Clique na imagem para ler o texto do Pe. D. Mézard, tiradas da obra de S. Tomás
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INEFÁVEL DIGNIDADE DE MARIA SANTÍSSIMA
De qua natus est Iesus, qui vocatur Christus — “Da qual nasceu Jesus, que se chama o Cristo” (Matth. l, 16).
Sumário. É tão grande a dignidade de Maria como Mãe de Jesus Cristo, que só Deus com a sua sabedoria infinita a pode compreender; mas toda a sua onipotência não pode fazer outra maior. Façamos um ato de viva fé acerca desta divina maternidade; alegremo-nos com a Santíssima Virgem, e aumentemos a nossa confiança nela, porquanto de certo modo nos é devedora da sua altíssima dignidade.
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Para compreender a altura a que Maria foi sublimada, mister se faria compreender quão sublime é a alteza e grandeza de Deus. Bastará dizer que Deus fez a Santíssima Virgem mãe do seu Filho para ficar entendido que Deus não a pode elevar mais alto do que a elevou. Bem disse Santo Arnaldo Carnotense que Deus, fazendo-se Filho da Virgem, sublimou-a acima de todos os Santos e Anjos. Ainda que: em verdade, ela seja infinitamente inferior a Deus: ao mesmo tempo está imensa e incomparavelmente acima de todos os espíritos celestiais, como fala Santo Efrém. Por este motivo lhe diz Santo Anselmo: Senhora, vós não tendes quem vos seja igual, porque tudo quanto há está acima ou abaixo de vos; só Deus vos é superior, e todos os mais vos são inferiores.
Em uma palavra, é tão grande a dignidade da Virgem, que, se bem que Deus só com a sua sabedoria infinita a possa compreender, todavia, no dizer de São Boaventura, com toda a sua onipotência não pode fazer outra maior — Ipsa est qua maiorem facere non potest Deus — Quem considerar isto, deixará de estranhar porque os santos Evangelistas, que tão difusamente registram os louvores de um João Batista, de uma Madalena, tão escassos se mostram em descrever as grandezas de Maria. Tendo dito que desta exímia Virgem nasceu Jesus: de qua natus est Iesus, não julgaram necessário acrescentar outra coisa; porque neste seu maior privilégio se acham incluídos os demais. Qualquer titulo que se lhe dê, nunca chegará a honrá-la tanto quanto o de Mãe de Deus.
Façamos um ato de viva fé na maternidade divina de Maria, alegremo-nos com ela, agradeçamos a Deus por ela e protestemos que estamos prontos a dar a nossa vida em defesa desta verdade, como de todas as outras que lhe dizem respeito. Continuar lendo
TEMPO DO ADVENTO: DA NECESSIDADE DA ENCARNAÇÃO – PARTE 2
QUAIS SEJAM OS QUE EM VERDADE SEGUEM A JESUS CRISTO
Si quis vult post me venire, abneget semetipsum, et tollat crucem suam quotidie, et sequatur me — “Se alguém quer vir após mim, negue-se a si mesmo, tome a sua cruz cada dia, e siga-me” (Luc. 6, 23).
Sumário. Devemo-nos persuadir de que Deus nos conserva no mundo para que suportemos com paciência as tribulações que Ele mesmo nos envia para o nosso bem. Resolvamo-nos, pois, a recusar a nós mesmos aquilo que um amor próprio desordenado nos pede; abracemos de boa vontade a nossa cruz de cada dia; e não nos cansemos de a carregar após Jesus Cristo até ao Calvário, isso é, até a morte.
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Façamos hoje algumas reflexões sobre estas palavras de Jesus Cristo.Si quis vult post me venire— “Se alguém quer vir após mim.” Jesus não somente quer que a Ele vamos, senão que vamos em seu seguimento. Jesus vai sempre para diante e não pára enquanto não chegar ao Calvário, onde irá morrer. Portanto, se O amamos, devemos segui-Lo até à nossa morte. Por isso faz-se mister que cada um se negue a si mesmo: abneget semetipsum; isso é, recuse a si mesmo o que o amor próprio pede, mas que não é do agrado de Jesus Cristo.
Diz ainda: Tollat crucem suam quotidie et sequatur me — “Tome a sua cruz cada dia e siga-me.” Tollat, tome: de pouco serve carregá-la forçadamente; todos os pecadores a carregam, mas sem merecimento. Para a carregarmos com merecimento, devemos abraçá-la de boa vontade. — Crucem, a cruz: sob o nome de cruz vem toda a tribulação, que por Jesus Cristo é chamada cruz, a fim de nô-la tornar doce, com pensar que em uma cruz ele morreu por nosso amor.
Jesus diz: suam, a sua cruz. Alguns, ao receberem qualquer consolação espiritual, se oferecem para sofrer o que tem sofrido os mártires: acúleos, unhas de ferro e lâminas candentes; mas, logo em seguida não sabem sofrer alguma dor de cabeça, uma falta de atenção da parte de um amigo, o enfado de um parente. Irmão meu, Deus não quer de ti que sofras nem cavaletes, nem unhas de ferro, nem lâminas candentes; mas quer que sofras com paciência essa dor, esse desprezo, esse aborrecimento. Tal outro quisera ir a um deserto para sofrer; quisera praticar grandes penitências; entretanto não sabe suportar um seu superior, um seu companheiro de ofício. Deus, porém, quer que ele carregue a cruz que lhe é dada para carregar, e não aquela que ele mesmo escolheu. Continuar lendo
TEMPO DO ADVENTO: DA NECESSIDADE DA ENCARNAÇÃO – PARTE 1
JESUS ILUMINA O MUNDO E GLORIFICA A DEUS
Creavit Dominus novum super terram — “O Senhor criou uma coisa nova sobre a terra” (Jer. 31, 22).
Sumário. Antes da vinda do Messias, o mundo estava abismado na ignorância, e o Deus verdadeiro era apenas conhecido num cantinho da terra, na Judéia. De todas aquelas trevas livrou-nos Jesus Cristo, que desde o primeiro instante da sua conceição deu mais glória ao Pai Eterno do que lhe têm dado e darão todos os Anjos e Santos. Tomemos ânimo nós, os pobres pecadores, e ofereçamos a Deus Pai este Menino e ressarci-Lo-emos de todas as ofensas que Lhe temos feito.
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Antes da vinda do Messias, o mundo estava abismado na noite tenebrosa da ignorância e do pecado. No mundo o Deus verdadeiro era conhecido tão somente num cantinho da terra, a saber, na Judéia:Notus in Iudaea Deus— “Deus é conhecido na Judéia” (1). Em todo o resto do mundo eram adorados como deuses os demônios, os animais e as pedras. Em toda a parte reinava a noite do pecado, que cega as almas, enche-as de vícios, e priva-as da vista do estado miserável em que se acham, inimigas de Deus e condenadas ao inferno. Dessas trevas veio Jesus livrar o mundo. Livrou-o da idolatria dando-lhe o conhecimento do Deus verdadeiro; livrou-o do pecado com a luz de sua doutrina e dos exemplos divinos: O Filho de Deus veio ao mundo para destruir as obras do diabo (2).
O profeta Jeremias predisse que Deus havia de criar um novo Menino para ser o Redentor dos homens: Creavit Dominus novum super terram. Esse novo Menino foi Jesus Cristo, que faz as delícias do paraíso e é o amor de Deus Pai, que fala assim: Este é o meu Filho dileto em que deposito as minhas complacências (3). É este Filho quem se fez homem. Embora criança nova, deu a Deus mais honra e glória no primeiro momento de sua criação do que lhe têm dado e durante toda a eternidade lhe poderão dar todos os Anjos e Santos juntos. Por isso é que no nascimento de Jesus os Anjos cantaram: Gloria in excelsis Deo — “Glória a Deus nas alturas”. Jesus Menino rendeu a Deus mais glória do que Lhe arrebataram os pecados de todos os homens.
Tomemos, pois, ânimo, nós, pobres pecadores. Ofereçamos ao Pai Eterno o divino Menino; apresentemos-Lhe as lágrimas, a obediência, a humildade, a morte e os méritos de Jesus Cristo e ressarciremos a Deus toda a injúria que com as nossas ofensas Lhe tenhamos feito. Continuar lendo
TEMPO DO ADVENTO: A CONVENIÊNCIA DA ENCARNAÇÃO
O VERBO SE FAZ HOMEM NA PLENITUDE DOS TEMPOS
Ubi venit plenitudo temporis, misit Deus Filium suum, factum ex muliere, factum sub lege — “Quando veio a plenitude do tempo, enviou Deus o seu Filho, feito da mulher, feito sujeito à Lei” (Gal. 4, 4).
