MEDITAÇÃO PARA A TARDE: UMA VISITA À GRUTA DE BELÉM

grutaTranseamus usque Bethlehem, et videamus hoc verbum, quod factum est — “Cheguemos até Belém, e vejamos o que é isto que sucedeu” (Luc. 2, 15).

I. Tende ânimo, Maria convida todos, os justos e os pecadores, a entrarem na Gruta para adorarem seu divino Filho e beijarem-Lhe os pés. Eia pois, ó almas devotas, entrai e vêde sobre a palha o Criador do céu e da terra, feito Menino pequenino, mas tão encantador, tão radiante que para toda a parte irradia torrentes de luz. Já que Jesus nasceu, a gruta não é mais horrorosa, senão foi feita um paraíso. Entremos e não temamos.

Jesus nasceu, e nasceu para todos. Ego flos campi, et lilium convallium: Eu, assim manda-nos avisar Jesus, eu sou a flor do campo, e a açucena dos vales (1). Jesus se chama açucena dos vales, para nos dar a entender que, assim como Ele nasceu tão humilde, assim somente os humildes o acharão. Por isso o anjo não foi anunciar o nascimento de Jesus Cristo a César nem a Herodes; mas sim a pobres e humildes pastores. Jesus chama-se também flor dos campos, porque, segundo a interpretação do cardeal Hugo, quer que todos o possam achar. As flores dos jardins estão reclusas e não se permite a todos procurá-las e tomá-las. Ao contrário, as flores dos campos estão expostas à vista de todos, e quem quiser as pode tirar: é assim que Jesus Cristo quer estar ao alcance de todo aquele que O desejar.

Entremos, pois a porta está aberta: Non est satelles, qui dicat: non est hora — “Não há guarda”, diz São Pedro Crisólogo, “para dizer que não são horas.” Os príncipes deixam-se ficar fechados nos seus palácios, cercados de soldados, e não é fácil obter-se audiência. Quem deseja falar com os reis, tem de afadigar-se muito, e bastante vezes será mandado embora com o conselho de voltar em outro tempo, por não ser dia de audiência. Não é assim com Jesus Cristo. Está na Gruta de Belém, como criancinha, para atrair a quem vier procurá-Lo. A gruta está aberta, sem guardas nem portas, de modo que cada um pode entrar à vontade, quando quiser, para achar o pequenino Rei, para falar com Ele e mesmo abraçá-Lo, e assim satisfazer a seu amor.
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FESTA DE SANTO ESTÊVÃO, PROTOMÁRTIR

estevaoElegerunt Stephanum, virum plenum fide et Spiritu Sancto — “Elegeram Estêvão, homem cheio de fé e do Epírito Santo.” (Act. 6, 5).

Sumário. Eis aí o belo elogio com que a Sagrada Escritura presta homenagem às virtudes de Santo Estêvão: chama-o cheio de fé, cheio de graça, cheio de fortaleza, em uma palavra, cheio do Espirito Santo. Alegremo-nos com o santo Protomártir, e em seu nome demos graças a Deus. Volvendo depois os olhos a nós mesmos, vejamos se ainda, e em que grau, as mesmas belas virtudes se acham em nossa alma, visto que nos foram infusas pelo sacramento do Batismo.

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Considera o belo elogio com que o Espirito Santo presta na Sagrada Escritura homenagem às virtudes do Protomártir Santo Estêvão. Chama-o em primeiro logar cheio de fé: Elegeram Estêvão, homem cheio de féElegerunt Stephanum virum plenum fide (1). Ser cheio de fé, segundo Santo Tomás (2), quer dizer, não somente ter uma firmeza eminente em crer todas as verdades reveladas, junto com um amor ardente à revelação e uma conformidade perfeita com a vontade de Deus que revela; mas quer dizer além disso, possuir o depósito inteiro da fé com o conhecimento explicito de todas as suas partes. Por esta razão São Jerônimo diz que Santo Estêvão era doutíssimo na lei. — O Espirito Santo chama Santo Estêvão em segundo lugar cheio de graça e de fortaleza:  plenus gratia et fortitudine, porque advogava a causa de Jesus Cristo ao mesmo tempo com doçura e com zelo ardentíssimo.

Temos a prova naquele sublime discurso que fez antes de morrer. Depois de pedir ao povo e aos anciãos que o escutassem em quanto lhes pregasse a salvação, Santo Estêvão expoz-lhes em seguida todos os favores que tinham recebido de Deus e a negra ingratidão com que lhe haviam pago. Vendo, porém, que com bons modos não conseguia abrandar-lhes o coração, começou a deitar-lhes à cara os seus defeitos, e com coragem heróica concluiu dizendo que eram homens duros de cerviz, e de corações e ouvidos incircuncisos, que sempre resistiam ao Espirito Santo (4).— Afinal a Sagrada Escriptura chama Santo Estêvão cheio de todos os carismas celestiais: Cum autem esset plenus Spiritu Santo (5). Por isso se diz que fazia grandes prodigios e milagres entre o povo (6); que não se podia resistir à sua sabedoria (7); que o seu rosto era refulgente como o de um anjo (8); e que pouco antes de expirar teve a ventura de ver os céus abertos, a glória de Deus, e Jesus à direita de Deus (9). — Alegra-te como santo Diácono e dá graças a Deus por havê-lo enriquecido com tantas virtudes. Volvendo em seguida os olhos à tua própria alma, vê se em ti se acham as mesmas virtudes e o modo como as praticas, visto que te foram infusas no sacramento do Batismo. Continuar lendo

NATIVIDADE DE NOSSO SENHOR JESUS CRISTO

Resultado de imagem para NASCIMENTO DE NOSSO SENHORImpleti sunt dies ut pareret (Maria); et peperit filium suum primogenitum — “Completaram-se os dias em que (Maria) devia dar à luz; e deu à luz o seu filho primogênito” (Luc. 2, 6).

Sumário. Imaginemos ver a Jesus já nascido na gruta de Belém, e ouvir os anjos cantar glória a Deus e paz aos homens de boa vontade. Quais devem ter sido os sentimentos que então se despertaram no coração de Maria, ao ver o Verbo divino feito seu filho! Qual a devoção e ternura de São José ao apertar contra o coração o santo Menino! Unamos os nossos afetos com os desses grandes personagens.

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Quando Maria Santíssima entrou na gruta, pôs-se logo em oração. De súbito vê uma refulgente luz, sente no coração um gozo celestial, abaixa os olhos, e, ó Deus! que vê? Vê já diante de si o Menino Jesus, tão belo e tão amável, que enleva os corações. Mas treme e chora; segundo a revelação feita a Santa Brígida, estende as mãozinhas para dar a entender que deseja que Maria o tome nos braços. Maria, no auge de santa alegria, chama José. — Vem, ó José, disse ela, vem e vê, pois já nasceu o Filho de Deus. Aproxima-se José, e vendo Jesus nascido, adora-O por entre uma torrente de doces lágrimas.

Em seguida, a santa Virgem, movida de compaixão maternal, levanta com respeito o amado Filho, e conforme a já citada revelação, faz por aquecê-Lo com o calor de seu rosto e do seu peito. Tendo-O no colo, adora o divino Menino como seu Deus, beija-Lhe os pés como a seu Rei, e beija-Lhe o rosto como a seu Filho e procura depressa cobri-Lo e envolvê-Lo nas mantilhas. Mas ai, como são ásperos e grosseiros os paninhos! Além disso, são frios e úmidos, e naquela gruta não há lume para, aquentá-los.

Consideremos aqui os sentimentos que surgiram no coração de Maria, quando viu o Verbo divino reduzido por amor dos homens a tão extrema pobreza. Contemplemos a devoção e a ternura que ela experimentou quando apertava o Filho de Deus, já feito seu filho, contra o coração. Unamos os nossos afetos aos de tão boa Mãe e roguemos a Deus Pai “que o novo nascimento do seu Unigênito feito homem, nos livre do antigo cativeiro, em que nos tem o jugo do pecado” (1) . Continuar lendo

JESUS ATRIBULADO DURANTE TODA A SUA VIDA

O Menino Jesus sabia dos sofrimentos pelos quais iria passar?Pauper sum ego, et in laboribus a iuventute mea — “Eu sou pobre e vivo em trabalhos desde a minha mocidade” (Ps. 87, 16).

Sumário. Jamais alguém amou Deus e a própria alma como Jesus ama seu Pai e as nossas almas. Por isso é que Jesus, vendo desde o seio de Maria todos os pecados em particular e conhecendo tanto a injúria por eles feita ao Pai, como os males que deles deviam provir para as nossas almas, sofreu durante toda a sua vida, o martírio mais doloroso. Mas se Jesus se afligiu a tal ponto por pecados que não eram seus próprios, é mais do que justo que nós também nos aflijamos, que os havemos cometido.

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Considera que todas as penas e ignomínias que Jesus sofreu em sua vida e na morte, Lhe eram presentes desde o primeiro instante da sua vida: Dolor meus in conspectu meo semper (1) — “A minha dor está sempre diante de mim.” Desde o berço Jesus começou a oferecer todas essas penas em satisfação por nossos pecados, principiando desde então a ser nosso Redentor. Ele mesmo revelou a um seu servidor, que desde o começo de sua vida até à morte sofreu, e sofreu tanto por qualquer um dos nossos pecados, que, se houvera tido tantas vidas quantos homens existem, teria morrido de dor igual número de vezes, se Deus não lhe tivesse conservado a vida para sofrer ainda mais. Oh! Que martírio padeceu incessantemente o Coração amante de Jesus pela vista de todos os pecados dos homens! Ad quamlibet culpam singularem habuit aspectum, diz São Bernardino (2). Sim, desde que Jesus desceu ao seio de Maria, cada pecado em particular era-Lhe presente, e cada pecado afligia-O imensamente.

Diz Santo Tomás, que a dor causada a Jesus Cristo pelo conhecimento da injúria feita ao Pai e dos males que do pecado resultariam para as almas tão amadas, excedeu a dor de todos os pecadores contritos. — Com efeito, nunca um pecador amou Deus e a sua alma como Jesus ama seu Pai e as nossas almas. Daí é que o Redentor sofreu, desde o seio de sua Mãe, a agonia que depois padeceu no horto à vista de todas as nossas culpas que tomara sobre si a fim de satisfazer por elas. Pauper sum ego, et in laboribus a iuventute mea (3) — “Eu sou pobre e vivo em trabalhos desde a minha mocidade.” Assim predisse o Salvador de si mesmo pela boca de Davi, que toda a sua vida seria um padecimento contínuo. — Donde São João Crisóstomo conclui que nós não nos devemos afligir por outra coisa senão pelo pecado; e que, assim como Jesus passou toda a sua vida em aflição por causa dos nossos pecados, assim nós, que os havemos cometido, devemos estar possuídos de uma contínua dor, pela lembrança de termos ofendido um Deus que nos amou tanto. Continuar lendo

JESUS, FONTE DE GRAÇAS

Imagem relacionadaHaurietis aquas in gaudio de fontibus Salvatoris — “Tirareis com gosto águas das fontes do Salvador” (Is. 12, 13).

