CARTA DE MARCEL DE CORTE A JEAN MADIRAN “SOBRE A MISSA NOVA” – 1970 – “PAULO VI É UM HOMEM CHEIO DE CONTRADIÇÕES”

Fonte: Blog Rorate Caeli – Tradução: Dominus Est

Marcel De Corte

Devo confessar-lhe, meu caro Jean Madiran, que mais do que uma vez me senti tentado a abandonar a Igreja Católica em que nasci. Se não o fiz, dou graças a Deus e ao bom senso de camponês com que Ele me abençoou. A Igreja — murmuro para mim mesmo neste momento — é como um saco de trigo infestado de carunchos. Por mais numerosos que sejam os parasitas — e, à primeira vista, estão enxameando! — não afetaram todos os grãos. Alguns, por muito poucos que sejam, permanecem férteis. Estes brotarão e os carunchos morrerão depois de terem devorado todos os outros. Bon appétit, meus senhores, estão comendo a vossa própria morte.

Enquanto isso, sofremos de fome, de fome de sobrenatural. O número de padres que nos distribuem o pão da alma diminui a um ritmo alarmante. Na hierarquia, a situação é ainda pior. E no topo, de onde se poderia esperar algum consolo, é desastroso.

Confesso que, durante muito tempo, me deixei enganar por Paulo VI. Pensava que estava tentando preservar o essencial. Repetia para mim próprio as palavras de Luís XIV ao Delfim: “Não receio dizer-lhe que, quanto mais elevada é a posição, mais coisas há que não se podem ver ou saber senão quando se a ocupa”. Não sendo papa, nem sequer clérigo, disse a mim mesmo: “Ele vê o que eu não posso ver, devido à sua posição. Por isso, confio nele, mesmo que a maior parte dos seus atos, atitudes e declarações não me agradem e que as suas constantes (aparentemente constantes) manobras me deem a volta à cabeça. Pobre homem, é digno de pena, tanto mais que é evidente que não está à altura do cargo… Mas mesmo assim, com a ajuda de Deus…” Continuar lendo

SINAIS CERTÍSSIMOS: SOBRE OS MILAGRES E A CANONIZAÇÃO DO PAPA PAULO VI

Papa Paulo VI – Wikipédia, a enciclopédia livre

Courrier de Rome n.º 608, Março de 2018 – Tradução: Dominus Est

Pe. Jean-Michel Gleize, FSSPX

[Nota do blog: texto escrito antes da canonização do Papa Paulo VI]

«Signis certissimis»: tal é a expressão destacada pelo Concílio Vaticano I na constituição dogmática Dei Filius, sobre a fé católica. «Ora, para que, não obstante, o obséquio de nossa fé estivesse em conformidade com a razão [cf. Rm 12,1], quis Deus ajuntar ao auxílio interno do Espírito Santo os argumentos externos de sua revelação, isto é, os fatos divinos, e sobretudo os milagres e as profecias, que, por demonstrarem luminosamente a onipotência e a ciência infinita de Deus, são da revelação divina sinais certíssimos e adaptados à inteligência de todos»[1]. Este ensinamento do Concílio Vaticano I é confirmado pelo ensinamento do Papa São Pio X no Juramento antimodernista: «Segundo: admito e reconheço como sinais certíssimos da origem divina da religião cristã as provas externas da Revelação, isto é, os feitos divinos, em primeiro lugar os milagres e as profecias, e afirmo que são perfeitamente adaptadas à inteligência de todos as idades e [de todos os] homens, inclusive os da época presente»[2].

Os sinais certíssimos são, portanto, os milagres. Em sua etimologia, a palavra «milagre» vem do substantivo latino miraculum, que por sua vez deriva do verbo mirari, que não significa «admirar»[3], mas «considerar com espanto». Ora, espantar-se é considerar um efeito cuja causa é desconhecida. Portanto, o milagre é um efeito cuja causa mantém-se oculta, porquanto é incognoscível. Especificando ainda mais esse vínculo que relaciona a noção de milagre (e portanto de espanto) à ignorância de uma causa, Santo Tomás [4] mostra que o espanto sobrevém diante não de um efeito raro, mas de um novo e inabitual[5]. Ora, esse gênero de efeitos é aquele que não procede de causas já conhecidas.

Vamos mais longe distinguindo o que diz respeito ao espanto: Ele procede da ignorância de uma causa, e ela pode ser ignorada de duas maneiras. Ela pode estar oculta para uma categoria de observadores, mas não para todos: ela provoca então o espanto do vulgo diante daquilo que se convém chamar de maravilhoso (mirum). Por exemplo, o eclipse causa espanto no vulgo, mas não causa espanto no astrônomo. Em seguida, a causa pode estar oculta para qualquer que seja o observador: é o miraculum propriamente dito, aquele que provoca o espanto de todos, mesmo dentre estudiosos e sábios. A definição sintética e científica do milagre é formulada pelo doutor angélico[6] em termos já tornados clássicos: um fenômeno constatável pelo homem (e portanto sensível), mas cuja produção lhe escapa, dado que é sobrenatural, tem Deus como seu autor único e está além das capacidades de todas as naturezas criadas, inclusive a dos anjos. Continuar lendo

A CRISE NA IGREJA CATÓLICA PARTE 4 – A MISSA NOVA DE PAULO VI

Nesta quarta parte sobre a Crise na Igreja Católica nossos amigos Diogo e Sara abordam o tema da Missa Nova de Paulo VI. Para além de representar um perigo para a fé, pelas adulterações do ofertório e cânon, todo o seu desenvolvimento está imbuído de um espirito protestante ecumênico que falha em transmitir a doutrina católica. A Santa Missa tem 4 objetivos principais: Adoração a Deus, Remissão dos Pecados (vivos e mortos), Ação de Graças e Petição. A Missa de Paulo VI é por sua vez ecumênica, uma refeição, presidida por um “presidente” da comunidade, toda a sua concepção é errônea e conduz à deformação da fé. Para além de todos os problemas doutrinais, existe ainda envolvente que decorre desta fraquíssima expressão teológica, nomeadamente a imodéstia no vestir, a irreverência (comunhão na mão, de pé, ministros da comunhão), tudo isto frutos de uma ideia errado do Santo Sacrifício.

