o deleitoso repousar. Oh! Quem tivera só uma centelha de verdadeira caridade logo compreenderia a vaidade de todas as coisas terrenas!

Imitação de Cristo – Tomás de Kempis

COMO SE DEVE EVITAR O JUÍZO TEMERÁRIO

abcRelanceia sobre ti o olhar e guarda-te de julgar as ações alheias. Quem julga os demais perde o trabalho, quase sempre se engana e facilmente peca; mas, examinando-se e julgando-se a si mesmo, trabalha sempre com proveito. De ordinário, julgamos as coisas segundo a inclinação do nosso coração, pois o amor-próprio facilmente nos altera a retidão do juízo. Se Deus fora sempre o único objetivo dos nossos desejos, não nos perturbaria tão facilmente qualquer oposição ao nosso parecer.

Muitas vezes existe, dentro ou fora de nós, alguma coisa que nos atrai e em nós influi. Muitos buscam secretamente a si mesmos em suas ações, e não o percebem. Parecem até gozar de boa paz, enquanto as coisas correm à medida de seus desejos; mas, se de outra sorte sucede, logo se inquietam e entristecem. Da discrepância de pareceres e opiniões freqüentemente nascem discórdias entre amigos e vizinhos, entre religiosos e pessoas piedosas.

É custoso perder um costume inveterado, e ninguém renuncia, de boa mente, a seu modo de ver. Se mais confias em tua razão e talento que na graça de Jesus Cristo, só raras vezes e tarde serás iluminado; pois Deus quer que nos sujeitemos perfeitamente a ele e que nos elevemos acima de toda razão humana, inflamados do seu amor.

Imitação de Cristo – Tomás de Kempis

DA UTILIDADE DAS ADVERSIDADES

adversidadesBom é passarmos algumas vezes por aflições e contrariedades, porque freqüentemente fazem o homem refletir, lembrando-lhe que vive no desterro e, portanto, não deve pôr sua esperança em coisas alguma do mundo. Bom é encontrarmos às vezes contradições, e que de nós façam conceito mau ou pouco favorável, ainda quando nossas obras e intenções sejam boas. Isto ordinariamente nos conduz à humildade e nos preserva da vanglória. Porque, então, mais depressa recorremos ao testemunho interior de Deus, quando de fora somos vilipendiados e desacreditados pelos homens.

Por isso, devia o homem firmar-se de tal modo em Deus, que lhe não fosse mais necessário mendigar consolações às criaturas. Assim que o homem de boa vontade está atribulado ou tentado, ou molestado por maus pensamentos, sente logo melhor a necessidade que tem de Deus, sem o qual não pode fazer bem algum. Então se entristece, geme e chora pelas misérias que padece. Então causa-lhe tédio viver mais tempo, e deseja que venha a morte livrá-lo do corpo e unido a Cristo. Então compreende também que neste mundo não pode haver perfeita segurança nem paz completa.

Imitação de Cristo – Tomás de Kempis

COMO SE HÁ DE RESISTIR ÀS TENTAÇÕES

tentacao1Enquanto vivemos neste mundo, não podemos estar sem trabalhos e tentações. Por isso lemos no livro de Jó (7,1): É um combate a vida do homem sobre a terra. Cada qual, pois, deve estar acautelado contra as tentações, mediante a vigilância e a oração, para não dar azo às ilusões do demônio, que nunca dorme, mas anda por toda parte em busca de quem possa devorar (1 Pdr 5,8) . Ninguém há tão perfeito e santo, que não tenha, às vezes, tentações, e não podemos ser delas totalmente isentos.

São, todavia, utilíssimas ao homem as tentações, posto que sejam molestas e graves, porque nos humilham, purificam e instruem. Todos os santos passaram por muitas tribulações e tentações, e com elas aproveitaram; aqueles, porém, que não as puderam suportar foram reprovados e pereceram. Não há Ordem tão santa nem lugar tão retirado, em que não haja tentações e adversidades.

Nenhum homem está totalmente livre das tentações, enquanto vive, porque em nós mesmos está a causa donde procedem: a concupiscência em que nascemos. Mal acaba uma tentação ou tribulação, outra sobrevém, e sempre teremos que sofrer, porque perdemos o dom da primitiva felicidade. Muitos procuram fugir às tentações, e outras piores encontram. Não basta a fuga para vencê-las; é pela paciência e verdadeira humildade que nos tornamos mais fortes que todos os nossos inimigos.