Sumário. Consideremos as quatro fontes de graças que possuímos em Jesus Cristo. Ele é uma fonte de misericórdia, na qual nos podemos limpar de nossas imundícies; uma fonte de paz, que nos dá pleno contentamento; uma fonte de devoção, que nos faz prontos, na obediência à voz divina; afinal, uma fonte de amor, que nos abrasa no fogo do amor divino. Aproximemo-nos com confiança, e vamos freqüentemente apagar a nossa sede nessas fontes inesgotáveis.

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Considera as quatro fontes de graças que possuímos em Jesus Cristo, segundo a contemplação de São Bernardo. A primeira fonte é de misericórdia, na qual nos podemos limpar de todas as imundícies dos nossos pecados. O Redentor fez-nos manar esta fonte com as suas lágrimas e o seu sangue: Dilexit nos et lavit nos a peccatis nostris in sanguine suo (1) — “Ele nos amou e nos lavou de nossos pecados em seu sangue”.

A segunda fonte é de paz e de consolação em nossas tribulações. “Invoca-me”, diz o Senhor, “no dia da tribulação, e eu te consolarei” — Invoca me in die tribulationis, eruam te (2). Quem tem sede das verdadeiras consolações, também nesta terra, venha a mim e eu o saciarei –  Si quis sitit, veniat ad me (3). Quem prova a água de meu amor, aborrecerá para sempre todas as delícias do mundo. Qui autem biberit ex aqua, quam ego dabo ei, non sitiet in aeternum (4) — O que beber da água que eu lhe der, nunca mais terá sede. E ficará plenamente satisfeito, quando entrar no reino dos Bem-aventurados, porquanto a água da minha graça o fará subir da terra ao céu: Fiet in eo fons aquae salientis in vitam aeternam (5) — Virá a ser n’Ele uma fonte de água que jorre para a vida eterna.” A paz que Deus dá as almas que o amam não é como a paz que o mundo promete nos prazeres sensuais, que deixam atrás de si mais amargura da alma do que paz. A paz que Deus dá, leva vantagem a todos os gozos dos sentidos. Bem-aventurados, pois, aqueles que suspiram por esta fonte divina: Beati qui esuriunt et sitiunt iustitiam (6) — “Bem-aventurados os que têm fome e sede da justiça.

A terceira fonte é de devoção. Oh! Como se torna devoto e diligente em obedecer à voz divina, e como vai sempre crescendo em virtude, aquele que com freqüência medita em tudo o que Jesus Cristo tem feito por nosso amor! Será como a árvore plantada junto às correntes das águas: Erit tamquam lignum, quod plantatum est secus decursus aquarum (7). Continuar lendo

NO INFERNO SOFRE-SE SEMPRE

Picture-of-HellCruciabuntur die ac nocte in saecula saeculorum — “Serão atormentados dia e noite pelos séculos dos séculos” (Apoc. 20, 10).

Sumário. Consideremos que o inferno é um cárcere tristíssimo, no qual se sofrem todas as penas e todas elas eternamente. De sorte que passarão cem anos, passarão mil, e o inferno apenas terá começado. Passarão cem mil séculos, passarão cem milhões, e o inferno estará ainda no seu princípio. Ora, esse inferno nos está também preparado, se não nos aplicarmos ao serviço de Deus, se O ofendermos pelo pecado. Quantos dentre os que, como nós, meditaram nesse horroroso cárcere, estão agora nele queimando para sempre!

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Considera que o inferno não tem fim; sofrem-se nele todas as penas, e todas elas eternamente. De sorte que passarão cem anos de sofrimentos, passarão mil, e o inferno terá apenas começado. Passarão cem mil, cem milhões, mil milhões de anos e de séculos, e o inferno estará ainda no seu princípio. — Se um anjo fosse nesta hora dizer a um réprobo que Deus o quer livrar do inferno, mas quando? Quando tiverem passado tantos milhões de séculos quantas são as gotas de água, as folhas das árvores, e os grãos de areia que existem no oceano e na terra, vós haveríeis de ficar pasmos; mas a verdade é que aquele réprobo sentiria mais alegria com tal notícia do que vós se vos dessem a notícia de haverdes sido eleito rei de um grande reino. Sim, porque o réprobo diria consigo: é verdade que devem passar tantos séculos, mas chegará o dia em que terminarão. Porém, os séculos hão de passar, e o inferno estará no seu princípio; suceder-se-á tantas vezes igual número de séculos, quantos são os grãos de areia, as gotas de água, as folhas das árvores, e ainda o inferno estará no seu princípio. — Cada réprobo de boa vontade proporia a Deus esta condição: Senhor, aumentai as minhas penas tanto quanto vos aprouver; prolongai-as tanto quanto for da vossa vontade, mas ponde-lhe um termo qualquer dia e ficarei contente. Mas não, esse fim nunca chegará.

Se o pobre réprobo pudesse ao menos iludir-se e consolar-se dizendo: quem sabe? Talvez um dia Deus se apiede de mim e me livre do inferno! Mas não, o desgraçado réprobo terá incessantemente diante da vista a sentença de sua condenação eterna, e dirá: todas as penas que agora estou sofrendo, o fogo, os lamentos, nunca mais terão fim? Nunca! E quanto tempo durarão? Sempre, sempre! Ó nunca! Ó sempre! Ó eternidade! Ó inferno! Como? Os homens o crêem, e pecam e continuam a viver no pecado? Continuar lendo

JESUS MENINO TOMA SOBRE SI TODOS OS PECADOS DOS HOMENS

Iustificabit ipse iustus servus meus multos, et iniquitates eorum ipse portabit — “O meu servo justo justificará muitos, e tomará sobre Si as iniqüidades deles” ( Is. 53, 11 ).

Sumário. Jesus Cristo quis não somente tomar a aparência de pecador, senão ainda tomar sobre Si todos os pecados dos homens e satisfazer por eles, como se fossem os seus próprios. Desde criança viu em particular todos os pecados de cada um de nós, e aquela vista cruciou-Lhe a alma muito mais do que em seguida a crucifixão e a morte cruciaram-Lhe o corpo. Eis aí a bela maneira com que recompensamos o amor de nosso divino Salvador.

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Considera que o Verbo divino, fazendo-Se homem, não somente quis tomar a aparência de pecador, mas ainda tomar sobre Si todos os pecados dos homens e satisfazer por eles, como se fossem os seus próprios:Iniquitates eorum ipse portabit— “Tomará sobre Si as iniqüidades deles”. Acrescenta Cornélio a Lápide: ac si ipse ea perpetrasset — “como se Ele mesmo as tivesse cometido”. Consideremos aqui como o Coração de Jesus Menino, já então carregado de todos os pecados do mundo, devia sentir-Se oprimido e angustiado, vendo que a justiça divina exigia d’Ele plena satisfação. Ele conhecia bem a malícia de cada pecado, porquanto na luz da Divindade que sempre O acompanhava, conhecia, imensamente melhor do que todos os homens e todos os Anjos, a bondade infinita de seu Pai, e o seu infinito direito a ser respeitado e amado. E via diante de Si, como que em longas fileiras, uma multidão inumerável de pecados a serem cometidos por aqueles mesmos homens pelos quais deveria padecer e morrer.

Uma vez o Senhor deixou ver a Santa Catarina de Gênova a fealdade de um só pecado venial. Foi tão grande o espanto e a dor da Santa, que caiu sem sentidos em terra. Ora, qual não deve ter sido a aflição de Jesus Menino, quando, no mesmo instante em que baixou à terra, viu posta diante de si a multidão imensa de todos os delitos humanos, pelos quais deveria satisfazer! Então viu em particular todos os pecados de cada um de nós. Diz o Cardeal Hugo, que os algozes O fizeram padecer exteriormente, crucificando-O; mas nós interiormente, cometendo o pecado — fecerunt eum dolere extrinsecus, crucifigendo; sed nos peccando, intrinsecus. Quer dizer que cada pecado nosso afligiu mais a alma de Jesus Cristo do que a crucifixão e a morte Lhe afligiram o corpo. Eis aí a bela maneira com que cada um que tem lembrança de haver ofendido o Salvador com pecados mortais Lhe recompensou o divino amor. Continuar lendo

TERCEIRO DOMINGO DO ADVENTO: O TESTEMUNHO DE SÃO JOÃO BATISTA E A MODÉSTIA CRISTÃ

Imagem relacionadaEgo vox clamantis in deserto: Dirigite viam Domini, sicut dixit Isaias propheta — “Eu sou a voz do que clama no deserto: preparai o caminho do Senhor, assim como o disse o profeta Isaías” (Io. 1, 23).

Sumário. À imitação de São João Batista, procuremos sempre, ao falar de nós mesmos ou sobre as coisas que nos dizem respeito, abaixar-nos e nunca nos exaltarmos acima dos outros. Quem se abaixa, nunca sairá prejudicado; mas, por pouco que alguém se exalte acima do que é, pode causar-se grave dano. Além disso, é sabido de todos que os louvores em boca própria não trazem honra, senão desprezo.

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I. O Evangelho de hoje, como diz São Gregório, faz ressaltar bem claramente a humildade do Batista. Muito embora estivesse adornado de tais e tantas virtudes, que se pudesse crer ser ele o Messias prometido, não somente recusou terminantemente esse nome, dizendo: Non sum ego Christus — “Eu não sou o Cristo”; mas ainda mais, protestou não ser digno nem sequer de desatar os cordões das sandálias do Redentor. Constrangido, pois, a dar informações acerca de si próprio, cala a nobreza de seus pais, a dignidade sacerdotal, e apenas faz saber o que é indispensavelmente necessário, a saber, o seu ofício de Precursor de Jesus Cristo: Ego Vox clamantis in deserto: Dirigite viam Domini — “Eu sou a voz do que clama no deserto: preparai o caminho do Senhor.”

Deves tu também praticar igual modéstia, se verdadeiramente desejas agradar a Deus e assim preparar-te para fazer nascer o divino Menino em teu coração. Evita de dizer qualquer palavra de louvor próprio, tanto acerca da tua conduta, dos teus talentos e exercícios de virtudes; como acerca da tua família, enaltecendo a nobreza, as riquezas, o parentesco. Em uma palavra, no falar do que te respeita ou de ti mesmo, procura sempre, à imitação do Batista, abaixar-te e nunca te exaltares acima dos outros. Fala antes o mal do que o bem; descobre antes os teus defeitos do que as ações que talvez tenham aparência de virtudes. Abaixando-te, nunca te prejudicarás; mas, como diz São Bernardo, por pouco que te exaltes acima do que és na verdade, podes causar-te grande mal. Além, disso é bem conhecido o adágio comum: Louvor em boca própria é vitupério.

