NECESSIDADE DA MANSIDÃO E DA HUMILDADE PARA O RELIGIOSO

ORDENAÇÕES DOS CAPUCHINHOS DE MÓRGON – 2018 | DOMINUS EST

Discite a me, quia mitis sum et humilis corde; et invenietis requiem animabus vestris – “Aprendei de mim que sou manso e humildade de coração e achareis descanso para vossas almas” (Matth. 11, 29).

Sumário. As virtudes que o Senhor exige particularmente dos religosos que vivem em comunidade, são a humildade e a mansidão. Quem vive solitário nos desertos não precisa tanto delas; mas quem vive em comunidade, se não é manso e humilde, cairá cada dia em mil defeitos e passará uma vida inquieta, porque é impossível que não sofra ou repreensões do superior ou desgostos dos companheiros. Para que serve um religioso que não sabe suportar por Deus um desprezo, uma humilhação, uma contrariedade? Ele será sempre um soberbo ao qual a graça divina resistirá: Deus resiste aos soberbos.

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O nosso amabilíssimo Redentor Jesus quis ser chamado Cordeiro, exatamente para significar quanto Ele era manso e humilde. Estas foram as virtudes que principalmente quis que de si aprendessem os seus discípulos: Aprendei de mim, que sou manso e humilde de coração. E são estas também as que Jesus exige particularmente dos religiosos, que fazem profissão de imitar sua vida sacrossanta. – Quem vive solitário nos desertos não tem tanta necessidade destas virtudes; mas quem vive em comunidade, é impossível que não sofra ou  repreensões dos superiores, ou desgostos dos companheiros. Pelo que um religioso que não ama a mansidão, cairá cada dia em mil defeitos, e passará uma vida inquieta.

O religioso é preciso que seja todo doçura para com todos, estranhos e companheiros, e ainda para com os súditos, se é superior; considerando, se é súdito, que lhe vale mais um ato de mansidão em suportar os desprezos e as repreensões, do que mil jejuns e disciplinas. – Dizia São Francisco, que muitos põem a sua perfeição nas mortificações externas e depois não sabem suportar uma palavra injuriosa; não compreendem que se adquire maior mérito pelo sofrimento das injúrias. Quantas pessoas – pondera ainda São Bernardo – , são todas doçura, quando não se diz ou não se faz nada contra o seu gênio; mas depois, nas ocasiões contrárias, fazem conhecer a sua pouca mansidão!

Quem é superior, note que aproveitará mais aos súditos uma repreensão feita com doçura do que cem outras feitas com aspereza. Mansuetus utilis sibi et aliis – “O manso é útil a si próprio e aos outros”, ensina São João Crisóstomo. – Em suma, como diz o mesmo Santo, o sinal mais certo de uma alma virtuosa é vê-la mansa nas ocasiões. Um coração manso faz as delícias do mesmo Deus que nele se compraz: Beneplacitum est illi fides et mansuetudo (1). Continuar lendo

XII DOMINGO DEPOIS DE PENTECOSTES: O BOM SAMARITANO E O DIVINO REDENTOR

Bom-SamaritanoSamaritanus quidam, iter faciens, venit secus eum; et videns eum, misericordia motus est – Um Samaritano, que ia seu caminho, chegou perto dele, e quando o viu, moveu-se à compaixão (Luc. 10, 33).

Sumário. Sob a imagem do bom Samaritano do Evangelho de hoje, Jesus Cristo representou-se a si mesmo. Por nosso amor desceu sobre a terra e se fez homem; curou as chagas de nossa alma, derramando sobre elas o azeite de sua graça e o vinho de seu preciosíssimo sangue; pelo santo batismo levou-nos ao albergue da Igreja e confiou-nos aos pastores das almas. Como temos até agora correspondido a tanta graças? . . . Esforcemo-nos, ao menos, por amar a nosso Deus de todo o coração; e por amor d’Ele amemos também ao próximo como a nós mesmos.

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I. Narra Jesus Cristo no Evangelho de hoje, que um homem descia de Jerusalém para Jericó e caiu em mãos de salteadores. Estes o despojaram, feriram-no e deixaram-no quase morto. Aconteceu que um sacerdote vinha pela mesma estrada; ele viu este homem e passou adiante; um levita também o viu e seguiu. Mas um Samaritano, chegando perto, se moveu à compaixão; ligou-lhe as feridas, derramando nelas azeite e vinho, pô-lo sobre a sua própria cavalgadura e conduziu-o a uma hospedaria, onde, recomendando-o ao hospedeiro, disse: “Cuida deste homem, e tudo o que gastares na volta pagar-te-ei” — Curam illius habe.

Na explicação desta parábola, os Santos Padres vêem na figura do homem que caiu nas mãos de assassinos, o gênero humano, que pela desobediência de Adão caiu no poder de Satanás e foi não somente despojado da justiça original, mas, além disso, enfraquecido pela concupiscência e ferido em todas as faculdades da alma. Nem o Sacerdote, nem o levita, que representam a Lei antiga, quiseram ou puderam auxiliar o infeliz em sua desgraça.

Mas o Filho de Deus, o verdadeiro Samaritano, quis, com grande pasmo do céu e da natureza, vir sobre esta terra e fazer-se homem por nosso amor; curou as feridas de nossa alma, derramando sobre elas o azeite da sua graça e o vinho de seu preciosíssimo sangue. Pelo santo Batismo levou-nos ao albergue de sua Igreja e entregou-nos aos médicos das almas, para o tratamento ulterior. — Paremos aqui para considerarmos um pouco o excesso da misericórdia de Jesus Cristo e para examinarmos o modo como lhe temos correspondido até agora. Continuar lendo

DA ETERNIDADE DO INFERNO – PONTO III

Imagem relacionadaNo inferno, o que mais se deseja é a morte.