Sumário. O divino Redentor demorou a sua vinda quatro mil anos, não somente para que fosse mais apreciada pelos homens, senão também para que melhor se conhecesse a malícia do pecado e a necessidade do remédio. Chegada que foi a plenitude dos tempos, enviou Deus um arcanjo à Santíssima Virgem e, obtido o consentimento desta, o Verbo se fez homem no seio puríssimo de Maria. Quanto não devemos agradecer ao Senhor o ter-nos feito nascer depois que se cumpriu tão grande mistério!
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Considera como Deus depois do pecado de Adão deixou decorrer mil anos antes de enviar à terra o seu Filho para remir o mundo. E, entretanto, que trevas desoladoras reinavam sobre a terra! O Deus verdadeiro não era conhecido nem adorado, senão apenas num canto da terra. Por toda a parte reinava a idolatria, de sorte que eram adorados como deuses os demônios, os animais e as pedras. Admiremos nisso a sabedoria divina. Demora a vinda do Redentor para torná-la mais aceitável aos homens: demora-a para que se conheça melhor a malícia do pecado, a necessidade do remédio e a graça do Salvador. Se Jesus Cristo tivesse vindo logo depois do pecado de Adão, a grandeza do benefício teria sido pouco apreciada. Agradeçamos, pois, à bondade de Deus, o ter-nos feito nascer depois de já realizada a grande obra da Redenção.
Eis que já é chegado o feliz tempo que foi chamado a plenitude do tempo: ubi venit plenitudo temporis. O Apóstolo diz: plenitudo, por causa da abundância da graça que por meio da Redenção o Filho de Deus vem trazer aos homens. Eis que já se envia o anjo embaixador à Virgem Maria na cidade de Nazaré para anunciar a vinda do Verbo que no seio dela quer encarnar-se. O anjo a saúda, chama-a cheia de graça e bendita entre as mulheres. A virgenzinha humilde perturba-se com esses louvores por causa da sua profunda humildade. O anjo, porém, anima-a e lhe diz que achou graça diante de Deus; isso é, a graça que estabelece a paz entre Deus e os homens, e repara os estragos ocasionados pelo pecado. Em seguida anuncia-lhe o nome de Salvador que deveria dar ao filho: Vocabis nomen eius Iesum (1) — “Por-lhe-ás o nome de Jesus”. Anuncia-lhe que seu filho seria o próprio Filho de Deus, que devia remir o mundo e desta forma reinar sobre os corações dos homens. Eis que afinal Maria consente em ser mãe de tal Filho: Fiat mihi secundum verbum tuum (2) — “Faça-se em mim segundo a tua palavra”. E no mesmo momento o Verbo Eterno se fez carne e ficou sendo verdadeiro homem: Et Verbum caro factum est (3) — “E o Verbo se fez carne”. Continuar lendo
TEMPO DO ADVENTO: A IMENSIDÃO DO AMOR DE DEUS
O DECRETO DA ENCARNAÇÃO DO VERBO
Et audivi vocem dicentís : Quem mittam? Et quis ibit nobis? Et dixi: Ecce ego. mitte me. — “E ouvi a voz de quem dizia: Quem enviarei eu? E quem nos irá lá? Então disse eu: Aqui me tens a mim, envia-me” (Isa. 6; 8).
Sumário. Embora o Filho de Deus previsse a vida penosa que teria de levar, submeteu-se contudo de boa vontade ao decreto da Encarnação, ofereceu-se mesmo a fazer-se homem. E isso não só a fim de satisfazer plenamente à justiça divina, mas também para nos mostrar seu amor, e obrigar-nos a que O amemos sem reserva. Como é que até o dia de hoje temos respondido a tão grande beneficio?
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Afigura-se a São Bernardo (1) em sua contemplação sobre a condição do gênero humano depois do pecado do primeiro homem, ver travarem contenda a justiça divina e a misericórdia.
Estou perdida — diz a justiça — se Adão não for punido.
A misericórdia, ao contrário, replica: Estou eu perdida, se o homem não for perdoado.
Em vista de tal contenda, o Senhor decide que, para salvar o homem réu de morte, há de morrer um inocente: Moriatur qui nihil debeat morti.
Na terra, porém, não se achava um que fosse inocente.
Portanto — disse o Pai Eterno — já que entre os homens não há quem possa satisfazer à minha justiça, quem irá resgatar o homem? Os anjos, os querubins, os serafins, todos guardam silêncio, ninguém responde; só responde o Verbo Eterno e diz: Ecce ego, mitte me — “Aqui me tens a mim, envia-me”.
Meu Pai — diz o Filho unigênito — a vossa majestade, por ser infinita, e ofendida pelo homem, não pode ser plenamente satisfeita por um anjo, que é uma pura criatura. E ainda que Vós quisésseis contentar com as satisfações de um anjo, considerai que, apesar de tantos benefícios prestados ao homem, apesar de tantas promessas e ameaças, não conseguimos ganhar o seu amor, porque até hoje não conheceu o amor que lhe tínhamos. Se quisermos obrigá-lo irresistivelmente a amar-nos, que ocasião se nos pode deparar mais própria do que esta? Permite que, para remir o homem, eu, vosso Filho, desça sobre a terra e tome a natureza humana; permite que, pagando com a minha morte as penas devidas ao homem, satisfaça plenamente á vossa justiça divina, e o homem fique bem convencido do nosso amor. Continuar lendo
O PECADO DE ADÃO E O AMOR DE DEUS PARA COM OS HOMENS
Et nunc quid mihi est hic, dicit Dominus, quoniam ablatus est populus meus gratis? — “E agora, que tenho Eu que fazer aqui, diz o Senhor, visto ter sido levado sem nenhuma razão o meu povo?” (Isa. 52, 5.)
Sumário. Peca Adão, nosso primeiro pai, e em castigo de seu pecado é expulso do paraíso terrestre com toda a sua descendência condenado a uma vida de misérias e excluído para sempre do céu. O Senhor, porém, teve compaixão dele, e como se a sua beatitude dependesse da dos homens, e Ele não pudesse ser feliz sem estes, resolveu a todo o custo salvá-los. Ó incompreensível amor de Deus! Mas, como é que nós Lhe temos correspondido?
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Adão, nosso primeiro pai, peca; desagradecido por tantos benefícios recebidos, revolta-se contra Deus, transgredindo o preceito de não comer da árvore proibida. Por esse motivo vê-se Deus constrangido a expulsá-lo agora do paraíso terrestre e a privar no futuro, tanto Adão como todos os descendentes deste revoltoso, do paraíso celeste e eterno, que lhes havia preparado para depois desta vida temporal. Eis, pois, todos os homens condenados a uma vida de trabalhos e misérias, e para sempre excluídos do céu. O demônio tem poder sobre eles, e incalculáveis são os estragos que o inferno continuamente faz.
Vendo, porém, o Senhor os homens reduzidos a tão mísero estado, compadeceu-se deles. Mas, como nos dá a entender o profeta Isaías, parece que Deus, por assim dizer, se lamenta e se aflige, dizendo: Et nunc quid mihi est hic, quoniam ablatus est populus meus gratis? — “E agora, que tenho Eu que fazer aqui, visto ter sido levado sem nenhuma razão o meu povo?” Como se quisesse dizer: que me restou de delícia no paraíso, uma vez que perdi os homens que eram as minhas delícias? Mas, não; quero a todo o custo salvá-los; venha, por isso, um redentor, que em lugar do homem satisfaça à minha justiça e assim o redima da morte eterna.
Mas, meu Senhor, tendes no céu tantos serafins e tantos anjos, e de tal modo Vos aflige o terdes perdido os homens? Que precisão tendes Vós, tanto dos anjos como dos homens, para a perfeição de vossa beatitude? Sempre tendes sido e sempre sois felicíssimo em Vós mesmo: que poderá jamais faltar à vossa felicidade que é infinita? — Tudo isso é verdade (assim o faz responder o cardeal Hugo), mas, perdido o homem, afigura-se-me ter perdido tudo, porquanto as minhas delícias eram estar com os homens; agora perdi os homens, e os infelizes estão condenados a viver para sempre longe de mim. — Ó amor imenso de Deus! Ó amor incompreensível! Ó amor infinito! Continuar lendo
PRIMEIRO DOMINGO DO ADVENTO: A TEMERIDADE DO PECADOR E O DIA DO JUÍZO
Videbunt Filium hominis venientem in nube cum potestate magna et maiestate — “Verão o Filho do homem que virá sobre uma nuvem com grande poder e majestade” (Luc. 21, 27).
Sumário. Uma consideração séria nos ensina que não há atualmente no mundo pessoa mais desprezada de que Jesus Cristo; pois é injuriado tão continuamente e com tão desenfreada liberdade, como não o seria o mais vil dos homens. Eis porque o Senhor destinou um dia, no qual virá, com grande poder e majestade, a reivindicar a sua honra. Recorramos agora ao trono da divina misericórdia, para que naquele dia não sejamos condenados pela justiça de Deus.