Demais, melhor será que nas conversações não fales absolutamente de ti próprio, nem para bem, nem para mal, considerando-se como pessoa tão vil, que nem sequer mereça ser mencionada. Quantas vezes não sucede que contando coisas mesmo para a nossa própria confusão, se insinue alguma oculta e fina soberba, e que interiormente desejemos ser elogiados ou ao menos ser tidos por humildes e virtuosos! Continuar lendo

MARIA SANTÍSSIMA, MODELO DE PACIÊNCIA

virgem-mariaPatientia vobis necessaria est: ut volutantem Dei facientes reportetis promissionem — “A paciência vos é necessária, a fim de que fazendo a vontade de Deus alcanceis a promessa” (Hebr. 10, 36)

Sumário. Deu-nos Deus a Santíssima Virgem como exemplar de todas as virtudes, mas especialmente da paciência. Semelhante à rosa, ela cresceu e viveu sempre entre os espinhos da tribulação. Se, portanto, quizermos ser filhos desta Mãe, força é que procuremos imitá-la, abraçando com resignação as cruzes; e não somente as que nos vierem directamente de Deus, mas também as que vierem da parte dos homens, tais como sejam as perseguições e os despresos.

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Sendo esta terra um lugar de merecimentos, chama-se com razão vale de lágrimas. Todos somos aqui postos para padecer e fazer, por meio da paciência, aquisição das nossas almas para a vida eterna, como já disse o Senhor:In patientia possidebitis animas vestras(1) — “Na paciência possuireis as vossas almas”. Deus nos deu a Virgem Maria para exemplar de todas as virtudes, mas especialmente da paciência. Pondera entre outras coisas São Francisco de Sales, que foi exatamente para este fim que nas bodas de Caná, Jesus Cristo deu à Santissima Virgem aquela resposta, com que mostrava estimar pouca as suas súplicas: Quid mihi et tibi est, mulier?— “Que há entre mim e ti, mulher?” Foi exactamente para nos dar o exemplo da paciência da sua Santa Mãe.

Mas que andamos excogitando? Toda a vida de Maria foi um exercício continuo de paciência; porquanto, como o Anjo revelou a Santa Brigida, a Bem-aventurada Virgem, semelhante à rosa, cresceu e viveu sempre entre os espinhos das tribulações. Só a compaixão das penas do Redentor foi suficiente para fazê-la martir de paciência, razão porque disse São Boaventura: Crucifixa Cruxifixum concepit — “A Crucificada concebeu o Crucificado”. — E quanto ela sofreu, tanto na viagem para o Egipto e na demora ali, como durante todo o tempo que viveu com o Filho na oficina de Nazaré, não cansemos de apreciá-lo dignamente. Mas deixando o mais de lado, não basta por ventura só a campanha que Maria fez a Jesus moribundo no Calvário, para fazer conhecer quão constante e sublime foi a sua paciência? Stabat iuxta crucem Iesu Mater eius (2) — “Ao pé da cruz de Jesus estava sua Mãe”. No dizer do B. Alberto Magno, precisamente pelo merecimento desta sua paciência foi ela feita nossa Mãe que compadecendo com o seu Filho nos gerou para a vida da graça: Maria facta est mater nostra, quos genuit Filio compatiendo. Continuar lendo

NA CRUZ ACHA-SE A NOSSA SALVAÇÃO

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Lignum vitae est his, qui apprehenderint eam; et qui tenuerit eam, beatus — “É árvore de vida para aqueles que lançarem mão dela; e é bem-aventurado quem a não largar” (Prov. 3, 18).

Sumário. Se quisermos salvar-nos, é mister que nos resolvamos a carregar com paciência a cruz que Deus nos manda, e a morrer nela por amor de Jesus Cristo, assim como Ele morreu na cruz por nosso amor. É este também o meio para acharmos a paz nos sofrimentos. Quem recusa aceitar a cruz, de ordinário aumenta-lhe o peso; ao passo que quem a abraça e carrega com paciência, tira-lhe o peso e converte-a em consolação.

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Na cruz acha-se a nossa salvação, a nossa força contra as tentações, o desapego dos prazeres terrestres; na cruz, em suma, acha-se o verdadeiro amor de Deus. Mister é, pois, que nos resolvamos a carregar com paciência a cruz que Deus nos envia e a morrermos nela por amor de Jesus Cristo, que morreu na sua por nosso amor. Não há outro caminho por onde se entra no céu, senão o da resignação nas tribulações até à morte. — O meio para acharmos a paz nos próprios padecimentos é a uniformidade com a vontade divina. Se não usarmos deste meio, dirijamo-nos aonde quisermos, façamos quanto pudermos, não conseguiremos subtrair-nos ao peso da cruz. Ao contrário, se a carregarmos de boa vontade, a cruz nos levará ao céu, e nos dará a paz nesta terra

Que é o que faz quem rejeita a cruz? Aumenta-lhe o peso. Mas quem a abraça e carrega com paciência alivia-a e converte-a em doçura. Deus é profuso com as suas graças para com todos aqueles que de boa vontade carregam a cruz para lhe agradarem. O padecimento não apraz a nossa natureza; mas quando o amor divino reina num coração, fá-lo aceitável. — Ah! Se considerássemos bem o estado de felicidade que gozaremos no paraíso, se formos fiéis a Deus em sofrermos sem lamentos os trabalhos da vida, de certo não nos queixaríamos de Deus quando nos envia cruzes. Antes havíamos de lh´as agradecer, e até havíamos de pedir mais sofrimentos ainda. — Se somos pecadores, devemo-nos consolar nas tribulações que vierem e pensar que Deus nos castiga na vida presente; porque é isso sinal certo de que Deus quer livrar-nos do castigo eterno. Ai do pecador que goza de prosperidade na terra! Quem tiver de sofrer alguma grave tribulação, lance um olhar no inferno merecido e toda a pena se-lhe afigurará leve. 

Se quisermos ser santos, devemos transformar o nosso gosto. Enquanto não chegarmos a achar doce o que é amargoso, e amargoso o que é doce, nunca nos poderemos unir perfeitamente com Deus. Toda a nossa segurança e perfeição está em sofrermos com resignação todas as contrariedades que nos vierem cada dia, e em sofrermo-las para agrado de Deus, o que constitui o fim principal e mais nobre que possamos ter em mira em todas as nossas obras. Continuar lendo

JESUS, HOMEM DE DORES DESDE O SEIO DE SUA MÃE

jesusVirum dolorum, et scientem infirmitatem — “O homem de dores e experimentado nos trabalhos” (Is. 53, 3).

Sumário. O primeiro Adão gozou durante algum tempo as delícias do paraíso terreal; mas o segundo Adão, Jesus Cristo, não teve nem sequer um instante em sua vida que não fosse cheio de aflições e agonias, porquanto desde o berço afligiu-O a dolorosa previsão de todas as penas e ignomínias que deveria padecer, e particularmente a previsão da ingratidão de que os homens usariam para com Ele. Ó céus! Nós também temos contribuído para contristar esse amabilíssimo Coração.

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O profeta Isaias chama a Jesus Cristo o homem de dores. E com razão, porquanto a natureza humana de Jesus foi criada expressamente para padecer, e assim desde o berço começou a sofrer as maiores dores, que os homens jamais têm sofrido. Para o primeiro homem, Adão, houve um tempo em que gozava as delícias do paraíso terrestre; mas o segundo Adão, Jesus Cristo, não teve nem sequer um instante de vida que não fosse cheio de aflições e agonias. Desde o berço afligiu-o a dolorosa previsão de todas as penas e ignominias que deveria padecer no correr de sua vida e particularmente na hora de sua morte, quando deveria terminar a vida como que submergido num oceano de dores e de opróbrios, assim como o predisse Davi:Veni in altitudinem maris, et tempestas demersit me (1) — “Cheguei ao alto mar e a tempestade me submergiu”.

Desde o seio de Maria, Jesus Cristo aceitou obediente a ordem de seu Pai acerca da sua paixão e morte. De sorte que já antes de nascer previu os açoites e apresentou seu corpo para os receber; previu os espinhos e apresentou-lhes a cabeça; previu as bofetadas e apresentou-lhes as faces; previu os cravos e apresentou-lhes as mãos e os pés; previu a cruz e apresentou sua vida. Daí é que o nosso Redentor, desde a primeira infância e a cada instante da sua vida, padeceu um contínuo martírio, e a cada instante oferecia esse martírio por nós ao Pai Eterno.

Mas, o que mais O atormentou, foi a vista dos pecados que os homens haviam de cometer, mesmo depois da sua tão dolorosa Redenção. Na luz divina conhecia Jesus perfeitamente a malícia de cada pecado e veio ao mundo exatamente para tirar os pecados; mas ao ver em seguida o número tão grande de pecados que ainda iam ser cometidos, a angústia que o Coração de Jesus sofreu, foi maior do que a que tem sofrido ou ainda sofrerão todos os homens da terra. Continuar lendo

AMOR QUE O FILHO DE DEUS NOS MOSTROU NA REDENÇÃO

Cruz - shutterstock_70215502Dilexit nos et tradidit semetipsum pro nobis — “Cristo nos amou e se entregou a si mesmo por nós” (Eph. 5, 2).

Sumário. A salvação ou a condenação de todos os homens não aumenta nem diminui de nada a felicidade do Filho de Deus, que é a bem-aventurança mesma. Todavia Ele tem feito e padecido tanto por nós, que, se a sua beatitude fora dependente da nossa, não teria podido padecer e fazer mais. Quão grande não deve, pois, ser nosso amor para com Jesus Cristo e quão grande a nossa confiança de obtermos, pelos seus merecimentos, todas as graças que desejemos!

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Considera que o Verbo Eterno é o Deus infinitamente feliz em si mesmo, de tal sorte que a sua felicidade não pode ser aumentada. Nem mesmo a salvação ou a condenação de todos os homens podem acrescentar-Lhe ou diminuir-Lhe alguma coisa. Contudo, para nos salvar a nós, vermes miseráveis, Ele tem feito e padecido tanto, que, se a sua beatitude, no dizer de Santo Tomás, tivesse sido dependente da do homem, não poderá fazer nem padecer mais. Com efeito, se Jesus Cristo não pudera ser feliz sem a nossa redenção, como poderia humilhar-se mais do que se humilhou, tomando sobre si todas as nossas enfermidades, as humilhações da infância, as misérias da vida humana e uma morte tão desapiedada e ignominiosa? Só um Deus era capaz de amar-nos tão excessivamente a nós míseros pecadores, tão indignos de sermos amados.