“Buscarão os homens a morte e não a encontrarão” (Ap 9,6)

Por isso, exclama São Jerônimo:

“Ó morte, quão agradável serias àqueles para quem foste tão amarga!”

Disse David que a morte se apascentará com os réprobos (Sl 48,15). E explica-o São Bernardo, acrescentando que, assim como, ao pastar, os rebanhos comem apenas as pontas das ervas e deixam a raiz, assim a morte devora os condenados, mata-os a cada instante e conserva-lhes a vida para continuar a atormentá-los com castigo eterno.

De sorte que, diz São Gregório, o réprobo morre continuamente sem morrer nunca. Quando um homem sucumbe de dor, todos têm compaixão dele. Mas o condenado não terá quem dele se compadeça.

Estará sempre a morrer de angústia e não encontrará comiseração… O imperador Zenão, sepultado vivo numa masmorra, gritava e pedia que, por piedade, o retirassem dali, mas não o atenderam e, depois, o encontraram morto. As mordeduras que a si mesmo havia feito nos braços, patenteavam o horrível desespero que sentira… Os condenados, exclama São Cirilo de Alexandria, gritam no cárcere infernal, mas ninguém acode a libertá-los, ninguém deles se compadecerá jamais.

E quanto tempo durará tão triste estado?… Sempre, sempre. Lê-se no Exercícios Espirituais, do Pe. Segneri, publicados por Muratori, que, em Roma, se interrogou a um demônio (na pessoa de um possesso), quanto tempo devia ficar no inferno… Respondeu com raiva e desespero: Sempre, sempre!… Foi tal o terror que se apoderou dos circunstantes, que muitos jovens do Seminário Romano, ali presentes, fizeram confissão geral, e sinceramente mudaram de vida, consternados por esse breve sermão de duas palavras apenas… Continuar lendo

GRANDEZAS INEFÁVEIS DE MARIA SANTÍSSIMA

mariaEgo ex ore Altissimi prodivi, primogenita ante omnem creaturam — “Eu saí da boca do Altíssimo, a primogênita antes de toda a criatura” (Ecclus. 24, 5)

Sumário. Assim como o divino Redentor, a Santíssima Virgem pode ser também chamada Filha primogênita de Deus. Primogênita na ordem da natureza; porque na criação do universo, depois da glória de si mesmo e de Jesus Cristo, o Senhor teve em mira a de Maria. Primogênita na ordem da graça; porque mais do que qualquer outro foi cheia de todas as graças celestiais. Primogênita na ordem da glória; por ser a Rainha de todos os Santos. Façamos um ato de fé acerca de todas estas grandezas da divina Mãe; demos graças a Deus em seu nome e pelos nossos obséquios procuremos desagravá-la de todos os ultrajes que recebe.

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É com razão que a Igreja põe na boca da Santíssima Virgem este elogio da divina Sabedoria: Eu saí da boca do Altíssimo como a primogênita; porquanto, semelhante a Jesus Cristo, ela é verdadeiramente a Filha primogênita de Deus, na ordem da natureza, da graça e da glória.

Primogênita na ordem da natureza, não quanto ao tempo, mas, como afirma São Bernardo, quanto à intenção; porque o eterno Artífice, projetando a formação do universo, dirigiu tudo, depois da sua própria glória e depois da de Jesus Cristo, para a glória de Maria. — Por isso se diz de Maria que ela não somente escolheu as coisas mais excelentes, mas dentre as coisas mais excelentes a ótima parte; porque o Senhor a dotou, em grau supremo, de todos os dons gerais e particulares conferidos às demais criaturas: Optimam partem elegit (1).

Maria é também a primogênita de Deus na ordem da graça; porque, sendo destinada a ser Mãe de Deus, foi, desde o primeiro instante de sua imaculada Conceição, tão enriquecida de graças, que levava vantagem a todos os anjos e santos juntos. — Nem deixou o grande cabedal de graças desaproveitado; mas, como estivesse dotada do uso perfeito da razão desde o seio de sua mãe, começou desde logo e continuou sempre a fazê-lo rendoso, e mesmo, como dizem os teólogos, a duplicá-lo em cada momento de sua longa vida. De sorte que ela pode dizer com verdade: Senhor, se não Vos amei tanto como o mereceis, ao menos Vos amei quanto me foi possível. Continuar lendo

GRANDES PENAS DE JESUS SOBRE A CRUZ

cruzDespectum et novissimum virorum, virum dolorum et scientem infirmitatem – “O mais desprezado e o último dos homens; homem de dores e experimentado nos trabalhos” (Is. 53, 3).

Sumário. Contemplemos Jesus suspenso no madeiro infame, cheio de dores e tormentos. Por fora está dilacerado pelos açoites, pelos espinhos e cravos; cada um de seus membros tem seu sofrimento particular. Por dentro está aflito e triste, desolado e desamparado de todos, mesmo do seu divino Pai. O que, porém, o atormenta mais é a vista dos pecados a serem cometidos pelos homens, remidos ao preço de seu sangue. Ah! Meu Redentor, eu também sou um dos ingratos que então vistes. Quem me dera ter morrido e nunca mais Vos ter ofendido!

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Jesus na cruz! Que espetáculo foi para os anjos do céu verem um Deus crucificado! Que impressão nos deve também fazer contemplarmos o Rei do céu suspenso num patíbulo, coberto de chagas, desprezado e amaldiçoado de todos, em agonia e morrendo de dor, sem consolação! Ó céus, porque é que padece tanto o divino Salvador, inocente e santo: padece para pagar as dívidas dos homens. Onde se viu jamais tal espetáculo? O Senhor morrer por seus servos! O Pastor morrer por suas ovelhas! O Criador sacrificar-se todo pelas suas criaturas!