AS DEMOLIÇÕES DE PAULO VI

Nota da Permanência: Retomamos a publicação da série “Breve crônica da ocupação neo-modernista na Igreja Católica”, utilíssima para quem quiser compreender como chegamos ao atual estado de coisas em Roma. Na foto ao lado, o Papa Paulo VI entrega seu anel episcopal ao “arcebispo” anglicano Ramsey.

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Quanto a Paulo VI, é claro que um filo modernista como ele, chegando a ocupar – com a permissão de Deus e em punição de nossos pecados – a Sé de Pedro, não poderia ser senão um demolidor da Igreja. Além, evidentemente, de suas intenções pessoais, ou melhor, de suas utopias pessoais.

Admirador de personagens como Blondel, Teilhard de Chardin, Henri de Lubac, do “segundo” Jacques Maritain e de outros da mesma laia, o Papa Paulo VI se emprenhou, com obstinação digna das melhores causas, à aplicar em todos os domínios as novas doutrinas do Vaticano II. Ele desmantelou todas as defesas da Igreja, em particular pela reforma do Santo Ofício; promoveu a difusão da nova teologia em todas as faculdades pontificais, universitárias e seminários (ainda hoje, como já sublinhamos, Henri de Lubac e Von Balthasar, com Karl Rahner, dominam imperturbavelmente o currículo dos estudos teológicos); obrigou os religiosos dos dois sexos a um aggionarmento catastrófico de suas Regras e Constituições segundo o “espírito” do Vaticano II (resultado: conventos vazios e vocações raras); favoreceu também o aggionarmento de padres e seminaristas a fim de que se engajassem na abertura ao mundo promovida pelo Concílio (resultado: defecção súbita de dezenas de milhares de padres e a difusão lenta mas inexorável de um espírito secularizado, que se reflete até mesmo nas vestimentas); deixou completamente impunes os propagadores de heresias e de imoralidades que, imediatamente após o Vaticano II, espalharam-se como fogo no mundo católico.

“Por ocasião da morte do Papa João — relembrava o Pe. Francisco Spadafora, célebre exegeta – dava-se como certa a eleição de Montini, e os membros do Sacro Colégio foram advertidos que isto constituiria um grave perigo para a fé. Foi tudo em vão: a maior parte dos eleitores devia as suas púrpuras aos bons ofícios de Montini, sob a influência do qual se tinha desenrolado o pontificado do Papa João: por esta razão também, sua eleição era certa. Continuar lendo

PAULO VI E A AUTO-DEMOLIÇÃO DA IGREJA

Pe. François Marie-Chautard, FSSPX

É preciso reconhecer que o papa Paulo VI trouxe um sério problema à consciência dos católicos.

Esse papa causou mais males à Igreja que a Revolução de 1789”. (Dom Marcel Lefebvre)1

Quando em junho de 1963 Paulo VI tomou posse do segundo e terceiro andares do Palácio Apostólico, tradicionalmente reservados ao Santo Padre, tratou de arrumá-los a seu gosto. Amante de arte contemporânea, queria dar um aspecto moderno a seus apartamentos. Tapeçaria e poltronas antigas foram substituídas por tecidos e móveis de estilo recente, os aposentos renovados foram adornados com obras de artistas em voga, e sua capela privada foi transformada no espírito dos anos 60.

A história do seu pontificado revelaria que essa nova decoração era representativa da maneira com a qual o novo papa iria considerar e reger a Tradição da Igreja. (Continue a ler)

No vocabulário católico, a palavra Tradição indica várias realidades. Em primeiro lugar o objeto da Revelação, ou seja, as verdades reveladas, o depósito da fé. “Tradição” indica igualmente o ato de ensino pelo qual esse depósito revelado é fielmente transmitido. Pode também significar o órgão deste ensino, isto é, o Magistério constituído pelo papa e os bispos. Mais amplamente, a palavra “Tradição” compreende todo o patrimônio doutrinal, canônico, litúrgico, pastoral, religioso e artístico da Igreja. Desde a crise da Igreja, a palavra é utilizada para qualificar o movimento dos católicos da Tradição, os tradicionalistas. Por fim, ela qualifica a noção ou o modo de transmissão, e assim fala-se de “Tradição viva”. As relações de Paulo VI para com a Tradição podem ser vistas a partir dessas diferentes acepções.

Tradição como depósito da fé

O papa Paulo VI nunca ensinou heresias propriamente ditas. No decurso de uma ocasião solene, em 30 de junho de 1968, ele mesmo proclamou um Credo que repercutiu no mundo inteiro, um sinal de seu excepcional caráter. Suas evocações tradicionais, suas advertências sobre a santa Eucaristia, o tomismo ou ainda a Igreja, creditaram-lhe a imagem de um papa liberal de duas faces2: de doutrina tradicional e pastoral de ruptura.

Quarenta anos após a sua morte, porém, a sua herança deixa transparecer um pontificado espantosamente progressista. Paulo VI permitiu que tantas heresias se propagassem, encorajou os inovadores de modo tão flagrante, nomeou cardeais e bispos tão progressistas, perseguiu os defensores da fé de modo tão virulento que o seu governo foi tragicamente prejudicial ao depósito da fé. Mas, sobretudo, o seu próprio ensino fez naufragar a doutrina multissecular da Igreja.