Diz um piedoso escritor: “Se Jesus Cristo nos tivesse permitido pedir-Lhe a maior prova de seu amor, quem jamais se atreveria a pedir-Lhe que se fizesse homem como nós, que se sujeitasse a todas as nossas misérias; ainda mais, que se fizesse de todos os homens o mais pobre, o mais desprezado, o mais maltratado, até morrer por mão de algoz e à força de tormentos num patíbulo infame, amaldiçoado e abandonado de todos, mesmo de seu próprio Pai, que desamparou o Filho, para não nos abandonar a nós em nossa perdição? Mas o que nós nem ousáramos conceber em pensamentos, o Filho de Deus o excogitou e realizou.” — Desde o berço, o divino Menino se ofereceu por nós aos trabalhos, aos opróbrios e à morte: Dilexit nos, et tradidit semetipsum pro nobis (1) — “Ele nos amou e se entregou a si mesmo por nós.” Sim, Jesus nos amou, e por amor se nos deu a si mesmo, a fim de que, oferecendo-O ao Pai como vítima, em expiação de nossos delitos, possamos, em vista de seus méritos, obter da divina bondade todas as graças que desejarmos. Esta vítima agrada mais ao Pai do que se lhe fosse oferecida a vida de todos os homens e de todos os anjos. Ofereçamos, portanto, sempre a Deus os merecimentos de Jesus Cristo, e por eles busquemos e esperemos todo o bem.

Ó meu Jesus, eu seria por demais injusto para com a vossa misericórdia e o vosso amor, se, depois de me haverdes dado tantas provas do afeto que me tendes e do vosso desejo de me salvar, eu desconfiasse de vossa misericórdia e de vosso amor. Meu amado Redentor, eu sou um pobre pecador, mas Vós assegurais que viestes para buscar os pecadores. Eu sou um pobre enfermo, mas Vós viestes para curar os enfermos. Eu sou um réprobo por causa de meus pecados, mas Vós viestes para salvar o que estava perdido:Venit enim Filius hominis salvare quod perierat(2). Que poderei, pois, temer, se quiser emendar-me e ser vosso? Continuar lendo

RETRATO DE UM HOMEM QUE ACABA DE PASSAR À OUTRA VIDA

leitoAuferes spiritum eorum, et deficient, et in pulverem suum revertentur — “Tirar-lhes-ás o espírito, e deixarão de ser, e tornar-se-ão no seu pó” (Ps. 103, 29).

Sumário. Imaginemos que estamos vendo uma pessoa que acaba de expirar. Contemplemos nesse cadáver a cabeça pendida sobre o peito, o cabelo desgrenhado, os olhos encovados, as faces descarnadas, o rosto cinzento, a língua e os lábios cor de ferro, o corpo frio e pesado. Quantas pessoas, à vista de um parente ou de um amigo morto, não mudaram de vida e deixaram o mundo!

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Imagina que estás vendo uma pessoa que acaba de exalar o ultimo suspiro. Contempla esse cadáver deitado ainda no leito, a cabeça caída sobre o peito, o cabelo desgrenhado, banhado ainda no suor da morte, os olhos encavados, as faces descarnadas, o rosto cinzento, a língua e os lábios cor de ferro, o corpo todo frio e pesado. Empalidece e treme quem quer que o vê. Quantas pessoas, à vista de um parente ou amigo defunto não mudaram de vida e deixaram o mundo! — Mais horror ainda inspira o cadáver, quando começa a corromper-se. Não se passaram bem vinte e quatro horas que esse moço morreu, e já o mau cheiro se faz sentir. E preciso abrir as janelas e queimar bastante incenso; é preciso cuidar que em breve seja levado à igreja e posto debaixo da terra, para que não infeccione a casa toda.

Eis aí em que se tornou esse moço orgulhoso, esse dissoluto! Ainda há pouco acolhido e desejado nas sociedades, e agora feito objecto de horror e de abominação para quem o vê! Os parentes anseiam por fazê-lo levar para fora da casa e pagam aos coveiros para que o levem encerrado num caixão e o entreguem à sepultura. Outrora gabavam-se o espirito, a beleza, o trato fino e bons ditos; mas pouco depois de sua morte perde-se a memória de tudo isso:  Periit memoria eorum cum sonitu (1) — “A memória deles pereceu com ruído

Ao ouvirem a noticia de sua morte, uns dizem que era homem honrado, outros que deixou os negócios em bom estado; uns lamentam-se, porque o defunto era-lhes útil; outros regozijam-se, porque a morte dele lhes traz proveito. Por fim, dentro em breve, já ninguém falará nele. Desde os primeiros dias os parentes mais chegados não querem ouvir falar dele a fim de não se lhes avivar a saudade. Nas visitas de pêsames trata-se de outros assuntos, e se alguém por ventura fala do defunto, logo os parentes atalham: Por favor, não pronuncieis mais o seu nome. E entretanto, onde é que estará a alma daquele infeliz? Continuar lendo

DEUS ENTREGA O PRÓPRIO FILHO À MORTE PARA NOS DAR A VIDA

crucifDeus autem, qui dives est in misericórdia, propter nimiam caritatem suam, qua dilexit nos, et cum essemus mortui peccatis, convivificavit nos Christo — “Deus que é rico em misericórdia, por causa da extrema caridade com que nos amou, também quando mortos estávamos pelos pecados, nos convivificou em Cristo” (Eph. 2, 4)

Sumário. Pelas nossas culpas nós, pobres pecadores, já estávamos todos mortos e condenados ao inferno. Deus, porém, por causa do imenso amor que tem às nossas almas, quis restituir-nos à vida, enviando à terra o seu Filho unigênito para morrer por nós. Pois dizei-me: Se Jesus Cristo morreu por nosso amor, não é mais do que justo que nós somente para Ele vivamos, e que Ele seja o único senhor dos nossos corações?

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Considera que o pecado é a morte da alma; visto que esse inimigo de Deus nos priva da graça divina, que é a vida da alma. Assim nós, os pobres pecadores, já estávamos todos mortos por nossa culpa e todos condenados ao inferno. Deus, porém, por causa do imenso amor que tem às nossas almas, quis restituir-nos à vida. Que fez? Enviou à terra o seu Filho unigênito a fim de morrer e com a sua morte recuperar-nos a vida. — É com razão que o Apóstolo chama esta obra de amor:nimiam caritatem, excesso de amor. Com efeito, nunca o homem pudera nutrir esperança de receber a vida de um modo tão amoroso, se Deus não houvera excogitado esse meio de remi-lo.

Estavam mortos todos os homens, e não havia para eles remédio. Mas o Filho de Deus, pelas entranhas de sua misericórdia, desceu do céu a restituir-nos à vida. É exatamente por isso que o Apóstolo chama Jesus Cristo vita nostra, nossa vida. Eis que o nosso Redentor, já encarnado e feito menino, nos diz: Veni ut vitam habeant, et abundantius habeant (1) — “Eu vim para eles terem vida, e para a terem em maior abundância”. Jesus veio e escolheu a morte para si, a fim de nos dar a vida. — É, pois, justo que vivamos unicamente para um Deus que se dignou de morrer por nós. É justo que o único senhor de nosso coração seja Jesus Cristo, porquanto deu o seu sangue e a sua vida para o ganhar. Ó meu Deus, quem será tão ingrato e tão desgraçado que, sabendo pela fé que um Deus morreu para lhe grangear o amor, se recuse a amá-Lo, e renunciando à amizade divina, queira fazer-se, por sua livre vontade, escravo do inferno?

Ó meu Jesus, se Vós não tivésseis aceitado e padecido a morte por mim, teria eu ficado morto no meu pecado sem esperança de me salvar e de poder amar-Vos. Mesmo depois que com a vossa morte me obtivestes a vida, eu muitas vezes tenho tornado a perdê-la voluntariamente pelos meus pecados. Morrestes para Vos assenhorardes do meu coração, e eu, rebelando-me contra Vós, escravizei-o ao demônio. Tenho-Vos desrespeitado e dito que não Vos queria para meu Senhor. Tudo isso é verdade, mas é também verdade que não quereis a morte do pecador, mas que se converta e viva, e Vós morrestes a fim de nos dardes a vida. Continuar lendo

SEGUNDO DOMINGO DO ADVENTO: O ENCARCERAMENTO DE JOÃO E A UTILIDADE DAS TRIBULAÇÕES

S__Jo_o_Evangelista21Ioannes autem cum audisset in vinculis opera Christi… – “Como João, estando no cárcere, tivesse ouvido as obras de Cristo…” (Mat. 11, 2).

Sumário. É muito grande a utilidade que nos trazem as tribulações. O Senhor no-las envia para em seguida nos enriquecer com as melhores graças. Considerai, com efeito, que São João, estando encarcerado, chega a conhecer as obras de Cristo, e recebe dele os mais elevados elogios. No tempo das tribulações, em vez de nos lastimarmos, abracemos a cruz com resignação e com ação de graças.

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I. É no tempo das tribulações que Deus enriquece as almas, suas prediletas, com as graças mais copiosas. Vede São João Batista, que entre as correntes e as angústias do cárcere chega a conhecer as obras de Jesus Cristo, recebe da boca de Jesus os elogios mais honrosos de homem forte, de penitente austero, de maior dos profetas, e é apontado e tido como o Anjo do Senhor, destinado a preparar-lhe o caminho: Praeparabit viam tuam ante te. Bem apreciáveis são, portanto, as utilidades que as tribulações nos trazem, e o Senhor no-las envia não porque nos quer mal, mas porque nos quer bem.

Qui non est tentatus, quid scit? (1) – “Quem não foi tentado, o que sabe?” Quem vive na prosperidade e nunca tem experimentado a adversidade, nada sabe acerca do estado da sua alma e será molestado com muitas tentações de soberba, de vanglória, de cobiça de mais riquezas, de mais honras, de mais prazeres. Ora, de todas estas tentações livram-nos as adversidades, ao mesmo tempo que nos fazem humildes e contentes no estado em que aprouve ao Senhor colocar-nos. – Ademais, elas desvendam-nos os olhos que a prosperidade tinha vendado; e se somos pecadores, não somente reduzem-nos, como outrora o filho pródigo, aos pés de nosso Pai celestial, mas ainda nos farão satisfazer pelos pecados cometidos, muito melhor do que o fariam todas as penitências por nós livremente escolhidas. Eis a razão por que Santo Agostinho repreende o pecador que se lamenta das tribulações enviadas por Deus e lhe diz: Meu irmão, quem te dera compreender que remédio eficaz são as tribulações para curar as chagas que te feriram os pecados!