Jesus na cruz! Eis aí o homem de dores, predito por Isaías: virum dolorum. Ei-lo sobre esse madeiro infame, atormentado exterior e interiormente. Exteriormente está dilacerado pelos açoites, pelos espinhos e pelos cravos; de toda a parte corre o sangue e cada um de seus membros tem o seu sofrimento particular. Interiormente está aflito e triste, desolado e abandonado de todos, até de seu próprio Pai. – Mas o que mais o atormenta no meio de tantas dores é a vista horrenda de todos os pecados, que ainda depois de sua morte seriam cometidos pelos homens remidos ao preço de seu sangue.

Sim: os ódios, os pecados impuros, os furtos, as blasfêmias, os sacrilégios, numa palavra, todos os pecados se apresentaram então aos olhos de Jesus Cristo e cada um deles, com a sua malícia própria, veio, qual fera cruel, dilacerar-lhe o Coração. – Queixava-se então Jesus: É assim, ó homens, que se me pagais o meu amor? Ah, se vos soubesse agradecidos, morreria satisfeito! Mas, o ver tantos pecados depois de tantas dores; tamanha ingratidão depois de tão grande amor – eis o que me faz morrer de pura tristeza. – Ah, meu Redentor! Entre esses ingratos me vistes também a mim com todos os meus pecados. Continuar lendo

DA ETERNIDADE DO INFERNO – PONTO II

Resultado de imagem para inferno eternoAquele que entrar uma vez no inferno jamais sairá de lá. A este pensamento o rei David exclamava trêmulo:

“Não me trague o abismo, nem o poço feche sobre mim a sua boca” (Sl 68,16)

Apenas um réprobo cai naquele poço de tormentos, fecha-se sobre ele a entrada para nunca mais se abrir. No inferno só há porta para entrar e não para sair, disse Eusébio Emiseno; e explicando as palavras do salmista escreve:

“O poço não fecha a sua boca, porque se fechará a abertura em cima e se abrirá em baixo para devorar os réprobos”

Enquanto vivo, o pecador pode ter alguma esperança, mas, se a morte o surpreender em pecado, perderá toda a esperança (Pr 11,7). Se os condenados pudessem ao menos embalar-se em alguma enganosa ilusão que aliviasse o seu desespero horrível!… O pobre enfermo, ferido e prostrado em seu leito, desenganado dos médicos, talvez se iluda a respeito de seu estado, pensando que encontre algum médico ou remédio novo que o possa curar. O infeliz delinquente, condenado à prisão perpétua, também procura alívio em seu pesar na esperança remota de evadir-se e desta maneira obter a liberdade… Conseguisse sequer o condenado iludir-se assim, pensando que algum dia poderia sair da sua prisão!… Mas não; no inferno não há esperança, nem certa nem provável; não há até um quem sabe? consolador (Sl 49,21). O desgraçado réprobo verá sempre diante de si a sentença que o obriga a gemer perpetuamente nesse cárcere de sofrimentos.

“Uns para a vida eterna, e outros para o opróbrio que terão sempre diante dos olhos” (Dn 12,2)

O réprobo não sofre somente a pena de cada instante, mas a cada instante a pena da eternidade. Continuar lendo

A SANTÍSSIMA EUCARISTIA É UMA FORNALHA DE AMOR

comunIntroduxit me rex in cellam vinariam, ordinavit in me caritatem – “O rei me introduziu na sua adega, ordenou em mim a caridade” (Cant. 2, 4).

Sumário. É com razão que os santos sempre consideraram os santos altares como outros tantos tronos de amor, onde Jesus Cristo inflama e abrasa em santo amor as suas almas prediletas. Como será então possível que a alma, que se prepara com as devidas disposições para receber dentro de si esta fornalha de amor, não fique toda abrasada e ardente? Não tenhamos a insensatez de nos afastarmos do fogo, porque nos sentimos com frio; ao contrário, quanto mais frio sentirmos, com tanto mais frequência nos devemos chegar ao Santíssimo Sacramento, se ao menos desejamos amar a Deus.

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Ainda que a santíssima Eucaristia seja a fonte de todas as virtudes, tem todavia eficácia particular para nos abrasar no amor de Deus, que é o ápice da santidade e da perfeição. São Vicente Ferrer diz que a alma tira mais fruto de uma só comunhão, que de uma semana de jejum a pão e água. E Santa Maria Magdalena de Pazzi acrescenta que uma só comunhão bem feita basta para fazer um santo.

O rei me introduziu em sua adega, ordenou em mim a caridade. Segundo São Gregório de Nyssa, é a comunhão aquela adega misteriosa onde a alma de tal modo se embriaga do amor divino, que esquece a terra e todas as coisas criadas; é esta propriamente a languidez produzida pelo santo amor. O Padre Francisco Olympio dizia que nenhuma coisa é capaz de nos inflamar no amor divino como a santa comunhão.

Nem pode ser de outra forma; pois que o Verbo Eterno, que é o próprio amor, assegura que, vindo à terra, não teve outro intuito senão o de acender o fogo do amor: Ignem veni mittere in terram (1). Como será, pois, possível que a alma que se prepara com as devidas disposições para receber dentro de si este fogo de amor, não fique toda abrasada e consumida? – Eis porque os santos sempre consideraram os altares sagrados como outros tantos tronos de amor, onde Jesus Cristo abrasa e inflama as suas almas diletas. Continuar lendo

OS BENS DO CÉU SÃO INEFÁVEIS

ceuEt audivit arcana verba, quae non licet homini loqui – “Ouviu palavras misteriosas, que não é permitido ao homem referir” (2 Cor. 12, 4).