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I. Considerando bem, não há no mundo atualmente quem seja mais desprezado que Jesus Cristo. Trata-se com mais consideração um aldeão ao ver-se por demais ofendido incessantemente e de caso pensado, como se não pudesse vingar-se quando quisesse. Por isso o Senhor marcou um dia (chamado com razão, na Escritura Sagrada, o dia do Senhor, Dies Domini), quando vai dar-se a conhecer tal como é: Cognoscetur Dominus iudicia faciens (1). Diz São Bernardo, explicando este texto: O Senhor será conhecido quando vier a fazer justiça, ao passo que agora, porque quer usar de misericórdia, é desconhecido. Então esse dia não mais se chama de misericórdia e de perdão, senão dia de ira, dia de tribulação e de angústia, dia de calamidade e de miséria (2).
Conforme nos ensina o Evangelho de hoje, esse dia será precedido de sinais pavorosos. “Haverá sinais no sol, na lua e nas estrelas; na terra os povos estarão angustiados sob o rugido surdo e confuso do mar e das ondas; os homens morrerão com medo dos males que hão de vir sobre o mundo. Por fim, as virtudes dos céus (isto é, na interpretação dos Padres, os nove coros dos Anjos) se comoverão, e então se verá aparecer sobre as nuvens o Filho do homem, com grande poder e majestade”, a reivindicar a glória que os pecadores nesta terra lhe quiseram tirar.
Diz Santo Tomás: “Se, no horto de Getsêmani, com as palavras de Jesus Cristo: Ego sum, caíram por terra todos os soldados que O tinham vindo prender, que será, quando Jesus, sentado para julgar, disser aos condenados: “Aqui estou, sou eu aquele a quem tanto haveis desprezado”…; que será quando pronunciar contra eles a sentença eterna: “Apartai-vos de mim, malditos, para o fogo eterno! — Discedite a me, maledicti, in ignem aeternum! (3)”
II. O dia do Juízo, assim como será para os réprobos um dia de pena e de terror, será, ao contrário, para os escolhidos um dia de regozijo e triunfo; porque, então, à vista de todos os homens, as suas beatas almas serão proclamadas rainhas do paraíso e feitas esposas do Cordeiro imaculado. Oh! Que ventura experimentarão os bem-aventurados, quando Jesus, voltando-se para a direita, lhes disser: “Vinde, meus benditos filhos, vinde possuir o reino dos céus que vos foi preparado: possidete paratum vobis regnum!” (4)
Irmão meu, o que será de ti naquele dia? São Jerônimo, quando passava os dias na Gruta de Belém, em continuas orações e mortificações, tremia só em pensar no Juízo universal. O venerável P. Juvenal Ancina, lembrando-se do Juízo ao ouvir cantar a seqüência da Missa de defuntos, Dies irae, dies illa, deixou o mundo e fez-se religioso. E tu, o que fazes para mereceres no dia do Juízo as bênçãos divinas, em companhia dos escolhidos?
Com o intuito de nos preparar para o Santo Natal, a Igreja propõe hoje o Juízo à nossa meditação. Sabendo que Nosso Senhor, na sua primeira vinda, apareceu num trono de graça e que na segunda aparecerá num trono de justiça rigorosíssima, quer que procuremos agora recorrer a Jesus afim de experimentarmos os efeitos de sua infinita misericórdia. Aproximemo-nos com confiança do trono de graça: Adeamus ergo cum fidúcia ad thronum gratiae (5).
Ah! Jesus meu e meu Redentor, Vós que um dia haveis de ser o meu juiz: perdoa-me antes que chegue esse dia. Agora, sois meu Pai, e como tal recebeis na vossa graça um filho que, arrependido, se prostra a vossos pés. Meu Pai, eu Vos amo de todo o meu coração e no futuro não me quero mais afastar de Vós, não quero mais ter a temeridade de voltar a ofender-Vos.
Mas já que conheceis a minha fraqueza, ajudai-me com a vossa graça. “Excitai, Senhor, o vosso poder e vinde em meu auxílio, a fim de que, mediante a vossa proteção, livrado dos perigos iminentes por causa de meus pecados, mereça ser salvo por Vós.” (6) Fazei-o pelo amor de Maria Santíssima. (*II 113.)
- Sal. 9, 17.
2. Soph 1, 15.
3. Matth. 25, 41.
4. Matth. 25, 34.
5. Hebr. 4, 16.
6. Or. Dom. curr.
Meditações: Para todos os Dias e Festas do Ano: Tomo I – Santo Afonso
MARIA SANTÍSSIMA CONDUZ OS SEUS SERVOS AO PARAÍSO
Qui me invenerit, inveniet vitam, et hauriet salutem a Domino — “Aquele que me achar, achará a vida, e haverá do Senhor a salvação” (Prov. 8, 35).
Sumário. De que seve inquietarmo-nos com as sentenças das escolas sobre a predestinação para a glória? Quem é verdadeiramente servo de Maria está certo de que está escrito no livro da vida e se salvará; porque de todos aqueles que perseveram na sua devoção a esta bem-aventurada Mãe, ninguém se perdeu. Só se condena aquele que não recorre a ela ou deixa de ser seu servo. Procuremos, portanto, entrar sempre mais e permanecer nesta arca da salvação; e cada vez que nos for possível, procuremos, por palavras e exemplos, fazer que outros também ali entrem.
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Oh! Que belo sinal de predestinação têm os servos de Maria! A santa Igreja aplica a esta bem-aventurada Mãe as palavras da Sabedoria divina e lhe faz dizer:In omnibus requiem quaesivi et in haereditate Domini morabor(1) — “Em toda parte busquei repouso e morarei na herança do Senhor”. A Santíssima Virgem, pelo amor que tem para com os homens, procura fazer que em todos reine a sua devoção. Muitos ou não a recebem, ou não a conservam; porém, bem-aventurado aquele que a recebe e a conserva, porque nesta devoção habita em todos aqueles que são a herança do Senhor, isto é, que irão ao céu louvá-Lo eternamente.
Qui audit me, non confundetur (2) — “Aquele que me ouve, não será confundido”. De todos aqueles que recorreram a esta Rainha de misericórdia, nenhum ficou confundido. A experiência de todos os dias demonstra que aqueles que operam por ela, que a honram, e especialmente aqueles que com palavras e exemplos procuram que outros também a amem, nunca cairão em pecado e viverão eternamente. Numa palavra, diz Maria Santíssima: Aquele que me achar, achará a vida, e haverá do Senhor a salvação. Ao contrário, aquele que de mim se afastar, achará infalivelmente a morte; porque ficará privado daqueles socorros que não se dispensam aos homens senão pelo meu intermédio. — É assim que a santa Igreja, de acordo com todos os Doutores, faz a divina Mãe falar, para conforto dos seus servos. — De que serve, pois, inquietarmo-nos com as sentenças das Escolas, sobre se a predestinação para a glória é anterior ou posterior à previsão dos merecimentos? Se estamos ou não escritos no livro da vida? Se formos verdadeiros servos de Maria, e alcançarmos a sua proteção, seguramente nele havemos de ser inscritos e nos salvaremos.
Santa Maria Madalena de Pazzi viu no meio do mar uma pequena nau, em que estavam embarcados todos os devotos de Maria, e ela, fazendo ofício de piloto, seguramente os conduzia ao porto do céu. Procuremos, pois, entrar nesta nau bem aventurada da proteção de Maria, sejamos devotos verdadeiros da Virgem, pois assim estaremos seguros de alcançar o reino do céu. Continuar lendo
A PAIXÃO DE JESUS CRISTO, NOSSA CONSOLAÇÃO
Recogitate eum qui talem sustinuit a peccatoribus adversum semetipsum contradictionem, ut ne fatigemini, animis vestris deficientes — “Não deixeis de pensar naquele que dos pecadores suportou contra si uma tal contradição; para que não vos fatigueis, desfalecendo em vossos ânimos” (Hebr. 12, 3).
Sumário. O Senhor chama com razão a si todos aqueles que sofrem e gemem sob o peso das tribulações; porque neste vale de lágrimas ninguém nos pode consolar tanto como Jesus crucificado. Em todas as perseguições, calúnias, desprezos, enfermidades, misérias, especialmente em vendo-nos opressos pelos sofrimentos e abandonados por todos, lancemos um olhar sobre a cruz de Jesus, lembremo-nos do muito que Ele sofreu por nós, unamos os nossos sofrimentos aos de Jesus e teremos achado o remédio mais eficaz para todos os nossos males.
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Neste vale de lágrimas, quem nos pode consolar melhor do que Jesus crucificado? Nos remorsos de consciência, suscitados pela lembrança de nossos pecados que poderá melhor suavizar as nossas angústias, do que a certeza de que Jesus Cristo se quis entregar à morte a fim de satisfazer pelas nossas culpas?Dedit semetipsum pro peccatis nostris(1) — “(Jesus) se deu a si mesmo pelos nossos pecados”. Em todas as perseguições, calúnias, desprezos, privações de bens e dignidades que nos sobrevêm na nossa vida, quem nos poderá melhor fortalecer, para sofrermos com paciência e resignação, do que Jesus Cristo desprezado, caluniado e pobre, que morre numa cruz nu e abandonado por todos?