Se somos justos, as tribulações nos desprendem o coração das coisas da terra, visto que não achamos nelas senão amarguras. Afeiçoam-nos aos bens do céu, onde se acha a verdadeira felicidade, fazem-nos freqüentemente lembrados de Deus e obrigam-nos a recorrer a sua misericórdia, ao vermos que só Ele nos pode aliviar das nossas misérias. – Mas, o que mais é, as tribulações fazem-nos ganhar grandes tesouros de méritos junto de Deus, fornecendo-nos ocasião para praticar as virtudes que lhe são mais caras, tais como a humildade, a paciência, a conformidade com a vontade divina, etc. Continuar lendo

INEFÁVEL DIGNIDADE DE MARIA SANTÍSSIMA

Resultado de imagem para maria santíssimaDe qua natus est Iesus, qui vocatur Christus — “Da qual nasceu Jesus, que se chama o Cristo” (Matth. l, 16).

Sumário. É tão grande a dignidade de Maria como Mãe de Jesus Cristo, que só Deus com a sua sabedoria infinita a pode compreender; mas toda a sua onipotência não pode fazer outra maior. Façamos um ato de viva fé acerca desta divina maternidade; alegremo-nos com a Santíssima Virgem, e aumentemos a nossa confiança nela, porquanto de certo modo nos é devedora da sua altíssima dignidade.

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Para compreender a altura a que Maria foi sublimada, mister se faria compreender quão sublime é a alteza e grandeza de Deus. Bastará dizer que Deus fez a Santíssima Virgem mãe do seu Filho para ficar entendido que Deus não a pode elevar mais alto do que a elevou. Bem disse Santo Arnaldo Carnotense que Deus, fazendo-se Filho da Virgem, sublimou-a acima de todos os Santos e Anjos. Ainda que: em verdade, ela seja infinitamente inferior a Deus: ao mesmo tempo está imensa e incomparavelmente acima de todos os espíritos celestiais, como fala Santo Efrém. Por este motivo lhe diz Santo Anselmo: Senhora, vós não tendes quem vos seja igual, porque tudo quanto há está acima ou abaixo de vos; só Deus vos é superior, e todos os mais vos são inferiores.

Em uma palavra, é tão grande a dignidade da Virgem, que, se bem que Deus só com a sua sabedoria infinita a possa compreender, todavia, no dizer de São Boaventura, com toda a sua onipotência não pode fazer outra maior — Ipsa est qua maiorem facere non potest Deus — Quem considerar isto, deixará de estranhar porque os santos Evangelistas, que tão difusamente registram os louvores de um João Batista, de uma Madalena, tão escassos se mostram em descrever as grandezas de Maria. Tendo dito que desta exímia Virgem nasceu Jesus: de qua natus est Iesus, não julgaram necessário acrescentar outra coisa; porque neste seu maior privilégio se acham incluídos os demais. Qualquer titulo que se lhe dê, nunca chegará a honrá-la tanto quanto o de Mãe de Deus.

Façamos um ato de viva fé na maternidade divina de Maria, alegremo-nos com ela, agradeçamos a Deus por ela e protestemos que estamos prontos a dar a nossa vida em defesa desta verdade, como de todas as outras que lhe dizem respeito. Continuar lendo

QUAIS SEJAM OS QUE EM VERDADE SEGUEM A JESUS CRISTO

levar-a-cruzSi quis vult post me venire, abneget semetipsum, et tollat crucem suam quotidie, et sequatur me — “Se alguém quer vir após mim, negue-se a si mesmo, tome a sua cruz cada dia, e siga-me” (Luc. 6, 23).

Sumário. Devemo-nos persuadir de que Deus nos conserva no mundo para que suportemos com paciência as tribulações que Ele mesmo nos envia para o nosso bem. Resolvamo-nos, pois, a recusar a nós mesmos aquilo que um amor próprio desordenado nos pede; abracemos de boa vontade a nossa cruz de cada dia; e não nos cansemos de a carregar após Jesus Cristo até ao Calvário, isso é, até a morte.

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Façamos hoje algumas reflexões sobre estas palavras de Jesus Cristo.Si quis vult post me venire— “Se alguém quer vir após mim.” Jesus não somente quer que a Ele vamos, senão que vamos em seu seguimento. Jesus vai sempre para diante e não pára enquanto não chegar ao Calvário, onde irá morrer. Portanto, se O amamos, devemos segui-Lo até à nossa morte. Por isso faz-se mister que cada um se negue a si mesmo: abneget semetipsum; isso é, recuse a si mesmo o que o amor próprio pede, mas que não é do agrado de Jesus Cristo.

Diz ainda: Tollat crucem suam quotidie et sequatur me — “Tome a sua cruz cada dia e siga-me.” Tollat, tome: de pouco serve carregá-la forçadamente; todos os pecadores a carregam, mas sem merecimento. Para a carregarmos com merecimento, devemos abraçá-la de boa vontade. — Crucem, a cruz: sob o nome de cruz vem toda a tribulação, que por Jesus Cristo é chamada cruz, a fim de nô-la tornar doce, com pensar que em uma cruz ele morreu por nosso amor.

Jesus diz: suam, a sua cruz. Alguns, ao receberem qualquer consolação espiritual, se oferecem para sofrer o que tem sofrido os mártires: acúleos, unhas de ferro e lâminas candentes; mas, logo em seguida não sabem sofrer alguma dor de cabeça, uma falta de atenção da parte de um amigo, o enfado de um parente. Irmão meu, Deus não quer de ti que sofras nem cavaletes, nem unhas de ferro, nem lâminas candentes; mas quer que sofras com paciência essa dor, esse desprezo, esse aborrecimento. Tal outro quisera ir a um deserto para sofrer; quisera praticar grandes penitências; entretanto não sabe suportar um seu superior, um seu companheiro de ofício. Deus, porém, quer que ele carregue a cruz que lhe é dada para carregar, e não aquela que ele mesmo escolheu. Continuar lendo

JESUS ILUMINA O MUNDO E GLORIFICA A DEUS

Jesus Menino: és o único capaz de saciar o meu coração!Creavit Dominus novum super terram — “O Senhor criou uma coisa nova sobre a terra” (Jer. 31, 22).

Sumário. Antes da vinda do Messias, o mundo estava abismado na ignorância, e o Deus verdadeiro era apenas conhecido num cantinho da terra, na Judéia. De todas aquelas trevas livrou-nos Jesus Cristo, que desde o primeiro instante da sua conceição deu mais glória ao Pai Eterno do que lhe têm dado e darão todos os Anjos e Santos. Tomemos ânimo nós, os pobres pecadores, e ofereçamos a Deus Pai este Menino e ressarci-Lo-emos de todas as ofensas que Lhe temos feito.

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Antes da vinda do Messias, o mundo estava abismado na noite tenebrosa da ignorância e do pecado. No mundo o Deus verdadeiro era conhecido tão somente num cantinho da terra, a saber, na Judéia:Notus in Iudaea Deus— “Deus é conhecido na Judéia” (1). Em todo o resto do mundo eram adorados como deuses os demônios, os animais e as pedras. Em toda a parte reinava a noite do pecado, que cega as almas, enche-as de vícios, e priva-as da vista do estado miserável em que se acham, inimigas de Deus e condenadas ao inferno. Dessas trevas veio Jesus livrar o mundo. Livrou-o da idolatria dando-lhe o conhecimento do Deus verdadeiro; livrou-o do pecado com a luz de sua doutrina e dos exemplos divinos: O Filho de Deus veio ao mundo para destruir as obras do diabo (2).

O profeta Jeremias predisse que Deus havia de criar um novo Menino para ser o Redentor dos homens: Creavit Dominus novum super terram. Esse novo Menino foi Jesus Cristo, que faz as delícias do paraíso e é o amor de Deus Pai, que fala assim: Este é o meu Filho dileto em que deposito as minhas complacências (3). É este Filho quem se fez homem. Embora criança nova, deu a Deus mais honra e glória no primeiro momento de sua criação do que lhe têm dado e durante toda a eternidade lhe poderão dar todos os Anjos e Santos juntos. Por isso é que no nascimento de Jesus os Anjos cantaram: Gloria in excelsis Deo — “Glória a Deus nas alturas”. Jesus Menino rendeu a Deus mais glória do que Lhe arrebataram os pecados de todos os homens.

Tomemos, pois, ânimo, nós, pobres pecadores. Ofereçamos ao Pai Eterno o divino Menino; apresentemos-Lhe as lágrimas, a obediência, a humildade, a morte e os méritos de Jesus Cristo e ressarciremos a Deus toda a injúria que com as nossas ofensas Lhe tenhamos feito. Continuar lendo

O VERBO SE FAZ HOMEM NA PLENITUDE DOS TEMPOS

Resultado de imagem para anunciação do anjoUbi venit plenitudo temporis, misit Deus Filium suum, factum ex muliere, factum sub lege — “Quando veio a plenitude do tempo, enviou Deus o seu Filho, feito da mulher, feito sujeito à Lei” (Gal. 4, 4).

Sumário. O divino Redentor demorou a sua vinda quatro mil anos, não somente para que fosse mais apreciada pelos homens, senão também para que melhor se conhecesse a malícia do pecado e a necessidade do remédio. Chegada que foi a plenitude dos tempos, enviou Deus um arcanjo à Santíssima Virgem e, obtido o consentimento desta, o Verbo se fez homem no seio puríssimo de Maria. Quanto não devemos agradecer ao Senhor o ter-nos feito nascer depois que se cumpriu tão grande mistério!

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Considera como Deus depois do pecado de Adão deixou decorrer mil anos antes de enviar à terra o seu Filho para remir o mundo. E, entretanto, que trevas desoladoras reinavam sobre a terra! O Deus verdadeiro não era conhecido nem adorado, senão apenas num canto da terra. Por toda a parte reinava a idolatria, de sorte que eram adorados como deuses os demônios, os animais e as pedras. Admiremos nisso a sabedoria divina. Demora a vinda do Redentor para torná-la mais aceitável aos homens: demora-a para que se conheça melhor a malícia do pecado, a necessidade do remédio e a graça do Salvador. Se Jesus Cristo tivesse vindo logo depois do pecado de Adão, a grandeza do benefício teria sido pouco apreciada. Agradeçamos, pois, à bondade de Deus, o ter-nos feito nascer depois de já realizada a grande obra da Redenção.