Sumário. As delícias do paraíso são de tal ordem que é preciso gozá-las para delas fazer alguma idéia. Basta considerarmos que nele reside um Deus onipotente, que se empenha em fazer felizes as almas que ama. Ali não há nada que desagrade; e há tudo quanto possa agradar. Felizes de nós, se tivermos a ventura de nele entrar; mas ao contrário, qual não seria a nossa aflição, se por desgraça nos viéssemos a perder, ao pensarmos que por um nada perdemos uma felicidade eterna.

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Façamos hoje algumas considerações a respeito do paraíso. Mas que diremos nós, se os santos mais iluminados não nos souberam dar uma idéia das delícias que Deus reserva aos seus servos fiéis? Davi não soube dizer outra coisa senão que o céu é um bem infinitamente desejável: Quam dilecta tabernacula tua, Domine virtutum! (1) – “Quão amáveis são os teus tabernáculos, ó Senhor das virtudes!” – Mas vós ao menos, ó São Paulo, vós que, num rapto sublime, pudestes contemplar o céu, dizei-nos alguma coisa do que vistes. Não, responde o Apóstolo, o que vi não se pode exprimir. As delícias do paraíso são mistérios tais que não é lícito referi-los; são tão grandes que é preciso gozá-las para as compreender. Tudo que vos posso dizer é que nunca nenhum homem na terra viu, ouviu, nem concebeu as belezas, as harmonias, os gozos que Deus preparou para os que o amam (2).

Não somos agora capazes de compreender os bens do céu, porque não conhecemos senão os bens desta terra. Se os cavalos fossem dotados de razão e soubessem que seu dono lhe preparou um magnífico banquete, imaginariam de certo que o banquete só seria composto de boa palha, aveia e cevada, porque os cavalos não têm idéia de outros alimentos. É assim que nós pensamos acerca dos bens do céu.

É belo, numa noite de verão, ver o céu semeado de estrelas; é agradável, na primavera, estar junto de um lago tranquilo e descobrir no fundo os bancos de areia recamados de ervas e os peixes que brincam; é delicioso estar num jardim cheio de flores e frutos, onde derivam alguns regatos e esvoaçam e cantam os passarinhos. Então, exclamamos: Oh, que paraíso! Como! Isso será o céu? Os prazeres do céu são totalmente diferentes. – Para deles fazermos uma leve idéia, basta considerarmos que no céu reside um Deus onipotente, todo ocupado em encher de delícias as almas daqueles a quem ama; e por isso, como diz São Bernardo, ali não há nada que desagrade e há tudo quanto agrade; Nihil est quod nolis, totum est quod velis. Continuar lendo

DA ETERNIDADE DO INFERNO – PONTO I

Imagem relacionadaEt ibunt hi in supplicium aeternum – “E estes irão para o suplício eterno” (Mt 25, 46)

Se o inferno não fosse eterno, não seria inferno. A pena que dura pouco, não é grande pena. Se a um doente se rompe um abscesso ou queima uma ferida, não deixará de sentir dor vivíssima; como, porém, esta dor passa em breve não se pode considerá-la como tormento grave.

Seria, porém, grande suplício, se a intervenção cirúrgica perdurasse semanas ou meses. Quando a dor é intensa, ainda que seja breve, torna-se insuportável. E não apenas as dores, até os prazeres e as diversões, prolongando-se em demasia, um teatro, um concerto, continuando, sem interrupção, durante muitas horas, causaria tédio insofrível.

E se durassem um mês, um ano? Que será, pois, no inferno, onde não é música, nem teatro que sempre se ouve, nem leve dor que se padece, nem ligeira ferida ou superficial queimadura de ferro candente que atormenta, mas o conjunto de todos os males, de todas as dores não em tempo limitado, mas por toda a eternidade? (Ap 20,10).

Esta eternidade é de fé; não é simples opinião, mas sim verdade revelada por Deus em muitos lugares da Sagrada Escritura.

“Apartai-vos de mim, malditos, para o fogo eterno. — E irão estes ao suplício eterno. — Pagarão a pena de eterna perdição. Todos serão assolados pelo fogo” (Mt 25,41.46; 2Ts 1,8; Mc 9,48) Continuar lendo

O PENSAMENTO DA MORTE FAZ PERDER O APEGO AOS BENS DO MUNDO

pensaDives cum dormierit, nihil secum aufert; aperiet óculos suos, et nihil inveniet – “O rico, quando dormir, nada levará consigo; abrirá os olhos e nada achará” (Iob 27, 19).

Sumário. Oh! Quão bem aprecia as coisas e dirige as suas ações, o que as aprecia e dirige tendo em vista a morte! Lembra-te, portanto, muitas vezes, meu irmão, de que todas as fortunas deste mundo acabam com um último suspiro, com um cortejo fúnebre. Em breve terás de ceder a outrem as tuas dignidades e riquezas. O túmulo será a morada do teu corpo até ao dia do juízo, e tua alma estará ou no céu, ou no inferno, para ali ficar eternamente. Então nada acharás senão o bem ou o mal que fizeste; tudo o mais terá acabado.

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É certa a morte. Ó céus! Sabem-no os cristãos, acreditam-no, vêem-no; como é, pois, que há tantos que vivem no esquecimento da morte, como se nunca tivessem de morrer? Se depois desta vida não houvesse nem inferno nem céu, poderiam pensar menos na morte do que atualmente pensam? E porque é que vivem tão mal como estão vivendo?