O problema inicial e principal está no Concílio, o qual fez o jogo dos inovadores em detrimento da doutrina tradicional em muitos pontos fundamentais: o Magistério, a Santa Igreja, o sacerdócio, as Sagradas Escrituras, as falsas religiões, a autoridade, a liberdade etc. Essa turbulência gerou muitos atritos e a aula conciliar foi  teatro regular de controvérsias importantes cujo resultado é bem conhecido. Mas tudo isso não poderia ter ocorrido sem a autoridade papal. Sem o aval do papa um concílio não é nada, assim como um decreto ministerial preparado por comissões só tem valor quando é assinado pelo ministro. Ainda que os textos conciliares sejam preparados, debatidos e votados por milhares de bispos, um concílio é essencialmente obra do sucessor de Pedro. Ao ratificar as decisões dos padres, Paulo VI endossou a responsabilidade maior do concílio. Em toda verdade, o concílio Vaticano II é obra do papa Paulo VI. Um gesto traduz essa afinidade com o concílio: o anel que esse papa ofereceu a todos os bispos do mundo em 6 de dezembro de 1965, às vésperas do fechamento de Vaticano II, e que ele usou até a sua morte em lugar do anel de pescador. Aí está todo um símbolo.

A Tradição como ato de ensino

A modificação do conteúdo do ensino foi acompanhada de uma mudança na própria concepção deste, já que a natureza do ensino é correlata à do seu objeto. 

Paulo VI voltou frequentemente para a expressão seguinte: a Igreja está em diálogo: “O Concílio trabalhará para lançar uma ponte em direção ao mundo contemporâneo (…) vocês quiseram antes de tudo se ocupar não das suas tarefas, mas daquelas da família humana, e travar um diálogo não entre vocês, mas com os homens”, disse ele aos padres conciliares3. “A Igreja se faz palavra, a Igreja se faz mensagem; a Igreja se faz conversa”4. Até Pio XII, os soberanos pontífices procuravam falar como doutores da fé. Ensinavam as verdades de Cristo com a soberana autoridade de Pedro. Seu objetivo era pregar a verdade e condenar o erro. Paulo VI privilegiou o diálogo. O papa não ensinava mais, ele dialogava, conversava. Naturalmente, condenava ainda menos.

O episódio é célebre. Dom Lefebvre, reencontrando Mons. Montini nos anos 1950, pediu a condenação do “Rearmamento moral”5. E Mons. Montini respondeu que “a Igreja vai parecer uma madrasta”. O futuro soberano pontífice considerava esses anátemas como polêmicas estéreis e improdutivas. 

As heresias, além disso, haviam se tornado questões secundárias a seus olhos. “Não se trata mais de extirpar da Igreja tal ou qual heresia determinada ou certas desordens generalizadas”, escreve em sua encíclica Ecclesiam suam, “graças a Deus, não reinam mais na Igreja”6; “na defesa da fé, contribuiremos mais promovendo a doutrina”.7 

Em sentido contrário, recordemos essas palavras cheias de espírito católico: “Em todos os tempos”, escreveu o cardeal Pie, “surgiram espíritos que consideraram a defesa [da fé] como um escândalo adicionado ao do ataque, e que de bom grado unem sua indignação à do inimigo, quando os apóstolos da verdade se esforçam em tornar sua voz tão retumbante quanto à da mentira.”8

A Tradição como órgão de ensino

O adágio era célebre: Roma locuta, causa finita est. Com tal vontade de diálogo e a apologia dos erros conciliares, é a própria natureza do órgão de ensino que foi alterada. Poder-se-ia ainda falar de um verdadeiro exercício de poder do Magistério, tendo vocação em ensinar com autoridade? À exceção de algumas felizes reações, como a condenação da contracepção por Humanae Vitae em 25 de julho de 1968, os ensinamentos se revelavam mais indicativos que imperativos.

Em vez disso, o papa deixou se instalar uma liberdade teológica que degenerou em verdadeira anarquia dogmática. Quando da publicação dos catecismos canadenses e holandeses editados pelas correspondentes conferências episcopais, Roma adotou uma moderação espantosa e uma desaprovação discreta.

São Pio X tinha redigido um catecismo; Paulo VI fechou os olhos à difusão de catecismos heréticos.

Face ao perigo do modernismo, São Pio X tinha imposto um juramento antimodernista, que deveria ser pronunciado por todas as pessoas encarregadas de autoridade de ensino e direção. Paulo VI o aboliu em 1967.

São Pio X tinha fulminado o modernismo com excomunhões. Paulo VI suprimiu as excomunhões, como suprimiu a Inquisição, cujo papel era precisamente o de ensinar com clareza a fé católica e reprimir as heresias.

Index também desapareceu na tormenta de 14 de junho de 1966, pela Notificação do Santo Ofício, Post Litteras apostólicas. O pretexto invocado é sem precedentes: “A Igreja confia na consciência madura dos fiéis”. O significado era claro: o poder de ensino não reconhecia mais a necessidade de julgar com autoridade o que os fiéis constatavam por si mesmos no fundo da sua consciência. Não havia mais mestres nem discípulos. Todos os fiéis tinham se tornado seus próprios mestres.

Um gesto resumia essa revolução: em 13 de novembro de 1964, Paulo VI tinha abandonado a tiara e a sedia gestatória. A tiara é símbolo da monarquia papal. A hora era da colegialidade, da divisão de poder. O ensino se tornava colegial, sinodal. A Igreja se transformava num vasto fórum de discussões.

A Tradição como patrimônio da Igreja

Depois da Revolução Francesa, os papas se levantaram contra o espírito revolucionário que queria pôr abaixo a herança de Pedro. Liberalismo, falso ecumenismo, arqueologismo litúrgico, relativismo moral, pastoral relaxada, tinham sido regularmente condenados. Reencontraram, porém, direito de cidadania com Paulo VI.