Eis que já é chegado o feliz tempo que foi chamado a plenitude do tempo: ubi venit plenitudo temporis. O Apóstolo diz: plenitudo, por causa da abundância da graça que por meio da Redenção o Filho de Deus vem trazer aos homens. Eis que já se envia o anjo embaixador à Virgem Maria na cidade de Nazaré para anunciar a vinda do Verbo que no seio dela quer encarnar-se. O anjo a saúda, chama-a cheia de graça e bendita entre as mulheres. A virgenzinha humilde perturba-se com esses louvores por causa da sua profunda humildade. O anjo, porém, anima-a e lhe diz que achou graça diante de Deus; isso é, a graça que estabelece a paz entre Deus e os homens, e repara os estragos ocasionados pelo pecado. Em seguida anuncia-lhe o nome de Salvador que deveria dar ao filho: Vocabis nomen eius Iesum (1) — “Por-lhe-ás o nome de Jesus”. Anuncia-lhe que seu filho seria o próprio Filho de Deus, que devia remir o mundo e desta forma reinar sobre os corações dos homens. Eis que afinal Maria consente em ser mãe de tal Filho: Fiat mihi secundum verbum tuum (2) — “Faça-se em mim segundo a tua palavra”. E no mesmo momento o Verbo Eterno se fez carne e ficou sendo verdadeiro homem: Et Verbum caro factum est (3) — “E o Verbo se fez carne”. Continuar lendo

O DECRETO DA ENCARNAÇÃO DO VERBO

encEt audivi vocem dicentís : Quem mittam? Et quis ibit nobis? Et dixi: Ecce ego. mitte me. — “E ouvi a voz de quem dizia: Quem enviarei eu? E quem nos irá lá? Então disse eu: Aqui me tens a mim, envia-me” (Isa. 6; 8).

Sumário. Embora o Filho de Deus previsse a vida penosa que teria de levar, submeteu-se contudo de boa vontade ao decreto da Encarnação, ofereceu-se mesmo a fazer-se homem. E isso não só a fim de satisfazer plenamente à justiça divina, mas também para nos mostrar seu amor, e obrigar-nos a que O amemos sem reserva. Como é que até o dia de hoje temos respondido a tão grande beneficio?

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Afigura-se a São Bernardo (1) em sua contemplação sobre a condição do gênero humano depois do pecado do primeiro homem, ver travarem contenda a justiça divina e a misericórdia.

Estou perdida — diz a justiça — se Adão não for punido.

A misericórdia, ao contrário, replica: Estou eu perdida, se o homem não for perdoado.

Em vista de tal contenda, o Senhor decide que, para salvar o homem réu de morte, há de morrer um inocente: Moriatur qui nihil debeat morti.

Na terra, porém, não se achava um que fosse inocente.

Portanto — disse o Pai Eterno — já que entre os homens não há quem possa satisfazer à minha justiça, quem irá resgatar o homem? Os anjos, os querubins, os serafins, todos guardam silêncio, ninguém responde; só responde o Verbo Eterno e diz: Ecce ego, mitte me — “Aqui me tens a mim, envia-me”.

Meu Pai — diz o Filho unigênito — a vossa majestade, por ser infinita, e ofendida pelo homem, não pode ser plenamente satisfeita por um anjo, que é uma pura criatura. E ainda que Vós quisésseis contentar com as satisfações de um anjo, considerai que, apesar de tantos benefícios prestados ao homem, apesar de tantas promessas e ameaças, não conseguimos ganhar o seu amor, porque até hoje não conheceu o amor que lhe tínhamos. Se quisermos obrigá-lo irresistivelmente a amar-nos, que ocasião se nos pode deparar mais própria do que esta? Permite que, para remir o homem, eu, vosso Filho, desça sobre a terra e tome a natureza humana; permite que, pagando com a minha morte as penas devidas ao homem, satisfaça plenamente á vossa justiça divina, e o homem fique bem convencido do nosso amor. Continuar lendo

O PECADO DE ADÃO E O AMOR DE DEUS PARA COM OS HOMENS

expusion_paraiso_portEt nunc quid mihi est hic, dicit Dominus, quoniam ablatus est populus meus gratis? — “E agora, que tenho Eu que fazer aqui, diz o Senhor, visto ter sido levado sem nenhuma razão o meu povo?” (Isa. 52, 5.)

Sumário. Peca Adão, nosso primeiro pai, e em castigo de seu pecado é expulso do paraíso terrestre com toda a sua descendência condenado a uma vida de misérias e excluído para sempre do céu. O Senhor, porém, teve compaixão dele, e como se a sua beatitude dependesse da dos homens, e Ele não pudesse ser feliz sem estes, resolveu a todo o custo salvá-los. Ó incompreensível amor de Deus! Mas, como é que nós Lhe temos correspondido?

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Adão, nosso primeiro pai, peca; desagradecido por tantos benefícios recebidos, revolta-se contra Deus, transgredindo o preceito de não comer da árvore proibida. Por esse motivo vê-se Deus constrangido a expulsá-lo agora do paraíso terrestre e a privar no futuro, tanto Adão como todos os descendentes deste revoltoso, do paraíso celeste e eterno, que lhes havia preparado para depois desta vida temporal. Eis, pois, todos os homens condenados a uma vida de trabalhos e misérias, e para sempre excluídos do céu. O demônio tem poder sobre eles, e incalculáveis são os estragos que o inferno continuamente faz.

Vendo, porém, o Senhor os homens reduzidos a tão mísero estado, compadeceu-se deles. Mas, como nos dá a entender o profeta Isaías, parece que Deus, por assim dizer, se lamenta e se aflige, dizendo: Et nunc quid mihi est hic, quoniam ablatus est populus meus gratis? — “E agora, que tenho Eu que fazer aqui, visto ter sido levado sem nenhuma razão o meu povo?” Como se quisesse dizer: que me restou de delícia no paraíso, uma vez que perdi os homens que eram as minhas delícias? Mas, não; quero a todo o custo salvá-los; venha, por isso, um redentor, que em lugar do homem satisfaça à minha justiça e assim o redima da morte eterna.

Mas, meu Senhor, tendes no céu tantos serafins e tantos anjos, e de tal modo Vos aflige o terdes perdido os homens? Que precisão tendes Vós, tanto dos anjos como dos homens, para a perfeição de vossa beatitude? Sempre tendes sido e sempre sois felicíssimo em Vós mesmo: que poderá jamais faltar à vossa felicidade que é infinita? — Tudo isso é verdade (assim o faz responder o cardeal Hugo), mas, perdido o homem, afigura-se-me ter perdido tudo, porquanto as minhas delícias eram estar com os homens; agora perdi os homens, e os infelizes estão condenados a viver para sempre longe de mim. — Ó amor imenso de Deus! Ó amor incompreensível! Ó amor infinito! Continuar lendo

PRIMEIRO DOMINGO DO ADVENTO: A TEMERIDADE DO PECADOR E O DIA DO JUÍZO

Resultado de imagem para juizo finalVidebunt Filium hominis venientem in nube cum potestate magna et maiestate — “Verão o Filho do homem que virá sobre uma nuvem com grande poder e majestade” (Luc. 21, 27).

Sumário. Uma consideração séria nos ensina que não há atualmente no mundo pessoa mais desprezada de que Jesus Cristo; pois é injuriado tão continuamente e com tão desenfreada liberdade, como não o seria o mais vil dos homens. Eis porque o Senhor destinou um dia, no qual virá, com grande poder e majestade, a reivindicar a sua honra. Recorramos agora ao trono da divina misericórdia, para que naquele dia não sejamos condenados pela justiça de Deus.

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I. Considerando bem, não há no mundo atualmente quem seja mais desprezado que Jesus Cristo. Trata-se com mais consideração um aldeão ao ver-se por demais ofendido incessantemente e de caso pensado, como se não pudesse vingar-se quando quisesse. Por isso o Senhor marcou um dia (chamado com razão, na Escritura Sagrada, o dia do Senhor, Dies Domini), quando vai dar-se a conhecer tal como é: Cognoscetur Dominus iudicia faciens (1). Diz São Bernardo, explicando este texto: O Senhor será conhecido quando vier a fazer justiça, ao passo que agora, porque quer usar de misericórdia, é desconhecido. Então esse dia não mais se chama de misericórdia e de perdão, senão dia de ira, dia de tribulação e de angústia, dia de calamidade e de miséria (2).

Conforme nos ensina o Evangelho de hoje, esse dia será precedido de sinais pavorosos. “Haverá sinais no sol, na lua e nas estrelas; na terra os povos estarão angustiados sob o rugido surdo e confuso do mar e das ondas; os homens morrerão com medo dos males que hão de vir sobre o mundo. Por fim, as virtudes dos céus (isto é, na interpretação dos Padres, os nove coros dos Anjos) se comoverão, e então se verá aparecer sobre as nuvens o Filho do homem, com grande poder e majestade”, a reivindicar a glória que os pecadores nesta terra lhe quiseram tirar.

Diz Santo Tomás: “Se, no horto de Getsêmani, com as palavras de Jesus Cristo: Ego sum, caíram por terra todos os soldados que O tinham vindo prender, que será, quando Jesus, sentado para julgar, disser aos condenados: “Aqui estou, sou eu aquele a quem tanto haveis desprezado”…; que será quando pronunciar contra eles a sentença eterna: “Apartai-vos de mim, malditos, para o fogo eterno! — Discedite a me, maledicti, in ignem aeternum! (3)”

II. O dia do Juízo, assim como será para os réprobos um dia de pena e de terror, será, ao contrário, para os escolhidos um dia de regozijo e triunfo; porque, então, à vista de todos os homens, as suas beatas almas serão proclamadas rainhas do paraíso e feitas esposas do Cordeiro imaculado. Oh! Que ventura experimentarão os bem-aventurados, quando Jesus, voltando-se para a direita, lhes disser: “Vinde, meus benditos filhos, vinde possuir o reino dos céus que vos foi preparado: possidete paratum vobis regnum!” (4)

Irmão meu, o que será de ti naquele dia? São Jerônimo, quando passava os dias na Gruta de Belém, em continuas orações e mortificações, tremia só em pensar no Juízo universal. O venerável P. Juvenal Ancina, lembrando-se do Juízo ao ouvir cantar a seqüência da Missa de defuntos, Dies irae, dies illa, deixou o mundo e fez-se religioso. E tu, o que fazes para mereceres no dia do Juízo as bênçãos divinas, em companhia dos escolhidos?

Com o intuito de nos preparar para o Santo Natal, a Igreja propõe hoje o Juízo à nossa meditação. Sabendo que Nosso Senhor, na sua primeira vinda, apareceu num trono de graça e que na segunda aparecerá num trono de justiça rigorosíssima, quer que procuremos agora recorrer a Jesus afim de experimentarmos os efeitos de sua infinita misericórdia. Aproximemo-nos com confiança do trono de graça: Adeamus ergo cum fidúcia ad thronum gratiae (5).

Ah! Jesus meu e meu Redentor, Vós que um dia haveis de ser o meu juiz: perdoa-me antes que chegue esse dia. Agora, sois meu Pai, e como tal recebeis na vossa graça um filho que, arrependido, se prostra a vossos pés. Meu Pai, eu Vos amo de todo o meu coração e no futuro não me quero mais afastar de Vós, não quero mais ter a temeridade de voltar a ofender-Vos.