Quando estamos doentes, deitamo-nos numa cama bem arranjada; quando, porém, Jesus estava enfermo na cruz na qual morreu, não teve outro leito senão um rude lenho, em que foi pregado com três cravos; nem teve outro travesseiro senão a coroa de espinhos, que continuou a atormentá-lo até ao último suspiro. Quando estamos doentes, vemos o leito rodeado de parentes e amigos, que se compadecem de nós, e nos procuram distrair; Jesus morreu cercado de inimigos, que ainda na hora da sua agonia e da morte já próxima o injuriavam e escarneciam como a um malfeitor e sedutor.
Nada consola tanto um enfermo nas dores que sofre, especialmente quando na sua enfermidade se vê abandonado por todos os mais, como a vista de Jesus crucificado. Ah! O alívio maior que então pode experimentar um pobre enfermo, é unir os próprios sofrimentos aos de Jesus Cristo. — Ainda nas angústias mais acerbas da morte, tais como os assaltos do inferno, a vista dos pecados cometidos e as contas que em breve se terá que dar ao Juiz divino, a única consolação que pode haver um moribundo, já nas vascas da morte, é abraçar o Crucifixo e dizer: Meu Jesus e meu Redentor, Vós sois o meu amor e a minha esperança. Continuar lendo
DO AMOR DE DEUS – PONTO III
Aumentará em nós a admiração, se considerarmos o desejo veementíssimo que tinha Nosso Senhor Jesus Cristo de sofrer e morrer por nós.
“Hei de ser batizado com o batismo do meu próprio sangue e sinto-me morrer no desejo de ver chegar a hora da minha paixão e morte, a fim de que o homem reconheça o amor que lhe tenho” (Lc 12,50)
Assim dizia o Filho de Deus em sua vida terrena. O mesmo sentimento lhe fez ainda dizer na noite que precedeu a sua dolorosa paixão:
“Desejei ardentemente celebrar esta Páscoa convosco” (Lc 22,15)
Parece, pois, diz São Basílio de Selêucia, que nosso Deus tem amor insaciável pelos homens.
Meu Jesus! Os homens não vos amam porque não ponderam o amor que lhes dedicais. Como é possível que a alma que considera um Deus morto por amor dela, e com tão grande desejo de morrer para lhe demonstrar o seu afeto, viva sem o amar?… São Paulo diz que não é tanto o que Jesus Cristo fez e sofreu, como o amor que nos testemunhou sofrendo por nós, que nos obriga e quase nos força a que o amemos (2Cor 5,14). À consideração deste sublime mistério, São Lourenço Justiniano exclamava: Vimos um Deus enlouquecido de amor por nós.
E, na verdade, se a fé não o afirmasse, quem é que poderia crer que o Criador quis morrer pelas suas criaturas?… Santa Madalena de Pazzi, num dos seus êxtases, tendo nas mãos uma imagem do Crucificado, chamava Jesus louco de amor. O mesmo diziam os gentios, quando ouviam pregar a morte de Cristo, que lhes parecia incrível loucura, segundo nos atesta o Apóstolo: Continuar lendo
DA ASSISTÊNCIA À SANTA MISSA
Immolabit (agnum) universa multitudo filiorum Israel — “Toda a multidão dos filhos de Israel imolará (um cordeiro)” (Ex. 12, 6).
Sumário. Para ouvir a missa com devoção, devemos ter bem presente que o sacrifício do altar é o mesmo que foi um dia oferecido no Calvário, posto que se ofereça sem derramamento de sangue. Avivemos, pois, a nossa fé, e, quando assistirmos aos augustos mistérios, afiguremo-nos que em companhia de Maria Santíssima e de São João estamos ao pé da árvore da Cruz, para oferecer ao Pai Eterno a vida de seu Filho adorável. E, quando tivermos a ventura de comungar, façamos que bebemos o Sangue preciosíssimo do Coração amável de Jesus Cristo.
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Para ouvir a missa com devoção, devemos ter bem presente que o sacrifício do altar é o mesmo que foi oferecido um dia no Calvário; com esta diferença: que ali o sangue de Jesus se derramou realmente, e aqui só se derrama misticamente. Se então tivesses estado no Calvário, com que devoção e ternura terias assistido a tão sublime sacrifício! Aviva, pois, a tua fé e pensa que a mesma oferenda de então se renova sobre o altar pela mão do sacerdote. Por isso, cada vez que assistires à missa, afigura-te que em companhia de Maria Santíssima e de São João te achas ao pé da árvore da Cruz, para ofereceres a Deus Pai a vida de seu adorável Filho. Se tiveres ainda a ventura de comungar, faze que da chaga do sagrado Coração de Jesus estás bebendo o seu preciosíssimo Sangue.
Além disso deves lembrar-te que o assistir à missa é de algum modo oferecê-la; porque o sacerdote, sendo ministro público, obra, fala e ora em nome de todos os fiéis e em particular daqueles que assistem. De modo que, ouvindo devotamente a missa, também tu, posto que não sejas sacerdote, ofereces de algum modo a Deus um sacrifício de valor infinito, e pagas-Lhe, segundo a justiça, as quatro grandes dividas que Lhe deves: a de honrá-Lo tanto como merece a sua grandeza; a de satisfazer-Lhe, conforme exige a sua justiça; a de agradecer-Lhe à proporção da sua liberalidade; e finalmente a de pedir-Lhe tudo o que exige a nossa miséria.
É, pois, com razão que um autor célebre dizia: “Antes quisera eu perder o mundo inteiro, do que uma só missa, porque sei que o que na terra podemos fazer de mais sublime para a glória de Deus é exatamente a missa, na qual o próprio Jesus Cristo se oferece para dar a seu Pai uma glória infinita. — Que consolo sinto depois de assistir à missa! Então, posto que não seja sacerdote, eu também ofereci à Deus um sacrifício de valor infinito. Ó meu amado Jesus, que tesouro inestimável possuímos em Vós, se soubéssemos apreciá-lo.” (1) Continuar lendo
DO AMOR DE DEUS – PONTO II
Deus não se limitou a dar-nos todas essas formosas criaturas do universo, mas não viu satisfeito o seu amor enquanto não veio a dar a si próprio por nós (Gl 2,20). O maldito pecado nos fez perder a graça divina e o céu, tornando-nos escravos do demônio. Mas o Filho de Deus, com espanto do céu e da terra, quis vir a este mundo, fazer-se homem para remir-nos da morte eterna e reconquistar-nos a graça e o paraíso perdido. Que maravilha seria ver um poderoso monarca tomar a forma e a natureza de um verme por amor aos homens.
“Humilhou-se a si mesmo, tomando a forma de servo… e reduzindo-se à condição de homem…” (Fl 2,7)
Um Deus revestido de carne mortal! E o Verbo se fez carne (Jo 1,14). Mas o prodígio ainda aumenta, quando se considera o que fez e sofreu depois por nosso amor esse Filho de Deus. Para nos remir, era bastante uma só gota de seu sangue preciosíssimo, uma só lágrima, uma só súplicas, porque esta oração, sendo um ato de pessoa divina, teria infinito valor e era suficiente para resgatar não só um mundo, mas uma infinidade de mundos que houvesse. Observa, entretanto, São João Crisóstomo que aquilo que bastava para resgatar-nos, não era bastante para satisfazer o imenso amor, que Deus nos tinha. Não queria unicamente salvar-nos, mas que muito o amássemos, porque ele muito nos amava. Escolheu vida de trabalhos e de humilhações e a morte mais amargurada entre todas as mortes, a fim de nos fazer compreender o infinito e ardentíssimo amor em que ardia por nós.
“Humilhou- se a si mesmo, fez-se obediente até à morte e morte de cruz” (Fl 2,8)
Ó excesso de amor divino que nunca os anjos nem os homens chegarão a compreender! Digo excesso, porque é exatamente assim que se exprimiam Moisés e Elias no Tabor, falando da Paixão de Cristo (Lc 9,31). “Excesso de dor, excesso de amor”, disse São Boaventura. Continuar lendo
A PENA DA PERDA DE DEUS É O QUE FAZ O INFERNO
Iniquitates vestrae diviserunt inter vos et Deum vestrum — “As vossas iniqüidades fizeram uma separação entre Vós e vosso Deus” (Is. 59, 2)
Sumário. A malícia do pecado mortal consiste no desprezo da graça divina e na perda voluntária de Deus, o Bem supremo. Com toda a justiça, pois, a maior pena do pecador no inferno é tê-lo perdido, sem esperança de O tornar a achar. Se quisermos ter uma garantia de não incorrermos em tamanha desgraça, demo-nos inteiramente e sem reservas ao Senhor. O que não se dá inteiramente a Deus ou o serve com tibieza, corre grande risco de O perder para sempre.