Roma não tinha cessado de condenar a secularização dos Estados, a separação da Igreja e do Estado, a liberdade de cultos. Citemos Mirari Vos, de Gregório XVI, Libertas, de Leão XIII, Vehementer de São Pio X. Paulo VI fez com que fossem suprimidas uma a uma (ou as modificou num sentido liberal) as concordatas que uniam Estado e Igreja: Espanha, Irlanda, Colômbia, certos cantões suíços etc. Paulo VI não queria mais a cristandade, essa união admirável entre a Igreja e a Cidade, ilustrada por Constantino, Carlos Magno, São Luiz, Garcia Moreno e tantos outros. Adepto das teorias modernas de Jacques Maritain, o papa sonhava com uma nova cristandade, bem distinta, laica, humanista, em que os muçulmanos poderiam livremente invocar Maomé. Em 4 de outubro de 1965, ele falava a ONU numa linguagem digna de lojas maçônicas e louvava os direitos do homem que seus antecessores tinham tomado o cuidado de condenar: “Os senhores proclamam aqui os direitos e deveres fundamentais do homem, a sua dignidade, sua liberdade, e antes de tudo a liberdade religiosa. Sentimos que os senhores são os intérpretes do que há de mais alto na sabedoria humana. Diríamos quase: seu caráter sagrado”.

Roma tinha condenado as reuniões inter-religiosas, o pan-cristianismo, notadamente na encíclica Mortalium animos, do papa Pio XI. Paulo VI encorajou as reuniões ecumênicas. Assim “em 7 de dezembro de 1975, ele recebeu o metropolita (ortodoxo) Meliton de Calcedônia. O papa se pôs de joelhos diante dele e beijou-lhe os pés.”9

Os pastores protestantes que tinham participado na elaboração da reforma litúrgica foram felicitados e encorajados. Paulo VI apareceu sorridente, como se estivesse satisfeito em receber luzes de peritos protestantes no objetivo de reformar a missa católica.

Com a encíclica Mediator Dei, de Pio XII, Roma tinha condenado os desvios do movimento litúrgico que pretendia retornar a uma liturgia arcaica, privada dos admiráveis desenvolvimentos de vinte séculos de santidade. Paulo VI quis evitar tudo o que pudesse ofender os “irmãos separados”. Ele validou as inovações litúrgicas cujo resultado foi a destruição da liturgia da Igreja. A missa (1969), o breviário (1970), a oração dos padres, o ritual (modificado progressivamente), os sacramentos da Igreja, as ordens menores (1972), foram submetidas a uma mudança completa cujos efeitos perniciosos continuam a se fazer sentir. Para essa “reforma”, notadamente do ofício divino, o papa se apoiou em Annibale Bugnini, que declarou o espírito com o qual pretendia reformar o Breviário: “Trata-se de se orientar para uma redução do pensum [sic] quotidiano”10.

Até então, Roma tinha denunciado o relativismo moral e a moralidade situacional. Paulo VI permitiu a instalação de um ensino deletério nos seminários, nas universidades católicas e nas casas religiosas. 

Roma tinha sempre encorajado os religiosos a desprezar o mundo condenado por Cristo e aderir principalmente às realidades espirituais. Paulo VI obrigou todas as ordens religiosas, todas as congregações educadoras a se “reformar” segundo o espírito liberal, humanista e naturalista de Vaticano II. Diminuição trágica do fervor religioso, rarefação das vocações, fechamento de inumeráveis conventos, tais foram as consequências desastrosas dessa fracassada reforma, cujos efeitos se estenderam até mesmo ao ensino católico, que foi varrido nesta tormenta.

Roma tinha educado o Ocidente. O latim, língua da cultura profana e religiosa, foi sacrificado no altar do pluralismo. A arte católica, admirável em beleza, foi quebrada pelos bárbaros, que não eram mais os pagãos infiéis, mas os próprios ministros do Templo.

Os tradicionalistas

Os defensores da Tradição não foram melhor tratados que ela: “O servo não está acima do mestre”. Paulo VI, que em 23 de março de 1966 pediu ao doutor Ramsey, pretendido arcebispo de Cantuária, para abençoar a multidão de fiéis católicos; que em 7 de agosto de 1965 beijou o patriarca grego cismático de Constantinopla; que em 4 de outubro de 1965 encheu-se de compreensão pelos maçons da ONU, não suportava os tradicionalistas e o principal deles, Dom Marcel Lefebvre, só teve direito a repreensões veementes e condenações severas. O Seminário de Êcone, berçário de padres formados como a Igreja vinha formando há séculos, foi oficialmente suspenso em 6 de maio de 1975, sem respeito ao direito da Igreja na matéria. Em 22 de julho de 1976, o prelado se viu atingido por uma suspensão a divinis. Malgrado seus reiterados apelos, ele jamais pôde ser julgado segundo o Direito, nem teve verdadeiramente a possibilidade de se explicar e defender.

Desde 1963, Paulo VI considerava constranger os bispos de mais de 75 anos a pedir sua demissão e excluir os cardeais de mais de 80 anos do conclave. Foi feito em 21 de novembro de 1970 pelo Motu próprio Ingravescentem ætatem. Seria intenção do papa impedir toda resistência dos prelados conservadores e lhes substituir por jovens sucessores entusiastas das novas idéias? Eis uma resposta a essa pergunta: “Nos primeiros anos depois do Vaticano II”, nota o cardeal Ratzinger, “todo candidato ao episcopado demonstrava ser ‘aberto ao mundo’: em todo caso, esse pré-requisito era colocado em primeiro lugar”11.

O cardeal Mindszenty incomodava a Ostpolitik do Vaticano: ele foi afastado. Mas Janos Kadar, primeiro secretário do partido comunista húngaro, (foi declarado por Paulo VI) principal promotor e o mais autorizado para normalização das relações entre a Santa Sé e a Hungria”12.

A noção de Tradição

Que resta da Tradição no sentido de transmissão? Sua própria noção está substancialmente modificada. Para o papa Paulo VI, a Tradição não aparece mais como uma herança preciosa e viva que deve ser transmitida à posteridade conservando o seu sentido exato e inalterável, esforçando-se por torná-la ainda mais preciosa, ainda mais bela, ainda mais adaptada aos filhos de Deus.