Meu irmão, se queres viver bem, procura viver o resto de teus dias sem perder a morte de vista. O mors, bonum est iudicium tuum (1) – “Ó morte, quão boa é a tua sentença!” Quão bem aprecia as coisas e dirige as suas ações o que as aprecia e dirige tendo em vista a morte! – A lembrança da morte faz perder o amor às coisas deste mundo, diz São Lourenço Justiniani: Consideretur vitae terminus, et non erit in hoc mundo quod ametur. Com  efeito; todos os bens do mundo se reduzem, na palavra de São João (2), aos prazeres dos sentidos, às riquezas e as honras. Ora, tudo isto é bem desprezível aos olhos do que reflete em que dentro em breve se tornará pó e será sepultado para servir de pasto aos vermes. Foi efetivamente à vista da morte que os santos desprezaram todos os bens da vida presente.

Que louco não seria o viajante que só pensasse em fazer figura no país que atravessa, e não se importasse que assim se reduz a viver depois vida miserável no país onde tem de ficar a vida toda? E não será igualmente insensato o que só procura ser feliz neste mundo, onde se fica apenas uns poucos dias, e se arrisca a ser desgraçado no outro, onde deverá viver eternamente? – Quem possui alguma coisa apenas por empréstimo, pouca afeição lhe tem, pensando que em breve a tem de restituir. Os bens da terra nos são dados todos de empréstimo; seria, pois, loucura ligar-se-lhes afeição, já que em breve os havemos de abandonar. A morte nos privará de tudo. Continuar lendo

NÃO SE PERDOA A TODOS O MESMO NÚMERO DE PECADOS

balanOmnia in mensura et numero et pondere disposuisti” – “Dispuseste todas as coisas com medida e conto e peso” (Sap. II, 21).

Sumário. Apesar de ser infinita a misericórdia de Deus, não perdoa todavia a todos um número igual de pecados. A um perdoa cem pecados, a outro mil; aquele outro, porém, será condenado ao inferno depois do segundo pecado. E quantos não há a quem Deus condenou logo depois do primeiro pecado? Quando, pois, o demônio nos tenta a pecar mais uma vez, digamos: Quem sabe, se depois terei tempo para o confessar bem?… Quem sabe se este novo pecado não completa o número e então serei abandonado por Deus e perdido para sempre?

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A misericórdia de Deus é infinita; mas apesar desta misericórdia, quantos não se condenam todos os dias! Deus cura ao que tem boa vontade. Perdoa os pecados, mas não pode perdoar a vontade de pecar. A medida dos pecados que Deus quer perdoar não é igual para todos. A um perdoa Deus cem pecados, a outro mil; aquele outro, porém, será condenado ao inferno depois do segundo pecado.

Quantos não há que o Senhor condenou logo depois da primeira queda! Refere São Gregório que um menino de cinco anos foi lançado no inferno quando dizia uma blasfêmia. A Santíssima Virgem revelou à serva de Deus Benedita de Florença, que o primeiro pecado foi a condenação de uma menina de doze anos. A mesma desgraça aconteceu a um menino de oito anos, que morreu e foi condenado logo depois do primeiro pecado. Lemos no Evangelho de São Mateus, que o Senhor, achando estéril uma figueira, cujos frutos procurava colher pela primeira vez, a amaldiçoou imediatamente, e que a árvore secou.

Por acaso algum temerário se atreva a perguntar a Deus porque quer perdoar três pecados e não quatro? Neste ponto é preciso adorar os juízos divinos e dizer com o Apóstolo: “Quam incomprehensibilia sunt iudicia eius, et investigabiles viae eius!” – “Quão incompreensíveis são os seus juízos, e imperscrutáveis os seus caminhos!” (1). Replica talvez o pecador obstinado: Tantas vezes ofendi a Deus, e cada vez Deus me perdoou; por isso confio em que me perdoará mais este pecado. Respondo-lhe, todavia: porque não te castigou Deus até agora, segue-se que será sempre assim? Encher-se-á a medida e então virá o castigo. “Ne dicas, peccavi, et quid accidit mihi triste?” – “Não digas”, avisa o Senhor, “tenho cometido tantos pecados e Deus nunca me castigou”; “Altissimus enim est patiens redditor” – “O Altíssimo é um juiz paciente” (2). Quer dizer que virá um dia em que pagarás tudo, e quanto maior tiver sido a misericórdia, tanto maior será o castigo. Continuar lendo

XI DOMINGO DEPOIS DE PENTECOSTES: O MILAGRE DO SURDO-MUDO E OS ESPIRITUALMENTE MUDOS

Adducunt ei surdum et mutum, et deprecabantur eum, ut imponat illi manum – “Trazem-lhe um surdo-mudo, e lhe rogaram que pusesse a mão sobre ele” (Marc. 7, 32).

Sumário. Os espiritualmente mudos não são somente aqueles cristãos que calam os pecados na confissão, mas também os que não se recomendam a Deus, não descobrem todo o seu interior ao Diretor, deixam de corrigir seus súditos, ou descuidam de comunicar ao Superior as desordens ocultas da comunidade. Examinemos a nossa consciência e, se descobrirmos em nós alguma destas mudezes, roguemos ao Senhor queira renovar em nosso espírito o milagre feito a favor do mudo do Evangelho.

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I. Refere o Evangelho que trouxeram para Jesus um surdo-mudo e lhe rogaram pusesse a mão sobre ele. Jesus tirou-o do meio da multidão, tomou-o à parte, pôs-lhe os dedos nos ouvidos e tocando com sua saliva a língua do surdo-mudo, levantando os olhos ao céu, suspirou e disse: Ephetha, isto é, abri-vos. Logo os ouvidos deste homem se abriram, sua língua desatou-se e ele falava distintamente. Jesus lhes ordenou que nada dissessem a ninguém, Mas, quanto mais recomendava, mais o publicavam; e cheios da mais viva admiração diziam: “Ele fez bem tudo, fez ouvir os surdos, e falar os mudos” – Surdos fecit audire et mutos loqui.