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A gravidade da pena deve corresponder à gravidade do delito. Os teólogos definem o pecado mortal por estas duas palavras:aversio a Deo— “aversão de Deus”. Eis, pois, em que consiste a malícia do pecado mortal: consiste no desprezo da graça divina e na perda voluntária de Deus, o Bem supremo. Pelo que com toda a justiça a maior pena do pecador no inferno é o ter perdido a Deus.
São grandes as demais penas do inferno: o fogo que devora, as trevas que obcecam, os uivos dos condenados que ensurdecem, o mau cheiro que faria morrer aqueles desgraçados se pudessem morrer, a estreiteza que os oprime e lhes tolhe a respiração; mas todas estas penas nada são comparadas com a perda de Deus. No inferno os réprobos choram eternamente, mas o objeto mais amargoso do seu choro é o pensar que perderam a Deus pela sua culpa.
Ó Deus, que grande bem perderam eles! Durante esta vida os objetos que nos rodeiam, as paixões, as ocupações temporais, os prazeres dos sentidos, as contrariedades não nos deixam contemplar a beleza e bondade infinita de Deus. Mas uma vez que a alma sai do corpo, reconhece logo que Deus é um bem infinito, infinitamente formoso, e digno de amor infinito. E sendo que foi criada para ver e amar esse Deus, quisera logo elevar-se a Ele e com Ele unir-se. Como, porém, está em pecado, acha levantado um muro impenetrável, quer dizer, o pecado mesmo que lhe fecha para sempre o caminho para Deus: As vossas iniqüidades fizeram uma separação entre vós e o vosso Deus. — Meu Senhor, graças Vos dou, porque não me foi ainda fechado este caminho, como tinha merecido, e porque posso ainda ir para Vós. Peço-Vos, não me repilais! Meu Jesus, com Santo Inácio de Loyola Vos direi: Aceito toda a pena, mas não a de ser privado de Vós. Continuar lendo
NA MORTE TUDO ACABA
Dies mei breviabuntur; et solum mihi superest sepulchrum — “Os meus dias se abreviam, e só me resta o sepulcro” (Iob 17, 1).
Sumário. A felicidade da vida presente é comparada por Davi ao sono de um homem que desperta; porque os bens deste mundo parecem grandes, mas em realidade nada são e duram pouco, como pouco dura o sono e logo se evapora. Já que nos temos que separar um dia desses bens, desprendamo-nos de tudo aquilo que nos afasta ou nos pode afastar de Deus, e não deixemos para amanhã o bem que podemos fazer hoje. Por terem procrastinado o bem, quantos se acham agora no purgatório e quiçá no inferno!
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Davi chama à felicidade da vida presente sonho de um homem que desperta:Velut somnium surgentium(1); porque os bens deste mundo parecem grandes, mas em realidade nada são e duram pouco, assim como pouco dura o sonho e logo se evapora. Este pensamento determinou São Francisco de Borja a dar-se inteiramente a Deus.
O Santo foi encarregado de acompanhar à Granada o corpo da imperatriz Isabel. Quando abriram o caixão, o aspecto horrível e o mau cheiro do cadáver afugentaram toda a gente. Mas Francisco, guiado pela luz divina, deteve-se a contemplar naquele cadáver a vaidade do mundo e exclamou fitando-o: “Sois vós então a minha imperatriz? Sois vós aquela diante de quem se prostravam respeitosos tão notáveis personagens? Ó Isabel, minha senhora, que é feito da vossa majestade, da vossa beleza?”… “É, pois, assim”, concluiu consigo, “que terminam as grandezas e coroas da terra! Quero para o futuro servir um senhor que me não possa ser roubado pela morte.” Desde então consagrou-se inteiramente ao amor de Jesus crucificado, fazendo voto de abraçar o estado religioso, o que depois executou entrando na Companhia de Jesus.
Tinha, portanto, razão certo homem desiludido quando escreveu estas palavras sobre um crânio: Cogitanti vilescunt omnia — “Tudo se afigura desprezível àquele que reflete”. Quem pensa na morte, não pode amar a terra. Mas porque é que há tantos desgraçados que amam este mundo? Porque não pensam na morte. — Filii hominum, usquequo gravi corde (2) — Pobres filhos de Adão, diz o Espírito Santo, porque não arrancais do coração tantas afeições terrenas que vos fazem amar a vaidade e a mentira? O que aconteceu a vossos pais, acontecer-vos-á também. Habitaram eles essa mesma morada, dormiram nesse mesmo leito, e agora não estão mais aí. O mesmo vos acontecerá igualmente. Continuar lendo
DO AMOR DE DEUS – PONTO I
Nos ergo diligamus Deum, quoniam Deus prior dilexit nos – “Amemos nós a Deus, porque Deus nos amou primeiro” (1 Jo 4, 19)
Considera, antes de tudo, que Deus merece o teu amor, porque ele te amou antes de ser amado por ti, e, de todos quantos te hão amado, é o primeiro (Jr 31,3). Os primeiros que te amaram neste mundo foram teus pais, mas só te amaram depois que te conheceram. Mas Deus já te amava antes de existires. Mesmo antes da criação do mundo, Deus já te amava. E quanto tempo antes de ter criado o mundo começou a te amar?… Talvez mil anos, mil séculos?… Mas não computemos anos nem séculos. Deus te amou desde toda a eternidade (Jr 31,3). Enfim: desde que Deus é Deus, sempre te tem amado; desde que se amou a si mesmo, também amou a ti. Com razão, dizia a virgem Santa Inês:
“Outro amante me cativou primeiro”
Quando o mundo e as criaturas requestaram o seu amor, ela respondia: Não, não vos posso amar. Meu Deus foi o primeiro a amar-me, e é justo, portanto, que só a ele consagre todo o meu amor.
Assim, meu irmão, Deus te tem amado desde toda a eternidade; e só por amor te escolheu entre tantos homens que podia criar, deu-te a existência, colocou-te no mundo e, além disso, tirou do nada inumeráveis e formosas criaturas que te servem e te lembram esse amor que ele te dedica e que tu lhe deves.
“O céu, a terra e todas as criaturas, dizia Santo Agostinho, me convidam a amar-vos”
Quando este Santo contemplava o sol, a lua, as estrelas, os montes e os rios, parecia-lhe que tudo falava, dizendo: Ama a Deus, que nos criou para ti, a fim de que o ames. O Padre Rancé, fundador da Trapa, não via os campos, as fontes e os mares, sem recordar-se, por meio dessas coisas criadas, do amor que Deus lhe tinha. Também Santa Teresa disse que as criaturas lhe repreendiam a ingratidão para com Deus. E Santa Margarida de Pazzi, ao contemplar a formosura de alguma flor ou de um fruto, sentia o coração transpassado pelas flechas do amor divino e exclamava: O Senhor, desde toda a eternidade, pensou em criar estas flores, a fim de que o ame! Considera, além disso, o particular amor de Deus, fazendo-te nascer num país cristão e no seio da santa Igreja. Quantos vêm ao mundo entre idólatras, judeus, maometanos e heréticos, e por isso se perdem!… Continuar lendo
EM QUE COISAS NOS DEVEMOS CONFORMAR COM A VONTADE DIVINA
“Si bona suscepimus de manu Dei, mala quare non suscipiamus? — “Se temos recebido os bens da mão de Deus, porque não receberemos também os males?” (Iob 2, 10.)
Sumário. É certo que tudo o que acontece no mundo, acontece pela vontade ou permissão divina. Mesmo quando alguém nos prejudica nos nossos bens ou na reputação, ainda que Deus não queria o pecado do ofensor, quer todavia os efeitos, isto é, a nossa pobreza e humilhação. Quando, pois, nos acontecem desgraças, seja qual for a sua causa imediata, consideremo-las como vindas das mãos de Deus, e aceitemo-las não só com paciência, senão com alegria, porquanto serão no céu as jóias mais preciosas da nossa coroa.
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Devemo-nos conformar com a vontade de Deus, não só nos males que nos vêem diretamente d’Ele, tais como doenças, desolações espirituais, perda de bens ou de parentes; mas ainda nos que vêem só indiretamente de Deus, isto é, por meio dos homens, como infâmias, desprezos, injustiças e todas as outras espécies de perseguições. É de observar que, quando alguém nos faz algum agravo nos bens ou na honra, Deus não quer o pecado do que nos ofende, mas sim a nossa pobreza e a nossa humilhação. Numa palavra, tudo vem de Deus, tanto os bens como os males.