Mas já que conheceis a minha fraqueza, ajudai-me com a vossa graça. “Excitai, Senhor, o vosso poder e vinde em meu auxílio, a fim de que, mediante a vossa proteção, livrado dos perigos iminentes por causa de meus pecados, mereça ser salvo por Vós.” (6) Fazei-o pelo amor de Maria Santíssima. (*II 113.)

  1. Sal. 9, 17.
    2. Soph 1, 15.
    3. Matth. 25, 41.
    4. Matth. 25, 34.
    5. Hebr. 4, 16.
    6. Or. Dom. curr.

Meditações: Para todos os Dias e Festas do Ano: Tomo I – Santo Afonso

MARIA SANTÍSSIMA CONDUZ OS SEUS SERVOS AO PARAÍSO

mariaQui me invenerit, inveniet vitam, et hauriet salutem a Domino — “Aquele que me achar, achará a vida, e haverá do Senhor a salvação” (Prov. 8, 35).

Sumário. De que seve inquietarmo-nos com as sentenças das escolas sobre a predestinação para a glória? Quem é verdadeiramente servo de Maria está certo de que está escrito no livro da vida e se salvará; porque de todos aqueles que perseveram na sua devoção a esta bem-aventurada Mãe, ninguém se perdeu. Só se condena aquele que não recorre a ela ou deixa de ser seu servo. Procuremos, portanto, entrar sempre mais e permanecer nesta arca da salvação; e cada vez que nos for possível, procuremos, por palavras e exemplos, fazer que outros também ali entrem.

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Oh! Que belo sinal de predestinação têm os servos de Maria! A santa Igreja aplica a esta bem-aventurada Mãe as palavras da Sabedoria divina e lhe faz dizer:In omnibus requiem quaesivi et in haereditate Domini morabor(1) — “Em toda parte busquei repouso e morarei na herança do Senhor”. A Santíssima Virgem, pelo amor que tem para com os homens, procura fazer que em todos reine a sua devoção. Muitos ou não a recebem, ou não a conservam; porém, bem-aventurado aquele que a recebe e a conserva, porque nesta devoção habita em todos aqueles que são a herança do Senhor, isto é, que irão ao céu louvá-Lo eternamente.

Qui audit me, non confundetur (2) — “Aquele que me ouve, não será confundido”. De todos aqueles que recorreram a esta Rainha de misericórdia, nenhum ficou confundido. A experiência de todos os dias demonstra que aqueles que operam por ela, que a honram, e especialmente aqueles que com palavras e exemplos procuram que outros também a amem, nunca cairão em pecado e viverão eternamente. Numa palavra, diz Maria Santíssima: Aquele que me achar, achará a vida, e haverá do Senhor a salvação. Ao contrário, aquele que de mim se afastar, achará infalivelmente a morte; porque ficará privado daqueles socorros que não se dispensam aos homens senão pelo meu intermédio. — É assim que a santa Igreja, de acordo com todos os Doutores, faz a divina Mãe falar, para conforto dos seus servos. — De que serve, pois, inquietarmo-nos com as sentenças das Escolas, sobre se a predestinação para a glória é anterior ou posterior à previsão dos merecimentos? Se estamos ou não escritos no livro da vida? Se formos verdadeiros servos de Maria, e alcançarmos a sua proteção, seguramente nele havemos de ser inscritos e nos salvaremos.

Santa Maria Madalena de Pazzi viu no meio do mar uma pequena nau, em que estavam embarcados todos os devotos de Maria, e ela, fazendo ofício de piloto, seguramente os conduzia ao porto do céu. Procuremos, pois, entrar nesta nau bem aventurada da proteção de Maria, sejamos devotos verdadeiros da Virgem, pois assim estaremos seguros de alcançar o reino do céu. Continuar lendo

A PAIXÃO DE JESUS CRISTO, NOSSA CONSOLAÇÃO

paixRecogitate eum qui talem sustinuit a peccatoribus adversum semetipsum contradictionem, ut ne fatigemini, animis vestris deficientes — “Não deixeis de pensar naquele que dos pecadores suportou contra si uma tal contradição; para que não vos fatigueis, desfalecendo em vossos ânimos” (Hebr. 12, 3).

Sumário. O Senhor chama com razão a si todos aqueles que sofrem e gemem sob o peso das tribulações; porque neste vale de lágrimas ninguém nos pode consolar tanto como Jesus crucificado. Em todas as perseguições, calúnias, desprezos, enfermidades, misérias, especialmente em vendo-nos opressos pelos sofrimentos e abandonados por todos, lancemos um olhar sobre a cruz de Jesus, lembremo-nos do muito que Ele sofreu por nós, unamos os nossos sofrimentos aos de Jesus e teremos achado o remédio mais eficaz para todos os nossos males.

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Neste vale de lágrimas, quem nos pode consolar melhor do que Jesus crucificado? Nos remorsos de consciência, suscitados pela lembrança de nossos pecados que poderá melhor suavizar as nossas angústias, do que a certeza de que Jesus Cristo se quis entregar à morte a fim de satisfazer pelas nossas culpas?Dedit semetipsum pro peccatis nostris(1) — “(Jesus) se deu a si mesmo pelos nossos pecados”. Em todas as perseguições, calúnias, desprezos, privações de bens e dignidades que nos sobrevêm na nossa vida, quem nos poderá melhor fortalecer, para sofrermos com paciência e resignação, do que Jesus Cristo desprezado, caluniado e pobre, que morre numa cruz nu e abandonado por todos?

Quando estamos doentes, deitamo-nos numa cama bem arranjada; quando, porém, Jesus estava enfermo na cruz na qual morreu, não teve outro leito senão um rude lenho, em que foi pregado com três cravos; nem teve outro travesseiro senão a coroa de espinhos, que continuou a atormentá-lo até ao último suspiro. Quando estamos doentes, vemos o leito rodeado de parentes e amigos, que se compadecem de nós, e nos procuram distrair; Jesus morreu cercado de inimigos, que ainda na hora da sua agonia e da morte já próxima o injuriavam e escarneciam como a um malfeitor e sedutor.

Nada consola tanto um enfermo nas dores que sofre, especialmente quando na sua enfermidade se vê abandonado por todos os mais, como a vista de Jesus crucificado. Ah! O alívio maior que então pode experimentar um pobre enfermo, é unir os próprios sofrimentos aos de Jesus Cristo. — Ainda nas angústias mais acerbas da morte, tais como os assaltos do inferno, a vista dos pecados cometidos e as contas que em breve se terá que dar ao Juiz divino, a única consolação que pode haver um moribundo, já nas vascas da morte, é abraçar o Crucifixo e dizer: Meu Jesus e meu Redentor, Vós sois o meu amor e a minha esperança. Continuar lendo

DO AMOR DE DEUS – PONTO III

Imagem relacionadaAumentará em nós a admiração, se considerarmos o desejo veementíssimo que tinha Nosso Senhor Jesus Cristo de sofrer e morrer por nós.

“Hei de ser batizado com o batismo do meu próprio sangue e sinto-me morrer no desejo de ver chegar a hora da minha paixão e morte, a fim de que o homem reconheça o amor que lhe tenho” (Lc 12,50)

Assim dizia o Filho de Deus em sua vida terrena. O mesmo sentimento lhe fez ainda dizer na noite que precedeu a sua dolorosa paixão:

“Desejei ardentemente celebrar esta Páscoa convosco” (Lc 22,15)

Parece, pois, diz São Basílio de Selêucia, que nosso Deus tem amor insaciável pelos homens.

Meu Jesus! Os homens não vos amam porque não ponderam o amor que lhes dedicais. Como é possível que a alma que considera um Deus morto por amor dela, e com tão grande desejo de morrer para lhe demonstrar o seu afeto, viva sem o amar?… São Paulo diz que não é tanto o que Jesus Cristo fez e sofreu, como o amor que nos testemunhou sofrendo por nós, que nos obriga e quase nos força a que o amemos (2Cor 5,14). À consideração deste sublime mistério, São Lourenço Justiniano exclamava: Vimos um Deus enlouquecido de amor por nós.

E, na verdade, se a fé não o afirmasse, quem é que poderia crer que o Criador quis morrer pelas suas criaturas?… Santa Madalena de Pazzi, num dos seus êxtases, tendo nas mãos uma imagem do Crucificado, chamava Jesus louco de amor. O mesmo diziam os gentios, quando ouviam pregar a morte de Cristo, que lhes parecia incrível loucura, segundo nos atesta o Apóstolo: Continuar lendo

DA ASSISTÊNCIA À SANTA MISSA

missaImmolabit (agnum) universa multitudo filiorum Israel — “Toda a multidão dos filhos de Israel imolará (um cordeiro)” (Ex. 12, 6).

Sumário. Para ouvir a missa com devoção, devemos ter bem presente que o sacrifício do altar é o mesmo que foi um dia oferecido no Calvário, posto que se ofereça sem derramamento de sangue. Avivemos, pois, a nossa fé, e, quando assistirmos aos augustos mistérios, afiguremo-nos que em companhia de Maria Santíssima e de São João estamos ao pé da árvore da Cruz, para oferecer ao Pai Eterno a vida de seu Filho adorável. E, quando tivermos a ventura de comungar, façamos que bebemos o Sangue preciosíssimo do Coração amável de Jesus Cristo.

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Para ouvir a missa com devoção, devemos ter bem presente que o sacrifício do altar é o mesmo que foi oferecido um dia no Calvário; com esta diferença: que ali o sangue de Jesus se derramou realmente, e aqui só se derrama misticamente. Se então tivesses estado no Calvário, com que devoção e ternura terias assistido a tão sublime sacrifício! Aviva, pois, a tua fé e pensa que a mesma oferenda de então se renova sobre o altar pela mão do sacerdote. Por isso, cada vez que assistires à missa, afigura-te que em companhia de Maria Santíssima e de São João te achas ao pé da árvore da Cruz, para ofereceres a Deus Pai a vida de seu adorável Filho. Se tiveres ainda a ventura de comungar, faze que da chaga do sagrado Coração de Jesus estás bebendo o seu preciosíssimo Sangue.

Além disso deves lembrar-te que o assistir à missa é de algum modo oferecê-la; porque o sacerdote, sendo ministro público, obra, fala e ora em nome de todos os fiéis e em particular daqueles que assistem. De modo que, ouvindo devotamente a missa, também tu, posto que não sejas sacerdote, ofereces de algum modo a Deus um sacrifício de valor infinito, e pagas-Lhe, segundo a justiça, as quatro grandes dividas que Lhe deves: a de honrá-Lo tanto como merece a sua grandeza; a de satisfazer-Lhe, conforme exige a sua justiça; a de agradecer-Lhe à proporção da sua liberalidade; e finalmente a de pedir-Lhe tudo o que exige a nossa miséria.