Seria para desejar que o Senhor renovasse o milagre que fez a favor do infeliz mudo corporalmente, a favor de tantos outros infelizes que são mudos espiritualmente. Semelhantes espiritualmente mudos são em primeiro lugar os que calam pecados na confissão, ou que acusam só pela metade os pecados mais vergonhosos, que não tiveram pejo de cometer, de sorte que o ministro de Deus os não pode entender. – São em segundo lugar aqueles que deixam de descobrir ao Diretor espiritual todo o seu interior e especialmente as tentações, que talvez tivessem de cessar, se eles falassem. – São em terceiro lugar aqueles que se descuidam de admoestar ou repreender os seus súditos, ou descuram de informar os superiores acerca das desordens de uma comunidade, afim de que as possam remediar. – Finalmente, são mudos espiritualmente todos os que nas necessidades da alma ou do corpo deixam de recorrer a Deus pela oração.

Examina-te aqui meu irmão, afim de ver se em ti se acha uma destas mudezes espirituais, e se for este o caso, apresenta-te a Jesus Cristo, e roga lhe que te solte a língua. Continuar lendo

MARIA SANTÍSSIMA, MODELO DE HUMILDADE

mariaRespexit humilitatem ancillae suae; ecce enim ex hoc beatam me dicent omnes generationes – “(Deus) pôs os olhos na baixeza da sua escrava; eis que desde agora me chamarão bem-aventurada todas as gerações” (Luc. 1, 48).

Sumário. Assim como Maria Santíssima foi a primeira e mais perfeita discípula de Jesus Cristo em todas as virtudes, assim o foi também na virtude da humildade. A Santíssima Virgem tinha sempre o conceito mais baixo de si mesma, ocultava os seus dons celestes e suportava com resignação todas as humilhações e desprezos. Que motivo de pejo para nós, que nos gloriamos de ser filhos de Maria e somos tão orgulhosos!… Ponderemos bem, que, a continuarmos assim, ficaremos sempre igualmente pobres de bens espirituais; porque a divina Mãe, imitando Jesus Cristo, resiste aos soberbos e comunica suas graças aos humildes.

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Era desconhecida no mundo a virtude, tão bela e tão necessária, da humildade; mas veio o Filho de Deus à terra para a ensinar pelo seu exemplo. E, assim como Maria foi a primeira e mais perfeita discípula de Jesus Cristo em todas as virtudes, assim o foi também na virtude da humildade, pela qual mereceu ser exaltada sobre todas as criaturas.

O primeiro ato de humildade é o ter baixo conceito de si; e Maria teve sempre tão modesta opinião de si própria, que, posto que se visse cheia de graças, contudo, segundo foi revelado a Santa Mechtildes, não se preferiu jamais a ninguém, lembrando-se de que tudo era dom da liberalidade divina.

Outro ato de humildade é ocultar os dons celestes. Pois bem, Maria Santíssima quis encobrir mesmo a São José a graça de ter sido feita Mãe de Deus, apesar de que a manifestação parecia necessária para livrar o pobre Esposo das suspeitas, que podia formar acerca da sua pureza, vendo-a gravida, ou ao menos para o tirar da confusão que a ignorância do mistério lhe devia causar. Continuar lendo

DAS HUMILHAÇÕES E DESPREZOS QUE JESUS CRISTO SOFREU

jesusVidimus eum… despectum et novissimum virorum – “Vimo-lo… feito um objeto de desprezo e o último dos homens” (Is. 53, 3).

Sumário. Quem pudera jamais imaginar que, tendo o Filho de Deus vindo à terra a fazer-se homem por amor dos homens, viesse a ser tratado por eles com tamanhos insultos e injúrias, como se fosse o último e o mais vil de todos? No entanto, assim aconteceu. Jesus foi traído por Judas, negado por Pedro, abandonado por seus discípulos, tratado de louco, açoitado qual escravo, e, afinal, proposto ao homicida Barrabás, foi condenado a morrer crucificado. Ah! Se este exemplo de Jesus Cristo não cura o nosso orgulho, não há remédio que o possa curar.

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Diz Bellarmino que os desprezos causam mais pena às almas grandes do que as dores do corpo. Com efeito, se estas afligem a carne, aqueles afligem a alma, cuja pena é tanto maior quanto ela é mais nobre que o corpo. Mas quem teria jamais imaginado que o personagem mais digno do céu e da terra, o Filho de Deus, vindo ao mundo a fazer-se homem por amor dos homens, houvesse de ser tratado por estes com tamanhos desprezos e injúrias, como se fosse o último e o mais vil dos mortais? No entanto, assim aconteceu, pelo que Isaías disse: Vimo-lo desprezado e feito o último dos homens.

E que qualidade de afrontas não sofreu o Redentor em todo o tempo de sua vida, e especialmente em sua Paixão? Viu-se exposto a afrontas da parte de seus próprios discípulos. Um deles o traiu e vendeu por trinta dinheiros. Outro negou-o muitas vezes, mostrando assim que se envergonhava de o ter conhecido. Os outros discípulos, vendo-o preso e amarrado, fugiram todos e o abandonaram: Tunc discipuli eius, relinquentes eum, omnes fugerunt (1). Se Jesus Cristo foi tratado assim pelos seus próprios discípulos, faze-te uma idéia de como havia de ser tratado pelos seus inimigos mais encarniçados!