Na verdade, o papa habitualmente tratava a Tradição não como um depósito a ser transmitido, mas como um objeto a ser transformado, como se o passado e a Tradição fosse uma espécie de depósito morto, que somente uma revisão completa seria capaz de reviver. Correndo o risco de não transmiti-lo fielmente, mas de modificá-lo substancialmente. A noção de Tradição foi radicalmente alterada. E isso talvez seja o mais grave. A ação de Paulo VI esvaziou-a de seu profundo significado: fez dela uma realidade evolutiva nas mãos dos homens.

Conclusão

O imenso entusiasmo suscitado em muitos católicos pelo concílio e pelas reformas conciliares rapidamente cedeu lugar a uma constatação muito amarga. Paulo VI se lamentará da autodemolição da Igreja13 e da fumaça de Satanás14. A palavra “demolição” indica a natureza do mal: uma deliberada e sistemática desconstrução do pensamento e das estruturas tradicionais da Igreja.

Quais são as causas? A expressão “autodemolição” exclui de si as causas externas. Devemos, portanto, buscar uma causa intrínseca, no interior mesmo da Igreja, ou seja, a causa está do lado dos que possuíam autoridade, que implementaram esse empreendimento de demolição. Muitas autoridades podem ser contadas, mas todas elas estiveram na dependência da autoridade suprema que operava as principais alavancas dessa destruição, validando o Concílio e lançando suas reformas, nomeando os progressistas aos postos de comando e condenando os filhos mais fiéis da Igreja. Paulo VI certamente não queria essa demolição. Ele, no entanto, a realizou. Fecit tamen.

Como não refletir nestas palavras do Eclesiástico: “Um governador sábio mantém seu povo em disciplina, e o governo de um homem sensato será estável. Tal o juiz do povo, tais os seus ministros; tal o governador da cidade, tais os seus habitantes. Um rei privado de juízo perde o seu povo, as cidades povoam-se pelo bom senso dos que governam.”

Epílogo

“Quanto mais precisamos de um papa santo, mais devemos começar colocando a nossa vida, com a graça de Deus, e mantendo a Tradição, na esteira dos santos. Então o Senhor Jesus terminará dando ao rebanho o pastor visível, de quem ele se esforçará para se tornar digno.

“À insuficiência ou à deserção do chefe não acrescentemos nossa negligência particular. Que a Tradição apostólica esteja pelo menos viva no coração dos fiéis, ainda que, no momento, esteja enfraquecida no coração e nas decisões de quem é responsável no nível da Igreja. Então o Senhor certamente nos mostrará misericórdia.

“Ainda por isso, é necessário que a nossa vida interior não se refira ao papa, mas a Jesus Cristo. Nossa vida interior, que evidentemente inclui as verdades da revelação sobre o papa, deve se referir puramente ao sumo sacerdote, ao nosso Deus e Salvador Jesus Cristo, para superar os escândalos que chegam à Igreja pelo papa.”15 

Fonte: Permanencia

  1. Dom Marcel Lefebvre, Carta aberta aos católicos perplexos, Editora Permanência.
  2. Ibid.
  3. DC 1963, n° 1357, col. 101 : “O problema do diálogo entre a Igreja e o mundo moderno. Este é o problema que cabe ao Concílio descrever em toda a sua amplitude e complexidade, e resolver, na medida do possível, nos melhores termos. (…) A Igreja deve entrar em diálogo com o mundo em que vive. (…) o diálogo deve caracterizar o nosso apostolado.” Encíclica Ecclesiam suamde 6 agosto 1964, n° 15, 67 et 69.
  4. Ecclesiam suam, n°67.
  5. Fundado em 1938 pelo protestante Franck Buchman, esse movimento visa a federar toda a boa vontade, independentemente das confissões religiosas, com o objetivo de promover a paz no mundo, o diálogo e a liberdade.
  6. Ibidem, n°46.
  7. Citado por Paul Poupard, Connaissance du Vatican : histoire, organisation, activité, Beauchesne, 1974, p. 111.
  8. Mgr Baunard, Histoire du cardinal Pie, Oudin, 1886, pp. 605-606.
  9. Yves Congar, “L’œcuménisme de Paul VI”, in Paul VI et la modernité dans l’Eglise, Actes du colloque de Rome (2-4 juin 1983), Ecole Française de Rome, 1984, p. 817.
  10. Yves Chiron, Mgr.  Bugnini (1912-1982), Réformateur de la liturgie, Desclée de Brouwer, 2016, pp. 36-37.
  11. Joseph Ratzinger, Entretiens sur la foi, citado par Don Mancinella, 1962 Révolution dans l’Eglise, Ed. Courrier de Rome, 2009, p. 104.
  12. Dom Marcel Lefebvre, Carta aberta aos católicos perplexos, Editora Permanência.
  13. Discurso de 7 de dezembro de 1968, DC n°1531 (1969), p 12.
  14. 29 de junho de 1972.
  15. Pe. Roger-Thomas Calmel, o.p. “De l’Eglise et du pape en tous les temps et en notre temps”, revista Itinérairesn°173, maio de 1973, p. 39.

DOSSIÊ: A MISSA DE PAULO VI

Imagem relacionadaPe. François-Marie Chautard, FSSPX

A missa é o que há de mais belo e melhor na Igreja […] Assim, o diabo sempre procurou,
através dos hereges, privar o mundo da missa. –
Santo Afonso de Ligorio

A despeito de tal pensamento, Lutero não mascarou sua vigorosa rejeição da Missa: “Quando a Missa for destruída, penso que teremos derrubado o papado! Pois é sobre a missa, como sobre uma rocha, que todo o papado descansa, com seus mosteiros, seus bispados, suas universidades, seus altares, seus ministros e sua doutrina … Tudo ruirá quando ruir essa missa sacrílega e abominável.”1

Para além da virulência da intenção, é evidente o abismo que separa a concepção luterana e a doutrina católica sobre a missa.