Chamam-se males, porque nós os chamamos e os fazemos assim. Se os recebêssemos com resignação das mãos de Deus, não seriam para nós males, mas bens. As pedras preciosas que mais adornam a coroa dos Santos, são as tribulações que aceitaram por amor de Deus, pensando que tudo nos vem das suas mãos divinas. — Quando o santo homem Jó recebeu a notícia de que os Sabeus lhe haviam roubado os bens, que respondeu ele? Dominus dedit, Dominus abstulit (1) — “O Senhor os deu, o Senhor os tirou”. Não disse: o Senhor me deu esses bens e os Sabeus m´os roubaram; mas disse: o Senhor m´os deu, o Senhor m´os tirou. Por isso bendisse o nome do Senhor, pensando que tudo tinha acontecido pela sua vontade: Sicut Domino placuit, ita factum est; sit nomen Domini benedictum.
Quando os santos mártires Epicteto e Astion eram atormentados com ganchos de ferro e tochas acesas, não proferiam senão estas palavras: “Senhor, cumpra-se em nós a vossa vontade!” E quando expiravam, as suas últimas palavras foram estas: “Bendito sejais, ó Deus eterno, por nos terdes dado a graça de cumprir em nós o vosso santo beneplácito.” — A mesma coisa nós devemos fazer, quando nos sucedam algumas contrariedades; recebamo-las todas da mão de Deus, não só com paciência, mas até com alegria; seguindo o exemplo dos apóstolos, que se regozijavam de ser maltratados pelo amor de Jesus Cristo (2). Que maior satisfação poderemos ter, do que abraçar algumas cruzes e saber que abraçando-as podemos ser agradáveis a Deus? Continuar lendo
ÚLTIMO DOMINGO DEPOIS DE PENTECOSTES: O FIM DO MUNDO E O PROCEDIMENTO DOS BONS CATÓLICOS EM TEMPO DE PERSEGUIÇÃO
Erit tunc tribulatio magna, qualis non fuit ab initio mundi usque modo — “Será então a aflição tão grande, que, desde que há mundo até agora, não houve outra semelhante” (Matth. 24, 21).
Sumário. A perseguição que o espírito infernal suscitará no fim do mundo não é a única que devemos temer. Cada dia os ímpios tramam uma revolta igual à do Anticristo, como de sobejo demonstram os males que nos sobrevêem e as guerras que a Igreja Católica tem de sustentar. Aproveitemos os ensinos que Jesus Cristo nos dá no presente Evangelho: Sejamos constantes na fé; humilhemo-nos perante Deus, confessando que temos merecido os seus castigos, e rezemos com fervor, a fim de que sejam abreviados os dias de provação.
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I. No Evangelho de hoje Jesus Cristo nos fala da destruição de Jerusalém e ao mesmo tempo do fim do mundo prefigurado pela ruína daquela cidade infeliz. “Será tão grande a aflição”, diz Jesus, “que desde que há mundo até agora, não houve nem haverá outra semelhante. E se não se abreviassem aqueles dias, não se salvaria pessoa alguma; mas hão de abreviar-se em atenção aos escolhidos: Propter electos breviabuntur dies illi.” (1) — Passando depois a dar-nos avisos apropriados àqueles tempos, recomenda-nos o Senhor especialmente a constância na fé, e prossegue: “Então, se alguém vos disser: Aqui está o Cristo, ou ei-lo acolá; não lhe deis crédito. Pois se levantarão falsos Cristos e falsos profetas; farão grandes prodígios e maravilhas tais, que (se fôra possível) até os escolhidos se enganariam. Vêde que eu vô-lo adverti antes: Ecce praedixi vobis.”
Meu irmão, esperas e estás confiado que não presenciarás esta última tribulação, mas nem por isso creias que não te dizem respeito os avisos do Redentor. São Gregório afirma: “A perseguição que o espírito infernal suscitará nos últimos tempos não é a única que devamos temer; porque cada dia os ímpios tramam a revolta do Anticristo, e até agora este mistério de iniqüidade se planeja às ocultas no seu coração: Iam nunc occultus operatur.” Ou, para melhor dizer, já está planejado e está sendo executado pela guerra continua e múltipla movida contra a Esposa de Jesus Cristo, a Igreja Católica. — Aproveita-te, pois, dos avisos do Senhor: “Sêde sóbrios e vigiai, porque vosso adversário, o diabo, como leão a rugir, anda ao redor, buscando a quem devore: resisti-lhe fortes na fé.” (2) Continuar lendo
MARIA SANTÍSSIMA SOCORRE OS SEUS DEVOTOS NO PURGATÓRIO
Gyrum coeli circuivi sola, et profundum abyssi penetravi — “Eu só rodeei o giro do céu, e penetrei a profundidade do abismo” (Ecclus. 24, 8).
Sumário. Felizes de nós se formos devotos da Santíssima Virgem! Ela não só nos socorrerá na nossa vida, mas também depois da morte, aliviando-nos e mesmo livrando-nos do purgatório. Oh, quantas almas subiram diretamente ao céu pela intercessão de Maria! Procuremos, pois, crescer sempre no amor desta querida Mãe, e aos outros obséquios que em sua honra praticamos, ajuntemos mais este: de orar pelas almas que penam no purgatório, porque, sendo elas esposas de Jesus Cristo, são também filhas de Maria.
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Muitos ditosos são os devotos desta piedosíssima Mãe, porque são por ela socorridos não só neste mundo, mas também no purgatório são assistidos e consolados com a sua proteção. E porque as almas do purgatório têm mais necessidade de alívio, pelo muito que estão padecendo, sem poderem socorrer-se por si mesmas, Nossa Senhora muito mais se empenha em socorrê-las ali. — Diz São Bernardino de Sena que Maria Santíssima tem naquele cárcere das almas esposas de Jesus Cristo um certo domínio e pleno poder. E São Boaventura, aplicando-lhe esta passagem do Eclesiástico: Profundum abyssi penetravi— “Penetrei as profundidades do abismo”, chega a dizer que nossa piedosa Mãe não se despreza de entrar algumas vezes naquela santa prisão, para visitar e consolar suas aflitas filhas com a sua doce presença.
Mas a Santíssima Virgem não só favorece e consola os seus devotos no purgatório, como também dali os tira e livra com a sua intercessão. Referem abalizados autores que Maria, estando para ir ao paraíso, pediu e obteve de seu Filho a graça de levar consigo todas as almas que então se achavam no purgatório. E desde então, como afirmam Gerson, São Bernardino de Sena, São Pedro Damião e outros, a benigníssima Senhora tem o privilégio de livrar os seus devotos daquelas penas; e todos os anos, no dia da sua Assunção, bem como nas festividades do Nascimento e da Ressurreição de Jesus Cristo, Maria desce para este fim ao purgatório, acompanhada de legiões de anjos.P
Bem sabida é a promessa que Maria Santíssima fez a todos aqueles que trouxessem o escapulário do Carmo: que no sábado depois da sua morte seriam livrados daquele cárcere penosíssimo. — Vede, pois, quanta razão tem a Igreja em dar à Santíssima Virgem o belo título de Nossa Senhora do Sufrágio. Continuar lendo
AMOR EXCESSIVO DE JESUS CRISTO PARA COM OS HOMENS
Nos praedicamus Chirstum crucifixum, Iudaeis quidem scandalum, gentibus autem stultitiam — “Nos pregamos a Cristo crucificado, que é de fato para os judeus escândalo e para os gentios loucura” (I Cor. 1, 23).
Sumário. O mistério da Redenção é tão sublime, que os gentios o chamavam uma loucura. Julgavam impossível que um Deus onipotente e felicíssimo se tivesse feito homem e tivesse morrido numa cruz pela salvação dos homens. Como há, pois, cristão que sabem isso pela fé, e vêem um Deus tornado, por assim dizer, louco por amor dos homens, e todavia vivem sem O amar, e mesmo O ofendem e injuriam?… Se no passado nos unimos àqueles ingratos para ofender Jesus, peçamos-Lhe humildemente perdão.
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São Paulo diz que os gentios, ouvindo-o pregar de Jesus crucificado por amor dos homens, olhavam isto como uma incrível loucura. E como, diziam eles, seria possível crer que um Deus todo-poderoso, que de ninguém tinha necessidade para ser o que é, infinitamente feliz, haja querido, para salvar os homens, fazer-se homem e morrer numa cruz? Seria isto a mesma coisa, diziam eles, que crer um Deus tornado louco por amor dos homens: para os gentios uma loucura. E por isto deixavam de crer.
Mas esta grande obra da Redenção, que os judeus criam e chamavam uma loucura, sabemos nós pela fé que Jesus a empreendeu e a completou. “Nós podemos ver”, diz São Lourenço Justiniani, “a Sabedoria eterna, o Filho unigênito de Deus, tornado, por assim dizer, louco pelo amor excessivo que tinha aos homens.” — O Bem aventurado Jacopone, que no mundo era tão distinto pelo seu saber, tendo-se feito franciscano, parecia enlouquecer pelo amor que consagrava a Jesus Cristo. Um dia apareceu-lhe Jesus e disse: “Jacopone, para que fazes estas loucuras?” — “Porque as faço?” respondeu ele, “porque Vós m´as haveis ensinado. Se eu sou louco, Vós fostes mais louco do que eu, por terdes querido morrer por mim: Stultus sum, quia stultior me fuisti.”