Pouco adianta quem somente evita as ocasiões exteriores, sem arrancar as raízes; antes lhe voltarão mais depressa as tentações, e se achará pior. Vencê-las-á melhor com o auxílio de Deus, a pouco e pouco com paciência e resignação, que com importuna violência e esforço próprio. Toma a miúdo conselho na tentação e não sejas desabrido e áspero para o que é tentado, trata antes de o consolar, como desejas ser consolado. Continuar lendo

DA PAZ E DO ZELO EM APROVEITAR

orar01Muita paz podíamos gozar, se não nos quiséssemos ocupar com os ditos e fatos alheios que não pertencem ao nosso cuidado. Como pode ficar em paz por muito tempo aquele que se intromete em negócios alheios, que busca relações exteriores, que raras vezes e mal se recolhe interiormente? Bem-aventurados os simples, porque hão de ter muita paz!

Por que muitos santos foram tão perfeitos e contemplativos? É que eles procuraram mortificar-se inteiramente em

todos os desejos terrenos, e assim puderam, no íntimo de seu coração, unir-se a Deus e atender livremente a si mesmos. Nós, porém, nos ocupamos demasiadamente das próprias paixões e cuidados com excesso das coisas transitórias. Raro é vencermos sequer um vício perfeitamente; não nos inflamamos no desejo de progredir cada dia; daí a frieza e tibieza em que ficamos.

Se estivéssemos perfeitamente mortos a nós mesmos e interiormente desimpedidos, poderíamos criar gosto pelas coisas divinas e algo experimentar das doçuras da celeste contemplação. O que principalmente e mais nos impede é o não estarmos ainda livres das nossas paixões e concupiscências, nem nos esforçamos por trilhar o caminho perfeito dos santos. Basta pequeno contratempo para desalentarmos completamente e voltarmos a procurar consolações humanas. Continuar lendo

COMO SE DEVEM EVITAR AS CONVERSAS SUPÉRFLUAS

converEvita, quanto puderes, o bulício dos homens, porque muito nos perturbam os negócios mundanos ainda quando tratados com reta intenção; pois bem depressa somos manchados e cativos da vaidade. Quisera eu ter calado muitas vezes e não ter conversado com os homens. Por que razão, porém, nos atraem falas e conversas, se raras vezes voltamos ao silêncio sem dano da consciência? Gostamos tanto de falar, porque pretendemos, com essas conversações, ser consolados uns pelos outros e desejamos aliviar o coração fatigado por preocupações diversas. E ordinariamente sentimos prazer em falar e pensar, ora nas coisas que muito amamos e desejamos, ora nas que nos contrariam.

Mas ai! Muitas vezes é em vão e sem proveito, pois essa consolação exterior é muito prejudicial à consolação interior e divina. Cumpre, portanto, vigiar e orar, para que não passe o tempo ociosamente. Se for lícito e oportuno falar, seja de coisas edificantes. O mau costume e o descuido do nosso progresso espiritual concorrem muito para o desenfreamento de nossa língua. Ajudam muito, porém, ao aproveitamento espiritual os devotos colóquios sobre coisas espirituais, mormente quando se associam em Deus pessoas que pensam e sentem do mesmo modo.

Imitação de Cristo – Tomás de Kempis

DA OBEDIÊNCIA E SUBMISSÃO

obedienciaGrande coisa é viver na obediência, sob a direção de um superior, e não dispor da própria vontade. Muito mais seguro é obedecer que mandar. Muitos obedecem mais por necessidade que por amor: por isso sofrem e facilmente murmuram. Esses não alcançarão a liberdade de espírito, enquanto não se sujeitarem de todo o coração, por amor de Deus. Anda por onde quiseres: não acharás descanso senão na humilde sujeição e obediência ao superior. A imaginação dos lugares e mudanças a muitos tem iludido.

Verdade é que cada um gosta de seguir seu próprio parecer e mais se inclina àqueles que participam da sua opinião. Entretanto, se Deus está conosco, cumpre-nos, às vezes, renunciar ao nosso parecer por amor da paz. Quem é tão sábio que possa saber tudo completamente? Não confies, pois, demasiadamente em teu próprio juízo; mas atende também, de boa mente, ao dos demais. Se o teu parecer for bom e o deixares, por amor de Deus, para seguires o de outrem, muito lucrarás com isso.

Com efeito, muitas vezes ouvi falar que é mais seguro ouvir e tomar conselho que dá-lo. É bem possível que seja acertado o parecer de cada um: mas não querer ceder aos outros, quando a razão ou as circunstâncias o pedem, é sinal de soberba e obstinação.

Imitação de Cristo – Tomás de Kempis

COMO SE DEVE EVITAR A EXCESSIVA FAMILIARIDADE

aperNão abras teu coração a qualquer homem (Eclo 8,22); mas trata de teus negócios com o sábio e temente a Deus. Com moços e estranhos conversa pouco. Não lisonjeies os ricos, nem busques aparecer muito na presença dos potentados. Busca a companhia dos humildes e simples, dos devotos e morigerados, e trata com eles de assuntos edificantes. Não tenhas familiaridade com mulher alguma; mas, em geral, encomenda a Deus todas as que são virtuosas. Procura intimidade com Deus apenas, e seus anjos, e foge de seres conhecidos dos homens.