Esta oposição parece ter sido consideravelmente diminuída com a reforma do Missal Romano operada por Paulo VI, em abril de 1969. Já em maio de 1969, o protestante Max Thurian, da comunidade de Taizé, afirmava placidamente: “Com a nova liturgia, as comunidades não-católicas poderão celebrar a Ceia do Senhor com as mesmas orações que a Igreja Católica. Teologicamente, é possível.”

Como explicar tal mudança? O novo rito estaria mais próximo da posição protestante? Ou foram os protestantes que mudaram? Duas opiniões, uma, de um católico, outra, um de protestante, favorecem a primeira interpretação. 

Monsenhor Bugnini, principal arquiteto da reforma litúrgica, admitiu com surpreendente simplicidade: “[na reforma litúrgica] a Igreja foi guiada pelo amor das almas e pelo desejo de fazer tudo para facilitar aos nossos irmãos separados o caminho da união, removendo qualquer pedra que pudesse constituir sequer uma sombra de risco de tropeço ou desagrado.”2

Os termos utilizados são reveladores: “fazer tudo”, “sombra de risco”, “tropeço ou desagrado”. Para evitar essa “sombra de risco”, Monsenhor Bugnini não negligenciou nada. Seis pastores protestantes foram chamados para ajudá-lo a projetar a nova missa. 

A segunda opinião vem de um protestante. Em 1984, após o indulto do Papa João Paulo II autorizando a celebração da Missa de São Pio V sob certas condições, o jornal Le Monde publicou o seguinte texto, assinado pelo pastor Viot 3

“A reintrodução da Missa de São Pio V (…) é muito mais do que uma questão de linguagem: é uma questão doutrinal da mais alta importância, no centro dos debates entre católicos e protestantes, debates que, da minha parte, julgava felizmente estarem encerrados (…) Muitos dos nossos antepassados ​​na fé reformada de acordo com a Palavra de Deus preferiram ir à fogueira ao invés de assistir esse tipo de missa que o Papa Pio V tornou oficial contra a Reforma. Ficamos, portanto, encantados com as decisões do Vaticano II sobre o assunto e a firmeza de Roma em relação àqueles que não quiseram se submeter ao Concílio e continuaram a usar uma missa que, aos nossos olhos, contraria o Evangelho.”

O pensamento é claro, a linguagem é direta: a irredutibilidade da doutrina protestante e da Missa tradicional permanece. 

A mudança de posição não vem, portanto, dos protestantes, mas do rito católico. Eis a conclusão que precisamos fundamentar em bases sólidas. 

O estudo da missa de Paulo VI não é, pois, de interesse trivial. Esclarecemos, para evitar qualquer mal-entendido, que o exame desse rito cobrirá apenas o texto oficial de 1962, e não as adaptações inacreditáveis, mas infelizmente recorrentes.

Para abordar a reforma do missal litúrgico, procederemos da seguinte maneira:

  1. Alguns lembretes sobre a doutrina católica. 
  2. O paralelo com a missa de Lutero. 
  3. Deficiências doutrinais da missa de Paulo VI. 
  4. Seus autores. 
  5. O delicado problema de sua validade. 
  6. Consequências morais no comparecimento à missa de Paulo VI.

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1. Citado por Cristiani, Du luthéranisme au protestantisme, 1910.

2. Todas essas citações foram tiradas de La messe a-t-elle une histoire? , éd du MJCF, 2002, p. 134.

3. Retornou desde então à Igreja Católica e foi ordenado padre.

PAULO VI (1887-1978), UM NOVO SANTO?

Pe. Thierry Gaudray, FSSPX – Fonte: Permanencia

No dia 5 de agosto passado, o Papa Francisco falou à multidão reunida na praça São Pedro para a oração do Angelus: “Há quarenta anos, o Beato Papa Paulo VI estava vivendo as suas últimas horas nesta terra. Morreu, de fato, na noite de 6 de agosto de 1978. Recordemos dele com muita veneração e gratidão, à espera da sua canonização, em 14 de outubro próximo. Do céu interceda pela Igreja, que tanto amou, e pela paz no mundo. Este grande Papa da modernidade, o saudemos com um aplauso, todos!

Não há dúvida que, ao canonizar Paulo VI, após tê-lo feito com João XXIII e João Paulo II, Francisco tem a intenção de confirmar os católicos nas novas orientações tomadas pela Igreja desde o Concílio, e dar um novo lustro à liturgia reformada1. Paulo VI foi, de resto, o primeiro papa a lançar mão da canonização dos santos para avalizar o Concílio, anunciando, no dia 18 de novembro de 1965, antes do seu término, portanto, a introdução das causas de beatificação de Pio XII, mas também de João XXIII2.

No entanto, quão opostos eram os julgamentos desses dois papas sobre Monsenhor Montini! Se este último foi um colaborador próximo do Cardeal Pacelli por muitos anos, em 1954 foi afastado de Roma por vontade do Papa Pio XII. O sobrinho de Paulo VI testemunhou que seu tio jamais nutriu a menor ilusão a esse respeito: “para ele, tratava-se de um drama no mais pleno sentido da palavra”3. Ainda que Pio XII não tenha julgado conveniente afastar um substituto nos assuntos ordinários da secretaria de Estado sem lhe conceder uma aparente promoção, a censura não deixava de ser notória. A Sé de Milão era tradicionalmente ocupada por um cardeal, ora “Pio XII não criou mais nenhum cardeal”, e isto “para não ter de designar Monsenhor Montini”4

João XXIII, ao contrário, no dia 4 de novembro de 1958, um pouco antes da cerimônia da sua coroação, escreveu um bilhete para Monsenhor Montini afim de anunciar que esta dignidade lhe seria brevemente conferida5, e sete anos mais tarde, no seu leito de morte, disse: “Meu sucessor será o Cardeal Montini”.  Continuar lendo

RUMO À CANONIZAÇÃO DE PAULO VI

news-header-imageFonte: DICI – Tradução: Dominus Est

Por ocasião de uma entrevista concedida ao site norte americano Crux, o cardeal Pietro Parolin anunciou em 6 de março de 2018 que o Papa Paulo VI (1963-1978) poderia ser canonizado em outubro próximo, no sínodo dos bispos dedicados aos jovens.