Da mesma sorte, Santa Maria Madalena de Pazzi, arrebatada em êxtase, exclamava: “Ó Deus de amor! Ó Deus de amor! É muito grande, meu Jesus, o amor que Vós tendes aos homens. Não sabeis, minhas queridas irmãs, que o meu Jesus não é senão amor? Ainda mais: louco de amor? Sim, louco de amor, digo que Vós o sois, ó meu Jesus, e sempre o direi.” Acrescentava que quando chamava a Jesus amor, queria ser ouvida pelo mundo inteiro, a fim de que o amor de Jesus fosse conhecido e amado de todos os homens.
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JESUS NO SANTÍSSIMO SACRAMENTO, NOSSO CONSOLADOR
Venite ad me omnes, qui laboratis et onerati estis, et ego reficiam vos — “Vinde a mim, todos os que estais cansados e sobrecarregados, e eu vos aliviarei” (Matth. 11, 28).
Sumário. Enquanto vivermos sobre a terra, nunca nos faltarão angústias, tribulações e trabalhos; aliás ela não seria para nós um vale de lágrimas. Se, porém, quisermos sentir menos o peso das cruzes, amemos muito a Jesus, e habituemo-nos a recorrer freqüentemente a Ele no seu Santíssimo Sacramento. Imaginemos vê-lo ali coroado de espinhos, coberto de chagas, aflito e chorando a ingratidão dos homens. Unamos as nossas lágrimas com as de Jesus. Oh, quanto é doce chorar com o nosso divino Consolador!
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Quando o nosso Divino Redentor estava na terra, convidava todos a que a Ele recorressem para serem consolados, dizendo-lhes: Vinde todos a mim. E os factos correspondiam às palavras: pois, como diz São Lucas: Jesus andou de lugar em lugar, fazendo bem e sarando a todos os oprimidos do demônio(1) — Ora, no Santíssimo Sacramento do Altar o nosso amabilíssimo Jesus exerce continuamente o mesmo oficio de Consolador das almas. Ali está noite e dia, cheio todo de misericórdia, esperando, chamando e acolhendo todos os que o vêm visitar.
Vendo que são tão poucos os que querem gozar das suas consolações e movido pelo seu amor e pelo desejo de nos fazer bem, chega a queixar-se pela boca do Profeta: Num quid resina non est in Galaad, aut medicus non est ibi? (2) — Não há bálsamo em Galaad, e não se encontra aí medico algum? Galaad é uma montanha da Arábia, rica em ungüentos aromáticos; segundo o venerável Beda, ela é figura de Jesus Cristo, que nos preparou na Eucaristia todos os remédios para as nossas enfermidades. — Porque então, parece nos dizer o Divino Redentor, porque vos queixais das vossas misérias, ó filhos de Adão? Pois, quaisquer que sejam os vossos males, neste Sacramento achareis o médico e os remédios. Oh! Se recorresseis sempre a mim, certamente não serieis miseráveis como sois.
Falem aqui aqueles corações venturosos que fizeram a experiência. Convence-te, dizem eles, de que a alma que se detém, embora pouco recolhida, diante do Santíssimo Sacramento, recebe de Jesus mais consolações do que as que o mundo pode dar com todos os seus festins e divertimentos. Oh, que delícias sentimos, estando com fé perante um altar, e entretendo-nos familiarmente com Jesus, que está ali expressamente para ouvir e atender os que O invocam; pedindo-Lhe perdão das penas que Lhe temos causado; expondo-Lhe as nossas necessidades, como faz o amigo ao amigo; pedindo-Lhe as suas graças, o seu amor, o seu paraíso! E, acima de tudo, que alegria celeste se sente ao fazer atos de amor para com esse amável Senhor que está sobre o altar, inflamado em amor por nós! Mas a que vêm tantas palavras? Gustate et videte, quoniam suavis est Dominus (3) — “Experimentai e vêde como o Senhor é suave”. Continuar lendo
PARA NOS PREPARARMOS PARA A MORTE NÃO DEVEMOS ESPERAR PELO ÚLTIMO MOMENTO
Estote parati: quia qua nescitis hora Filius hominis venturus est – “Estai preparados; porque não sabeis em que hora tem de vir o Filho do homem” (Mt 24, 44)
Sumário. Devemo-nos persuadir de que o tempo da morte não é o momento próprio para regular as contas. Que dirias de um homem que tendo de entrar em concurso para uma cadeira, quisesse instruir-se somente na hora da prova? Não seria tido por louco o comandante de uma praça que esperasse que o cercassem para fazer provisão de viveres e munições? Não seria loucura da parte de um piloto, se não se munisse de âncoras e cabos senão no momento da tempestade? Tal é todavia o procedimento de um cristão que espera que a morte chegue para por em ordem a sua consciência.
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Todos sabem que havemos de morrer, que se morre uma só vez e que não há coisa mais importante do que esta, porque do instante da morte depende o ser-se feliz ou desgraçado para sempre. Todos sabem igualmente que da boa ou da má vida depende a boa ou má morte. Como então se explica que a maior parte dos cristãos vivem como se nunca devessem morrer ou como se importasse pouco morrerem bem ou mal? Vive-se mal, porque se não pensa na morte: Memorare novissima tua et in aeternum non peccabis (1) — “Lembra-te de teus fins últimos e nunca pecarás”.
Devemo-nos persuadir de que o tempo da morte não é o momento próprio para regular as contas e por a salvo o negócio da salvação eterna. Os prudentes do mundo tomam, em tempo oportuno, para seus negócios, todas as providências para obter tal lucro, tal posto; e na saúde do corpo nunca adiam o emprego dos remédios necessários. — Que dirias de um homem que, tendo de entrar em concurso para uma cadeira, somente procurasse instruir-se no momento da prova? Não seria taxado de louco o comandante que esperasse o momento do cerco para fazer provisões de viveres e munições? Não seria loucura da parte de um piloto, se não cuidasse em munir-se de âncoras e de cabos, senão no momento da tempestade? Tal é todavia o procedimento do cristão que espera que a morte chegue, para por em ordem a sua consciência.
“Quando a morte cair sobre eles como tempestade”, diz o Senhor, “então invocar-me-ão, e não os escutarei; comerão o fruto de seu caminho” — Cum interitus quasi tempestas ingruerit… tunc invocabunt me, et non exaudiam; comedent fructus viae suae (2). O tempo da morte é um tempo de perturbação e confusão: então os pecadores invocam o socorro de Deus, mas somente com o receio do inferno, em que se veem próximos a cair, sem verdadeira conversão; e por isso Deus não os atende. É justo que então só provem os frutos de sua má vida: Quae seminaverit homo, haec et metet (3) — “O homem colherá o que tiver semeado”. — Não basta receber então os sacramentos; é preciso morrer detestando o pecado e amando a Deus sobre todas as coisas. Como, porém, aborrecerá os prazeres proibidos aquele que até então os amou? Como amará a Deus sobre todas as coisas aquele que até esse momento mais tiver amado as criaturas do que Deus? Continuar lendo
DA PROVA DO VERDADEIRO AMOR
Jesus: Filho, não és ainda forte nem prudente no amor.
A alma: Por que, Senhor?
Jesus: Porque por qualquer contrariedade deixas o começado e com ânsia excessiva procuras a consolação. O homem forte no amor permanece firme nas tentações e não dá crédito às astuciosas sugestões do inimigo. Assim como lhe agrado na prosperidade, não lhe desagrado nas tribulações. Quem ama discretamente não considera tanto a dádiva de quem ama, como o amor de quem dá. Atende mais à intenção que ao valor do dom, e a todas as dádivas estima menos que o Amado. Quem ama nobremente não repousa no dom, mas em mim acima de todos os dons. Nem tudo está perdido, se sentires, às vezes, menos devoção, a mim ou meus santos, do que desejaras. Aquele sentimento terno e doce que experimentas, às vezes, é efeito da graça presente, um como que antegosto da pátria celestial; nele não te deves firmar muito, porquanto vai e vem. Mas pelejar contra os maus movimentos do coração e desprezar as sugestões do demônio é sinal de virtude e grande merecimento.
Não te perturbem, pois, estranhas imaginações, oriundas de matéria qualquer. Guarda firme teu propósito, e tua reta intenção fixa em Deus. Não é ilusão o seres, alguma vez, subitamente arrebatado em êxtase, e logo depois caíres de novo nos costumados desvarios do coração. Porque mais os padeces contra a vontade do que és causa deles, e enquanto te desagradarem e os repelires, serão para ti ocasião de merecimento e não de perdição. Continuar lendo
A SALVAÇÃO É O NOSSO ÚNICO NEGÓCIO
Porro unum est necessarium — “Só uma coisa é necessária” (Luc. 10, 42.)