Caridade se deve ter para com todos; mas não convém ter com todos a familiaridade. Sucede, freqüentemente, gozar de boa reputação pessoa desconhecida que, na sua presença, desagrada aos olhos dos que a vêem. Julgamos, às vezes, agradar aos outros com a nossa intimidade, mas antes os aborrecemos com os defeitos que em nós vão descobrindo.

Imitação de Cristo – Tomás de Kempis

COMO SE DEVE FUGIR À VÃ ESPERANÇA E PRESUNÇÃO

cabiInsensato é quem põe sua esperança nos homens ou nas criaturas. Nào te envergonhes de servir a outrem por Jesus Cristo, e ser tido como pobre neste mundo. Não confies em ti mesmo, mas põe em Deus tua esperança. Faze de tua parte o que puderes, e Deus ajudará tua boa vontade. Não confies em tua ciência, nem na sagacidade de qualquer vivente, mas antes na graça de Deus, que ajuda os humildes e abate os presunçosos.

Se tens riquezas, não te glories delas, nem dos amigos, por serem poderosos, senão em Deus, que dá tudo, além de tudo, deseja dar-se a si mesmo. Não te desvaneças com a airosidade ou formosura de teu corpo, que com pequena enfermidade se quebranta e desfigura. Não te orgulhes de tua habilidade ou de teu talento, para que não desagrades a Deus, de quem é todo bem natural que tiveres.

Não te reputes melhor que os outros para não seres considerado pior por Deus, que conhece tudo que há no homem. Não te ensoberbeças pelas boas obras, porque os juízos dos homens são muito diferentes dos de Deus, a quem não raro desagrada o que aos homens apraz. Se em ti houver algum bem, pensa que ainda melhores são os outros, para assim te conservares na humildade. Nenhum mal te fará se te julgares inferior a todos; muito, porém, se a qualquer pessoa te preferires. De contínua paz goza o humilde; no coração do soberbo, porém, reinam inveja e iras sem conta.

Imitação de Cristo – Tomás de Kempis

DAS AFEIÇÕES DESORDENADAS

abcSe, porém, alcança o que desejava, sente logo o remorso da consciência, porque obedeceu à sua paixão, que nada vale para alcançar a paz que almejava. Em resistir, pois, às paixões, se acha a verdadeira paz do coração, e não em segui-las. Não há, portanto, paz no coração do homem carnal, nem no do homem entregue às coisas exteriores, mas somente no daquele que é fervoroso e espiritual.

Todas as vezes que o homem deseja alguma coisa desordenadamente, torna-se logo inquieto. O soberbo e o avarento nunca sossegam; entretanto, o pobre e o humilde de espírito vivem em muita paz. O homem que não é perfeitamente mortificado facilmente é tentado e vencido, até em coisas pequenas e insignificantes. O homem espiritual, ainda um tanto carnal e propenso à sensualidade, só a muito custo poderá desprender-se de todos os desejos terrenos. Daí a sua freqüente tristeza, quando deles se abstém, e fácil irritação, quando alguém o contraria.

A Imitação de Cristo – Tomás de Kempis

DA LEITURA DAS SAGRADAS ESCRITURAS

DoisMongesNas Sagradas Escrituras devemos buscar a verdade, e não a eloquência. Todo livro sagrado deve ser lido com o mesmo espírito que o ditou. Nas Escrituras devemos antes buscar nosso proveito que a sutileza da linguagem. Tão grata nos deve ser a leitura dos livros simples e piedosos, como a dos sublimes e profundos. Não te mova a autoridade do escritor, se é ou não de grandes conhecimentos literários; ao contrário, lê com puro amor a verdade. Não procures saber quem o disse; mas considera o que se diz.

Os homens passam, mas a verdade do Senhor permanece eternamente (Sl 116,2). De vários modos nos fala Deus, sem acepção de pessoa. A nossa curiosidade nos embaraça, muitas vezes, na leitura das Escrituras; porque queremos compreender e discutir o que se devia passar singelamente. Se queres tirar proveito, lê com humildade, simplicidade e fé, sem cuidar jamais do renome de letrado. Pergunta de boa vontade e ouve calado as palavras dos santos; nem te desagradem as sentenças dos velhos, porque eles não falam sem razão.

Imitação de Cristo – Tomás de Kempis

DA PRUDÊNCIA NAS AÇÕES

prudNão se há de dar crédito a toda palavra nem a qualquer impressão, mas cautelosa e naturalmente se deve, diante de Deus, ponderar as coisas. Mas, ai! Que mais facilmente acreditamos e dizemos dos outros o mal que o bem, tal é a nossa fraqueza. As almas perfeitas, porém, não crêem levianamente em qualquer coisa que se lhes conta, pois conhecem a fraqueza humana inclinada ao mal e fácil de pecar por palavras.