Este anúncio teve lugar após a aprovação, por parte da Congregação para as Causas dos Santos, em 6 de fevereiro de 2018, do reconhecimento de um “milagre” atribuído à intercessão de Giovanni Battista Montini.

Em 27 de abril de 2014, o Papa Francisco canonizou os papas João XXIII (1958-1963) e João Paulo II (1978-2005). Em 19 de outubro do mesmo ano, no final do sínodo familiar, beatificou Paulo VI.

Em 17 de fevereiro de 2018, durante um reencontro com o clero de Roma, o Papa Francisco declarou que a canonização de Paulo VI terá lugar no decorrer de 2018: “Paulo VI será canonizado este ano, a beatificação de João Paulo I está em processo, em relação a Bento XVI e a nós mesmos, estamos na lista de espera”, ele brincou.

Através destas canonizações à marcha forçada de todos os papas modernos, o que realmente se canoniza, de certo modo, é a reforma geral da Igreja que ocorreu há cinquenta anos e que, ao mesmo tempo, torna-se irreversível. Além disso, tem a pretensão de fortalecer a religião conciliar, isto é, a concepção e o espírito da prática do catolicismo como redefinido pelo Concílio Vaticano II através de suas destrutivas reformas de culto, da fé e da doutrina.

Mais uma vez, surge a questão da evolução dos processos de beatificação e canonização, bem como a sua utilização para fins de política eclesiástica.

Monsenhor Marcel Lefebvre, que foi suspenso a divinis durante o pontificado de Paulo VI, explicou aos seminaristas de Ecône a opinião que tinha sobre este papa, durante as conferências ministradas sobre as Atas do Magistério, que forneceram o material para o seu livro Le Destronaron, Capítulo XXXI, “Paulo VI, o Papa Liberal”, o qual nos permite saber exatamente o que o fundador da Fraternidade São Pio X havia dito sobre o anúncio desta próxima “canonização”.

O pontificado do Papa Paulo VI (1963-1978) descerá na história como o pontificado do Concílio Vaticano II e sua implementação, que introduziu a revolução na Igreja. As seguintes são algumas das principais reformas resultantes desse concílio: a Missa Nova, cujo espírito e rito são perigosamente semelhantes à “liturgia” protestante; um falso ecumenismo que ignora a verdadeira unidade da Igreja; o aggiornamento geral que aboliu as veneráveis ​​tradições das ordens e congregações ao questionar a vida sacerdotal e religiosa; a prolongada crise da Igreja, com a destruição da fé e das vocações, do espírito católico na educação, da prática moral e religiosa em todos os aspectos, etc. Paulo VI, um papa torturado, presa da dúvida e da preocupação, tentou proibir a Missa de São Pio V no consistório de 1976 e perseguiu a legítima reação da Tradição, a qual se opôs à revolução conciliar com os vinte séculos de vida e ensino da Igreja.

“A TRADIÇÃO É O ÚNICO FUTURO POSSÍVEL PARA A IGREJA”

Entrevista exclusiva com o Padre Fausto Buzzi – assistente do Superior do Distrito da FSSPX na Itália, com Francesco Boezi, do jornal italiano Il Giornale

A Tradição representa o único futuro possível para a Igreja. Dom Fausto Buzzi tem uma visão clara. Sacerdote da Fraternidade São Pio X, a mesma fundada por Marcel François Lefebvre em 1 de novembro de 1970, logo após Concílio Vaticano II, Buzzi é hoje assistente do Superior italiano. Ele serviu durante alguns anos na associação Alleanza Cattolica. Depois, em 1972, conheceu Monsenhor Lefebvre e ingressou no seminário de Ecône. Nesta entrevista exclusiva, o sacerdote de São Pio X falou, entre os pontos abordados, da reunificação doutrinal com o Vaticano.

Fonte: FSSPX Itália – Tradução: Dominus Est

Il Giornale: O que ainda separa  Fraternidade São Pio X da Igreja Católica?

Dom Fausto Buzzi: É bom ressaltar que a Fraternidade São Pio X não tem nada que a separa da Igreja Católica. Nós estamos unidos à Igreja Católica e nunca nos separamos dela, apesar das divergências com as autoridades da Igreja. Ora, essas divergências não partem de nós. Mons. Lefebvre dizia sempre que o condenaram pelos mesmos motivos pelos quais os papas costumavam enaltecê-lo, particularmente o Papa Pio XII. Foi Roma que mudou e, com o Vaticano II, se distanciou da bimilenar Tradição da Igreja. Em resumo, podemos dizer que o que nos separa de Roma são os graves e fundamentais problemas doutrinais”.

IG: Um pároco me disse, certa vez: “Fala-se muito sobre cisma, mas esses não têm a competência teológica de Marcel Lefebvre“. É isso mesmo?

FB: Muitos criticam ou condenam a Fraternidade São Pio X sem conhece-la e sem compreender as graves razões que a colocam em uma situação hostil em relação às autoridades eclesiásticas. Hoje, muitos, sacerdotes e leigos, estão começando a se perguntar o que está acontecendo na Igreja e estão abrindo os olhos para o fato de que aqueles que foram taxados por muitos anos como cismáticos são aqueles que permaneceram mais fiéis à Igreja Católica e, paradoxalmente, os mais fiéis ao papado. Em nossos seminários, Mons. Lefebvre queria que estudássemos a Summa Theologica de Santo Tomás de Aquino e outras obras clássicas de teologia. Lhe asseguro que foi uma grande graça para nós recebermos uma formação tão profunda e tão sólida.

IG: Qual a sua opinião sobre o Papa Francisco?