Ai, meu Senhor! No Sinédrio de Caifás vejo-Vos amarrado como um malfeitor; esbofeteado como homem insolente, declarado réu de morte como usurpador sacrílego da dignidade divina; e como homem já condenado ao suplício, vejo-Vos entregue à discrição de um canalha que Vos maltrata com pontapés, escarros e empurrões. Na casa de Herodes, Vos vejo, ó meu Jesus, feito alvo dos escárnios daquele rei impuro e de toda a sua corte; vejo-Vos coberto de um manto branco, tratado como ignorante e louco, e levado assim pelas ruas de Jerusalém. – No pretório de Pilatos, Vos vejo açoitado com milhares de golpes, qual servo rebelde, coroado de espinhos qual rei de teatro; posposto ao homicida Barrabás, e, finalmente, condenado a morrer crucificado. Por isso, vejo-Vos, por último, no Calvário, crucificado entre dois ladrões, praguejado, amofinado, insultado e feito o mais vil dos homens, homem de dores e opróbrios. Ai meu pobre Senhor! Continuar lendo

A MISSA É UM SACRIFÍCIO DE AGRADECIMENTO PROPORCIONADO À DIVINA BENEFICÊNCIA

A Missa Tridentina e sua origem
Quid retribuam Domino, pro omnibus quae retribuit mihi? Calicem salutaris accipiano, et nomen Domini invocabo
– “Que darei ao Senhor por todos os benefícios que me tem feito? Tomarei o cálice da salvação, e invocarei o nome do Senhor” (Sl 115, 12-13)

Sumário. A santa missa foi instituída particularmente para agradecer a Deus os benefícios que nos tem feito. Quando celebramos, e, também de certo modo, quando assistimos ao sacrifício divino, podemos dizer com verdade: Senhor, as vossas misericórdias são imensas; mas eis que vo-las retribuo por meio de uma oferenda que vale tanto como vossos dons, e infinitamente mais. Portanto, se és sacerdote, não deixes um dia de celebrar a missa com a devida preparação e ação de graças; se és simples leigo, procura ao menos assistir à missa, ainda à custa de algum proveito temporal.

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É mais do que justo que agradeçamos ao Senhor os imensos benefícios que nos fez a sua bondade infinita. Nós ainda não existíamos, ainda não existia o mundo, e Deus já nos amava e resolvera criar-nos no tempo e cumular-nos de seus dons na ordem da natureza e na da graça. – Mais: vendo o Eterno Pai que todos nós estávamos mortos e privados de sua amizade por causa do pecado, pelo grande amor que nos tinha, como escreve o Apóstolo, mandou seu Filho amado para satisfazer por nós (1).

A estes e mais outros benefícios que o Senhor fez a todos em geral, acrescentai tantos outros, igualmente inúmeros e imensos, que fez a cada um em particular: tantas inspirações e impulsos ao bem; a remoção de tantos perigos de cair, tantos pecados perdoados; e depois dize-me: Quid retribuam Domino pro omnibus quae retribuit mihi? – “Como poderemos nós, criaturas miseráveis, agradecer dignamente a Deus? – Calicem salutaris acciptam. Eis que Jesus Cristo nos proporcionou o meio para não ficarmos aquém das nossas obrigações, e de dar-lhe dignas ações de graças. É a santa missa, que, na frase de Santo Irineu, foi instituída principalmente por Jesus para este fim, e de que ele mesmo foi o primeiro a servir-se: Et accepto calice, gratias egit – “Tendo tomado o cálice, deu graças” (2). Continuar lendo

PENA DE DANO QUE OS RÉPROBOS SOFREM NO INFERNO

infernoDerelinquam eum, et abscondam faciem meam ab eo… invenient eum omnia mala – “Eu o deixarei, e esconderei dele meu rosto… todos os males virão sobre ele” (Deut. 31, 17).

Sumário. Não são as trevas, a infecção, os gritos, o fogo, que constituem o inferno; o que faz o inferno é a dor de ter perdido a Deus e de não O poder amar. Aparta-te (dirá o Juiz à alma na sentença final), aparta-te de mim; não te quero mais ver. Tu não mais serás minha, nem eu serei nunca mais teu. Ó separação amarga!… Quem sabe, meu irmão, se esta pena tão terrível não nos está reservada também? Fascinados como estamos pelos bens terrestres, não a compreendemos agora, mas experimenta-la-íamos, se um dia tivéssemos a desgraça de nos perder.

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Todos os sofrimentos dos réprobos no inferno não são nada em comparação com a pena de dano. Não são as trevas, a infecção, os gritos, o fogo, que constituem o inferno: o que faz o inferno é a dor de ter perdido a Deus e de não mais O poder ver nem amar. É o que um dia o demônio disse quando Santa Catarina de Gênova lhe perguntou quem era: “Eu sou aquele”, respondeu, “que está privado de amor de Deus”. – Pelo que São João Crisóstomo diz que mil infernos não podem igualar esta perda; que mil infernos nada seriam em comparação com a pena de estar longe de Deus e ser odiado por Ele. Santo Agostinho acrescenta que os condenados, se gozassem a vista de Deus, deixariam de sofrer e o inferno tornar-se-ia paraíso: Ipse infernus verteretur in paradisum.

Fascinados como estamos pelos bens da terra, não podemos compreender o que seja o estar privado para sempre da presença de Deus, mas para fazermos uma leve idéia deste tormento, arrazoemos assim: Se alguém perdesse uma pedra preciosa no valor de 100 mil reis, sentiria grande mágoa; se tivesse o valor de 200 mil reis, a mágoa seria dobrada; maior ainda seria, se o valor fosse de 400 mil reis; numa palavra, a mágoa cresceria sempre em proporção do valor do objeto perdido. E qual é o bem que o réprobo perde? Um bem infinito, que é Deus; portanto, conclui Santo Tomás, a pena que esta perda lhe causa, é de algum modo infinita.

Todo o inferno está, pois, nestas primeiras palavras da sentença final: Discedite a me, maledicti – Retirai-vos, malditos, não quero que me torneis a ver a face. – Se ouvíssemos os gemidos de uma alma condenada, e lhe perguntássemos: Ó alma, porque estás gemendo tanto? Ela só teria esta única resposta: Estou gemendo, porque perdi meu Deus e nunca mais o tornarei a ver. Esconderei dele meu rosto; todos os males virão sobre ele. Continuar lendo

A ALMA CULPADA DIANTE DO JUIZ DIVINO

juizoOmnes nos manifestari oportet ante tribunal Christi – “Todos nós devemos manifestar-nos diante do tribunal de Cristo” (2 Cor. 5, 10).