Grande sabedoria é não ser precipitado nas ações, nem aferrado obstinadamente à sua própria opinião; sabedoria é também não acreditar em tudo que nos dizem, nem comunicar logo a outros o que ouvimos ou suspeitamos. Toma conselho com um varão sábio e consciencioso, e procura antes ser instruído por outrem, melhor que tu, que seguir teu próprio parecer. A vida virtuosa faz o homem sábio diante de Deus e entendido em muitas coisas. Quanto mais humilde for cada um em si e mais sujeito a Deus, tanto mais prudente será e calmo em tudo.

Imitação de Cristo – Tomás de Kempis

DOS ENSINAMENTOS DA VERDADE

jesus

Bem-aventurado aquele a quem a verdade por si mesma ensina, não por figuras e vozes que passam, mas como em si é. Nossa opinião e nossos juízos muitas vezes nos enganam e pouco alcançam. De que serve a sutil especulação sobre questões misteriosas e obscuras, de cuja ignorância não seremos julgados? Grande loucura é descurarmos as coisas úteis e necessárias, entregando-nos, com avidez, às curiosas e nocivas. Temos olhos para não ver (Sl 113,13).

Que se nos dá dos gêneros e das espécies dos filósofos? Aquele a quem fala o Verbo eterno se desembaraça de muitas questões. Desse Verbo único procedem todas as coisas e todas o proclamam e esse é o princípio que também nos fala (Jo 8,25). Sem ele não há entendimento nem reto juízo. Quem acha tudo neste Único, e tudo a ele refere e nele tudo vê, poderá ter o coração firme e permanecer em paz com Deus. Ó Deus de verdade, fazei-me um convosco na eterna caridade! Enfastia-me, muita vez, ler e ouvir tantas coisas; pois em vós acho tudo quanto quero e desejo. Calemse todos os doutores, emudeçam todas as criaturas em vossa presença; falai-me vós só. Continuar lendo

DO HUMILDE SENTIR DE SI MESMO

vaticanoTodo homem tem desejo natural de saber; mas que aproveitará a ciência, sem o temor de Deus? Melhor é, por certo, o humilde camponês que serve a Deus, do que o filósofo soberbo que observa o curso dos astros, mas se descuida de si mesmo. Aquele que se conhece bem se despreza e não se compraz em humanos louvores. Se eu soubesse quanto há no mundo, porém me faltasse a caridade, de que me serviria isso perante Deus, que me há de julgar segundo minhas obras?

Renuncia ao desordenado desejo de saber, porque nele há muita distração e ilusão. Os letrados gostam de ser vistos e tidos por sábios. Muitas coisas há cujo conhecimento pouco ou nada aproveita à alma. E mui insensato é quem de outras coisas se ocupa e não das que tocam à sua salvação. As muitas palavras não satisfazem à alma, mas uma palavra boa refrigera o espírito e uma consciência pura inspira grande confiança em Deus. Continuar lendo

DA IMITAÇÃO DE CRISTO E DESPREZO DE TODAS AS VAIDADES DO MUNDO

Cirineu ajuda a Jesus a carregar a cruzQuem me segue não anda nas trevas, diz o Senhor (Jo 8,12). São estas as palavras de Cristo, pelas quais somos advertidos que imitemos sua vida e seus costumes, se verdadeiramente queremos ser iluminados e livres de toda cegueira de coração. Seja, pois, o nosso principal empenho meditar sobre a vida de Jesus Cristo.

A doutrina de Cristo é mais excelente que a de todos os santos, e quem tiver seu espírito encontrará nela um maná escondido. Sucede, porém, que muitos, embora ouçam frequentemente o Evangelho, sentem nele pouco enlevo: é que não possuem o espírito de Cristo. Quem quiser compreender e saborear plenamente as palavras de Cristo é-lhe preciso que procure conformar à dele toda a sua vida.

Que te aproveita discutires sabiamente sobre a SS. Trindade, se não és humilde, desagradando, assim, a essa mesma Trindade? Na verdade, não são palavras elevadas que fazem o homem justo; mas é a vida virtuosa que o torna agradável a Deus. Prefiro sentir a contrição dentro de minha alma, a saber defini-la. Se soubesses de cor toda a Bíblia e as sentenças de todos os filósofos, de que te serviria tudo isso sem a caridade e a graça de Deus? Vaidade das vaidades, e tudo é vaidade (Ecle 1,2), senão amar a Deus e só a ele servir. A suprema sabedoria é esta: pelo desprezo do mundo tender ao reino dos céus. Continuar lendo