FB: Para nós, o Papa Francisco não é nem pior nem melhor do que os outros Papas conciliares ou pós-conciliares. Ele trabalha na mesma obra inaugurada por João XXIII, a de autodemolição da Igreja Católica com a finalidade de construir uma outra que esteja em conformidade com o espírito liberal do mundo. Eu ainda lhe direi mais: o atual Papa não é tão responsável quanto foi o Papa Paulo VI [em seguir adiante com a agenda de autodemolição da Igreja]. Este papa conduziu o Concílio, o concluiu, e conduziu também todas as reformas. E tudo isso, agora, é a causa da gravíssima crise que vemos na Igreja. É certo que as ações e as palavras do Papa Francisco parecem mais graves do que as de seus predecessores. Mas não é assim. Hoje, o efeito midiático ressoa muito mais do que no passado. No entanto, substancialmente, os atos de Paulo VI são muito mais graves do que os de Francisco. Continuar lendo

PAULO VI – PAPA LIBERAL

Resultado de imagem para marcel lefebvreTalvez perguntem, como é possível que o liberalismo tenha  triunfado através dos Papas João XXIII e Paulo VI e mediante o Concílio Vaticano II? Como se pode conciliar esta catástrofe com as promessas feitas por Nosso Senhor à Pedro e à sua Igreja: “As portas do inferno não prevalecerão contra Ela” (Mt 16, 18); “Eu estarei convosco todos os dias, até o fim do mundo? (Mt 28, 20) Creio que não há contradição efetivamente, na medida em que estes Papas e o Concílio negligenciaram ou recusaram fazer uso da infalibilidade. Deixando de usar este carisma, que lhes é assegurado pelo Espírito Santo sempre e quando o queiram usar, puderam cometer erros doutrinais e com maior razão ainda, deixar penetrar o inimigo na Igreja, graças à sua negligência e cumplicidade. Em que grau foram cúmplices? De que faltas foram culpados? Em que medida sua função fica questionada?

É evidente que a Igreja, um dia, julgará este Concílio, julgará estes Papas. E em especial, como será julgado o Papa Paulo VI? Alguns afirmam que fui herege, cismático e apóstata; outros crêem poder demonstrar que Paulo VI não tinha em vista o bem da Igreja, e portanto não foi papa, é a tese dos “Sedes Vacans”. Não nego que estas opiniões tenham algum argumento à seu favor. Poderão dizer que em trinta anos se descobrirão coisas que estavam ocultas ou se verá melhor elementos que deveriam ter sido mais claros para os contemporâneos, como afirmações deste Papa absolutamente contrárias à tradição da Igreja, etc. Pode ser, mas creio necessáriorecorrer a estas explicações; penso inclusive que é um erro seguir certas hipóteses.

Outros pensam de modo simplista, que havia então dois papas: um, o verdadeiro, estava prisioneiro nos porões do Vaticano, enquanto o outro, o impostor, o sósia, ocupava o trono de São Pedro, para a infelicidade da Igreja. Livros foram escritos sobre “os dois papas”, baseados em revelações de uma pessoa possuída do demônio e em argumentos pseudocientíficos que afirmam, por exemplo, que a voz do sósia não é a do verdadeiro Paulo VI!

Finalmente outros pensam que Paulo VI não foi responsável pelos seus atos, sendo prisioneiro dos que o cercavam, inclusive drogado. Isto estaria corroborado por várias testemunhas de um papa fisicamente esgotado, inclusive necessitando ser amparado, etc… A meu ver é uma solução demasiadamente simples, pois então não teríamos mais que esperar um próximo papa. Mas já tivemos (não falo de João Paulo I, que reinou somente um mês) outro papa, João Paulo II, que prosseguiu ininterruptamente na linha traçada por  Paulo VI. Continuar lendo

PAULO VI, O SEPULTADOR DA TRADIÇÃO

Nota da Permanência: Apresentamos a seguir um capítulo do livro “Cem anos de modernismo” (Cent ans de modernsime. Généalogie du Concile Vatican II, Editions Clovis, 2003) do padre Dominique Bourmaud, FSSPX.

Capítulo XXII

Há mais de um século que os Carbonários, a maçonaria italiana, tinham planejado destruir o papado:

“O trabalho que empreenderemos não é obra de um dia, nem de um mês, nem de um ano: pode durar vários anos, talvez um século; mas em nossas fileiras morre o soldado e a luta continua… O que devemos buscar e esperar, como os judeus esperam o Messias, é um Papa de acordo com nossas necessidades… E este pontífice, como a maioria dos seus contemporâneos, estará mais ou menos imbuído dos princípios humanitários que começaremos a pôr em circulação… Quereis estabelecer o reino dos escolhidos sobre o trono da prostituta da Babilônia? Que o clero marche sob o vosso estandarte, crendo sempre marchar sob a bandeira das Chaves Apostólicas… Estendei vossas redes… no fundo das sacristias, dos seminários, dos conventos… Tereis pregado uma revolução de tiara e capa pluvial, marchando com a cruz e a bandeira, uma revolução que não necessitará senão ser ligeiramente estimulada para atear fogo em todos os extremos da terra”[1].  Leia mais

Na falta de um revolucionário de tiara e capa pluvial, comparou-se Paulo VI com Moisés guiando o povo escolhido para fora do Egito rumo à terra desconhecida da Promessa. Também é apresentado freqüentemente como um Hamlet que terminou no trono de Pedro. Seu temperamento indeciso resultava, talvez, da falta de uma formação intelectual sólida, uma vez que Giovanni Battista Montini (1897-1978) não havia seguido seminário algum… realidade ainda mais lamentável pelo fato de que seu pai, homem influente, publicava uma revista de tom liberal. Deste fato procediam suas utopias juvenis de que é possível colaborar com a esquerda mas não com a direita[2]. Essas deficiências intelectuais não faziam mais que aumentar, pelo predomínio que, nele, a imaginação tinha sobre a realidade: Continuar lendo