É, pois, com razão que um autor célebre dizia: “Antes quisera eu perder o mundo inteiro, do que uma só missa, porque sei que o que na terra podemos fazer de mais sublime para a glória de Deus é exatamente a missa, na qual o próprio Jesus Cristo se oferece para dar a seu Pai uma glória infinita. — Que consolo sinto depois de assistir à missa! Então, posto que não seja sacerdote, eu também ofereci à Deus um sacrifício de valor infinito. Ó meu amado Jesus, que tesouro inestimável possuímos em Vós, se soubéssemos apreciá-lo.” (1) Continuar lendo

DO AMOR DE DEUS – PONTO II

Resultado de imagem para rezando crucifixoDeus não se limitou a dar-nos todas essas formosas criaturas do universo, mas não viu satisfeito o seu amor enquanto não veio a dar a si próprio por nós (Gl 2,20). O maldito pecado nos fez perder a graça divina e o céu, tornando-nos escravos do demônio. Mas o Filho de Deus, com espanto do céu e da terra, quis vir a este mundo, fazer-se homem para remir-nos da morte eterna e reconquistar-nos a graça e o paraíso perdido. Que maravilha seria ver um poderoso monarca tomar a forma e a natureza de um verme por amor aos homens.

“Humilhou-se a si mesmo, tomando a forma de servo… e reduzindo-se à condição de homem…” (Fl 2,7)

Um Deus revestido de carne mortal! E o Verbo se fez carne (Jo 1,14). Mas o prodígio ainda aumenta, quando se considera o que fez e sofreu depois por nosso amor esse Filho de Deus. Para nos remir, era bastante uma só gota de seu sangue preciosíssimo, uma só lágrima, uma só súplicas, porque esta oração, sendo um ato de pessoa divina, teria infinito valor e era suficiente para resgatar não só um mundo, mas uma infinidade de mundos que houvesse. Observa, entretanto, São João Crisóstomo que aquilo que bastava para resgatar-nos, não era bastante para satisfazer o imenso amor, que Deus nos tinha. Não queria unicamente salvar-nos, mas que muito o amássemos, porque ele muito nos amava. Escolheu vida de trabalhos e de humilhações e a morte mais amargurada entre todas as mortes, a fim de nos fazer compreender o infinito e ardentíssimo amor em que ardia por nós.

“Humilhou- se a si mesmo, fez-se obediente até à morte e morte de cruz” (Fl 2,8)

Ó excesso de amor divino que nunca os anjos nem os homens chegarão a compreender! Digo excesso, porque é exatamente assim que se exprimiam Moisés e Elias no Tabor, falando da Paixão de Cristo (Lc 9,31). “Excesso de dor, excesso de amor”, disse São Boaventura. Continuar lendo

A PENA DA PERDA DE DEUS É O QUE FAZ O INFERNO

infernoIniquitates vestrae diviserunt inter vos et Deum vestrum — “As vossas iniqüidades fizeram uma separação entre Vós e vosso Deus” (Is. 59, 2)

Sumário. A malícia do pecado mortal consiste no desprezo da graça divina e na perda voluntária de Deus, o Bem supremo. Com toda a justiça, pois, a maior pena do pecador no inferno é tê-lo perdido, sem esperança de O tornar a achar. Se quisermos ter uma garantia de não incorrermos em tamanha desgraça, demo-nos inteiramente e sem reservas ao Senhor. O que não se dá inteiramente a Deus ou o serve com tibieza, corre grande risco de O perder para sempre.

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A gravidade da pena deve corresponder à gravidade do delito. Os teólogos definem o pecado mortal por estas duas palavras:aversio a Deo— “aversão de Deus”. Eis, pois, em que consiste a malícia do pecado mortal: consiste no desprezo da graça divina e na perda voluntária de Deus, o Bem supremo. Pelo que com toda a justiça a maior pena do pecador no inferno é o ter perdido a Deus.

São grandes as demais penas do inferno: o fogo que devora, as trevas que obcecam, os uivos dos condenados que ensurdecem, o mau cheiro que faria morrer aqueles desgraçados se pudessem morrer, a estreiteza que os oprime e lhes tolhe a respiração; mas todas estas penas nada são comparadas com a perda de Deus. No inferno os réprobos choram eternamente, mas o objeto mais amargoso do seu choro é o pensar que perderam a Deus pela sua culpa.

Ó Deus, que grande bem perderam eles! Durante esta vida os objetos que nos rodeiam, as paixões, as ocupações temporais, os prazeres dos sentidos, as contrariedades não nos deixam contemplar a beleza e bondade infinita de Deus. Mas uma vez que a alma sai do corpo, reconhece logo que Deus é um bem infinito, infinitamente formoso, e digno de amor infinito. E sendo que foi criada para ver e amar esse Deus, quisera logo elevar-se a Ele e com Ele unir-se. Como, porém, está em pecado, acha levantado um muro impenetrável, quer dizer, o pecado mesmo que lhe fecha para sempre o caminho para Deus: As vossas iniqüidades fizeram uma separação entre vós e o vosso Deus. — Meu Senhor, graças Vos dou, porque não me foi ainda fechado este caminho, como tinha merecido, e porque posso ainda ir para Vós. Peço-Vos, não me repilais! Meu Jesus, com Santo Inácio de Loyola Vos direi: Aceito toda a pena, mas não a de ser privado de Vós. Continuar lendo

NA MORTE TUDO ACABA

cemitDies mei breviabuntur; et solum mihi superest sepulchrum — “Os meus dias se abreviam, e só me resta o sepulcro” (Iob 17, 1).

Sumário. A felicidade da vida presente é comparada por Davi ao sono de um homem que desperta; porque os bens deste mundo parecem grandes, mas em realidade nada são e duram pouco, como pouco dura o sono e logo se evapora. Já que nos temos que separar um dia desses bens, desprendamo-nos de tudo aquilo que nos afasta ou nos pode afastar de Deus, e não deixemos para amanhã o bem que podemos fazer hoje. Por terem procrastinado o bem, quantos se acham agora no purgatório e quiçá no inferno!

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Davi chama à felicidade da vida presente sonho de um homem que desperta:Velut somnium surgentium(1); porque os bens deste mundo parecem grandes, mas em realidade nada são e duram pouco, assim como pouco dura o sonho e logo se evapora. Este pensamento determinou São Francisco de Borja a dar-se inteiramente a Deus.

O Santo foi encarregado de acompanhar à Granada o corpo da imperatriz Isabel. Quando abriram o caixão, o aspecto horrível e o mau cheiro do cadáver afugentaram toda a gente. Mas Francisco, guiado pela luz divina, deteve-se a contemplar naquele cadáver a vaidade do mundo e exclamou fitando-o: “Sois vós então a minha imperatriz? Sois vós aquela diante de quem se prostravam respeitosos tão notáveis personagens? Ó Isabel, minha senhora, que é feito da vossa majestade, da vossa beleza?”… “É, pois, assim”, concluiu consigo, “que terminam as grandezas e coroas da terra! Quero para o futuro servir um senhor que me não possa ser roubado pela morte.” Desde então consagrou-se inteiramente ao amor de Jesus crucificado, fazendo voto de abraçar o estado religioso, o que depois executou entrando na Companhia de Jesus.

Tinha, portanto, razão certo homem desiludido quando escreveu estas palavras sobre um crânio: Cogitanti vilescunt omnia — “Tudo se afigura desprezível àquele que reflete”. Quem pensa na morte, não pode amar a terra. Mas porque é que há tantos desgraçados que amam este mundo? Porque não pensam na morte. — Filii hominum, usquequo gravi corde (2) — Pobres filhos de Adão, diz o Espírito Santo, porque não arrancais do coração tantas afeições terrenas que vos fazem amar a vaidade e a mentira? O que aconteceu a vossos pais, acontecer-vos-á também. Habitaram eles essa mesma morada, dormiram nesse mesmo leito, e agora não estão mais aí. O mesmo vos acontecerá igualmente. Continuar lendo

DO AMOR DE DEUS – PONTO I

Resultado de imagem para praying crucifixNos ergo diligamus Deum, quoniam Deus prior dilexit nos – “Amemos nós a Deus, porque Deus nos amou primeiro” (1 Jo 4, 19)

Considera, antes de tudo, que Deus merece o teu amor, porque ele te amou antes de ser amado por ti, e, de todos quantos te hão amado, é o primeiro (Jr 31,3). Os primeiros que te amaram neste mundo foram teus pais, mas só te amaram depois que te conheceram. Mas Deus já te amava antes de existires. Mesmo antes da criação do mundo, Deus já te amava. E quanto tempo antes de ter criado o mundo começou a te amar?… Talvez mil anos, mil séculos?… Mas não computemos anos nem séculos. Deus te amou desde toda a eternidade (Jr 31,3). Enfim: desde que Deus é Deus, sempre te tem amado; desde que se amou a si mesmo, também amou a ti. Com razão, dizia a virgem Santa Inês:

“Outro amante me cativou primeiro”

Quando o mundo e as criaturas requestaram o seu amor, ela respondia: Não, não vos posso amar. Meu Deus foi o primeiro a amar-me, e é justo, portanto, que só a ele consagre todo o meu amor.

Assim, meu irmão, Deus te tem amado desde toda a eternidade; e só por amor te escolheu entre tantos homens que podia criar, deu-te a existência, colocou-te no mundo e, além disso, tirou do nada inumeráveis e formosas criaturas que te servem e te lembram esse amor que ele te dedica e que tu lhe deves.

“O céu, a terra e todas as criaturas, dizia Santo Agostinho, me convidam a amar-vos”

Quando este Santo contemplava o sol, a lua, as estrelas, os montes e os rios, parecia-lhe que tudo falava, dizendo: Ama a Deus, que nos criou para ti, a fim de que o ames. O Padre Rancé, fundador da Trapa, não via os campos, as fontes e os mares, sem recordar-se, por meio dessas coisas criadas, do amor que Deus lhe tinha. Também Santa Teresa disse que as criaturas lhe repreendiam a ingratidão para com Deus. E Santa Margarida de Pazzi, ao contemplar a formosura de alguma flor ou de um fruto, sentia o coração transpassado pelas flechas do amor divino e exclamava: O Senhor, desde toda a eternidade, pensou em criar estas flores, a fim de que o ame! Considera, além disso, o particular amor de Deus, fazendo-te nascer num país cristão e no seio da santa Igreja. Quantos vêm ao mundo entre idólatras, judeus, maometanos e heréticos, e por isso se perdem!… Continuar lendo