Sumário. O único fim pelo qual o Senhor nos pôs neste mundo é a salvação de nossa alma. Pouco importa sermos aqui pobres, perseguidos e desprezados, salvando-nos nada mais teremos a sofrer e seremos felizes por toda a eternidade. Se, porém, perdermos este negócio e nos condenarmos, de que nos servirá no inferno termos gozado de todos os prazeres do mundo, de havermos sido ricos e cortejados? Perdida a alma, está perdido tudo e para sempre! Meu irmão, dize-me, como cuidaste até hoje deste negócio único?… Estás ao menos resolvido a tratá-lo no futuro seriamente?
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São Bernardo lamenta a incoerência dos cristãos, que tratam de loucura os brinquedos infantis, e chamam negocio sério as suas ocupações terrestres, enquanto na realidade elas não são senão loucuras maiores. De que serve, diz o Senhor, ganhar o mundo inteiro e perder a alma? Quid prodest homini, si universum mundum lucretur, animae vero suae detrimentum pafiatur?(1) — Se te chegares a salvar, meu irmão, pouco importa que tenhas neste mundo sido pobre, perseguido e desprezado; salvando-te, nada mais terás a sofrer e serás feliz por toda a eternidade. Se, porém, perderes a alma e te condenares, de que te servirá no inferno o teres gozado de todos os prazeres do mundo, o haveres sido rico e cortejado? Perdida a alma, perdem-se os prazeres, as honras, as riquezas, perde-se tudo.
Que responderás a Jesus Cristo no dia das contas? Se um rei encarregasse o seu embaixador de ir a uma cidade para tratar um negócio importante, e se, chegado ali, em vez de cuidar do negócio que lhe fora confiado, só pensasse em festas, espetáculos e banquetes, e assim levasse o negócio a mau êxito, que contas daria ao rei quando voltasse? Ó Deus! Que contas mais rigorosas não terá de dar ao Senhor no dia do juízo aquele que, colocado no mundo, não para se divertir, enriquecer, adquirir honras, mas para salvar a alma, de tudo se tiver ocupado exceto dela? Os mundanos só pensam no presente e nunca no futuro.
São Filippe Neri, conversando um dia em Roma com um moço talentoso, chamado Francisco Zazzera, que só pensava nas coisas do mundo, falou-lhe desta maneira: Meu filho, alcançarás grande fortuna, será bom advogado, depois prelado, depois talvez cardeal, e quem sabe? Talvez Papa. E depois?… E depois?… Vai, disse-lhe, vai e pensa nestas duas palavras, Francisco voltou para casa, e tendo refletido seriamente nestas duas palavras: E depois?… E depois?… renunciou às ocupações mundanas e entrou na Congregação de São Filipe, entregando-se inteiramente aos trabalhos de Deus. Continuar lendo
DA PERFEITA RESIGNAÇÃO COM A VONTADE DIVINA
Meus cibus est ut faciam voluntatem eius qui misit me, ut perficiam opus eius — “O meu alimento é fazer a vontade daquele que me enviou, para consumar a sua obra” (Io. 4, 34).
Sumário. É um ponto de fé que Deus não quer senão o que é melhor para nós; isto é, a nossa santificação. Se quisermos, pois, ser santos e achar mesmo na terra a paz verdadeira, procuremos ter a nossa vontade em repouso, unindo-a sempre à vontade amabilíssima de Deus. Remetamos ao Pai celestial toda a nossa solicitude, certos de que, afinal, tudo cede para o maior bem do justo. Em cada adversidade, seja qual for, repitamos a palavra habitual dos santos: Seja feita a vossa vontade!
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O que nos sustenta na nossa vida mortal é o alimento; eis porque Jesus Cristo disse que o seu alimento era o cumprir a vontade de seu Pai. Deve isso ser também o sustento das nossas almas; porque nossa vida consiste em cumprirmos a vontade divina; quem não a cumpre está morto (1). — O Sábio escreve: Fideles in dilectione acquiescent illi (2) — “Os que lhe são fiéis no amor, concordam com Ele”. Aqueles que são pouco fiéis no amor divino, quereriam que Deus acquiesceret eis, concordasse com eles; isto é, se conformasse com a vontade deles e lh´a fizesse em tudo. Aqueles, porém, que amam a Deus, acquiescunt illi, concordam com Ele, conformam-se com tudo o que Deus faz tanto deles mesmos como dos seus bens. Em todas as adversidades que os afligem, nas enfermidades, nas injúrias, nos desgostos, na perda de bens ou de parentes, eles têm sempre na boca e no coração a palavra tão familiar aos santos: Fiat voluntas tua — “Seja feita a vossa vontade”.
Deus não quer senão o que é melhor para nós, isto é, a nossa santificação: Haec est voluntas Dei: sanctificatio vestra (3) — “Esta é a vontade de Deus: a vossa santificação”. Procuremos, pois, conservar a nossa vontade em repouso, unindo-a sempre à vontade de Deus, tranquilizemos igualmente o nosso espírito pelo pensamento que tudo o que Deus faz é melhor para nós. Quem não fizer assim, nunca achará a verdadeira paz.
Toda a perfeição alcançável nesta terra, lugar de purificação e, por consequência, de penas e trabalhos, consiste em sofrer com paciência tudo o que contraria o nosso amor próprio, e para sofrê-lo com paciência, não há meio mais eficaz do que sofrê-lo para cumprir a vontade de Deus. — Aquele que se conforma em tudo à vontade de Deus está sempre em paz, e não o entristecerá coisa alguma que lhe suceda: Non contristabit iustum quidquid ei acciderit (4). E porque é que o justo não se entristece, aconteça-lhe seja o que for? Porque sabe que tudo o que acontece neste mundo acontece pela vontade divina e que afinal todas as coisas contribuem para o seu bem (5). Numa palavra, a vontade divina embota, por assim dizer, todos os espinhos, e tira a amargura de todas as tribulações que nos sobrevierem neste mundo. Continuar lendo
VI DOMINGO DEPOIS DA EPIFANIA: O GRÃO DE MOSTARDA E A IGREJA CATÓLICA
Simile est regnum coelorum grano sinapis, quod accipiens homo seminavit in agro suo — “O reino dos céus é semelhante a um grão de mostarda que um homem tomou e semeou no seu campo” (Matth. 13, 31).
Sumário. No Evangelho de hoje a Igreja Católica é comparada a um grão de mostarda; porque, posto que pequena na sua origem, em breve se dilatou de tal modo, que todas as nações se puseram debaixo da sua proteção. Já que temos a ventura de pertencer a esta Igreja, demos graças por isso a Deus. Se, porém, desejamos que a fé nos salve, meditemos freqüentemente nas máximas salutares da fé e façamos por não sermos do número daqueles que, vivendo no pecado ou na tibieza, são membros mortos ou moribundos.
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I. O divino Redentor compara o reino dos céus, isto é, a sua Igreja, a um grão de mostarda que um homem tomou e semeou no seu campo. E com razão; pois, assim como a mostarda é a menor das sementes, assim a Igreja de Jesus Cristo foi na sua origem muito pequena e desprezível aos olhos dos homens. — Pequena e desprezível em seu fundador; que, posto que fosse Deus, quis passar sua vida na obscuridade e nas humilhações e afinal morreu crucificado entre dois ladrões, pelo que dizia o Apóstolo que Jesus foi para os judeus escândalo e para os gentios loucura (1). — Pequena também e desprezível em sua doutrina; porque quanto à fé impõe para crer dogmas superiores e, na aparência, contrários à razão humana; quanto às obras, ensina máximas bastante difíceis e humilhantes: manda-nos sofrer as injúrias, perdoar aos inimigos, renunciar a nós mesmos. — Pequena finalmente e desprezível nos meios para se propagar; pois que para a sua dilatação foram escolhidos doze pobres pescadores, homens sem prestígio e sem instrução: Quae stulta sunt huius mundi elegit Deus (2) — “Deus escolheu o que é insensato segundo o mundo”.
Mas assim como o grão de mostarda, “quando tem crescido, é a maior de todas as hortaliças e se faz árvore, de maneira que vêm as aves do céu e se aninham em seus ramos”, assim também a Igreja de Jesus Cristo, pequena e desprezível na sua origem, com o auxílio de Deus cresceu em breve tempo de tal maneira, que uma multidão de pessoas, e entre estas reis, imperadores e sábios, a ela vieram abrigar-se, achando a verdadeira felicidade. — Meu irmão, dá graças ao Senhor por teres nascido no grêmio desta Igreja; cuida, porém, que não sejas um membro morto ficando no estado de pecado, ou moribundo, vivendo em tibieza voluntária. Continuar lendo