Sumário. Têm-se visto criminosos banhados em suor frio, na presença de um juiz terrestre. Que maior terror não deve sentir o pecador diante do tribunal de Jesus Cristo? Ó céus! Verá acima de si o Juiz irritado, por baixo o inferno aberto, a um lado os pecados que o acusam, ao outro os demônios armados para o seu suplício. O Bem-aventurado Juvenal Ancina, impressionado por esta grande verdade, resolveu deixar o mundo e fez-se religioso. Meu irmão, o que farás? Continuarás a viver em teu estado de tibieza?

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É sentimento comum entre os teólogos, que o juízo particular se faz logo que o homem expira, e que no próprio lugar onde a alma se separa do corpo, aí é julgada por Jesus Cristo, que não manda alguém em seu lugar, mas vem ele mesmo para a julgar. Qual não será o espanto daquele que, vendo pela primeira vez seu Redentor, o vir indignado!

Ante faciem indignationis eius quis stabit? (1) – “Diante da face de sua indignação quem é que poderá subsistir?” Este pensamento causava tal estremecimento ao Padre Luiz Dupont, que fazia tremer consigo a cela onde se achava. O Bem-aventurado Juvenal Ancina, ouvindo cantar o Dies irae, e pensando no terror que se há de apoderar da alma ao comparecer em juízo, resolveu deixar o mundo, o que efetivamente fez. – O aspecto do Juiz indignado será o anúncio da condenação: Indignatio regis, nuntii mortis (2). Segundo São Bernardo, será maior sofrimento para a alma ver Jesus Cristo indignado do que estar no inferno.

Têm-se visto criminosos banhados em suor frio na presença de um juiz terrestre. Pison, comparecendo no senado em traje de réu, sentiu tamanha confusão, que a si próprio se deu a morte. Que pena não é para um filho ou para um vassalo ver seu pai ou seu príncipe indignado! Que maior mágoa não deve sentir a alma à vista de Jesus Cristo, a quem desprezou durante toda a vida! Videbunt in quem transfixerunt (3) – “Verão aquele a quem traspassaram”. Esse Cordeiro, tão paciente durante a vida do pecador, então mostrar-se-lhe-á irritado, sem esperança de se deixar aplacar. Pelo que a alma pedirá às montanhas que a esmaguem e a furtem às iras do Cordeiro indignado: Montes, cadite super nos, abscondite nos ab ira Agni (4). Continuar lendo

MALÍCIA DO PECADO MORTAL

maliciaTetendit enim adversus Deum manum suam, et contra omnipotentem roboratus est – “Estendeu a sua mão contra Deus e se fez forte contra o Todo Poderoso” (Iob 15, 25).

Sumário. Para nos induzir ao pecado, o demônio nos deixa ver o pecado somente à metade, mostrando-nos o deleite que nos traz e não o mal que encerra. Consideremos, porém, que esta malícia, pela injúria que faz a Deus, é tão grande que, se todos os homens e anjos se oferecessem a morrerem ou mesmo a aniquilarem-se, não poderiam satisfazer por um só pecado. Um verme da terra revolta-se contra a Majestade infinita. Ah, Senhor! Pelo amor de Jesus Cristo, iluminai-me para compreender a malícia do pecado.

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Que faz aquele que comete pecado mortal? Injuria a Deus. Segundo Santo Tomás, a malícia de uma injúria mede-se pela pessoa que a recebe e não pela que a faz. A injúria feita a um arrieiro é um mal; feita a um nobre, é um mal maior; feita a um monarca, muito maior ainda.

Quem é Deus? É o Rei dos reis, o Senhor dos senhores: Dominus dominantium est et rex regum (1). Deus é a Majestade infinita; perante Ele são menos que um grão de areia todos os príncipes da terra, todos os Santos e todos os Anjos do céu: Quasi stillae situlae, pulvis exiguus (2). O Profeta ainda acrescenta que diante da grandeza de Deus, todas as criaturas são de tal modo pequenas, que é como se não existissem: Omnes gentes quasi non sint, sic sunt coram eo (3). Eis aí o que é Deus.

E que é o homem? Saccus stercorum, cibus vermium, responde São Bernardo. O homem é um vil montículo de corrupção, pasto dos vermes, que em breve o hão de devorar. O homem, continua o santo Doutor, é um verme miserável que nada pode, um pobre nu que nada tem. – E é este verme miserável que se atreve a injuriar a Deus; é este vilíssimo grão de pó que não hesita em excitar a cólera terrível da Majestade divina: Tam teribilem maiestatem audet vilis pulvisculus irritare! Continuar lendo

X DOMINGO DEPOIS DE PENTECOSTES: O FARISEU E O PUBLICANO

fariseuDuo homines ascenderunt in templum, ut orarent: unus pharisaeus et alter publicanus – “Subiram dois homens ao templo a· fazer oração; um fariseu e outro publicano” (Luc 18, 10).

Sumário. Da parábola do Evangelho de hoje bem se conclui que, se a virtude de humildade nos é necessária sempre em toda parte, ela nos é mais indispensável ainda na oração; e especialmente quando vamos à igreja, que é casa de oração. Quem não é humilde, não espere ser atendido, pois que o Senhor protesta que “o que se exalta, será humilhado“. Lancemos um olhar sobre nós mesmos e, reprovando a altivez do fariseu, procuremos imitar sempre o procedimento tão humilde do publicano.

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I. Eis aqui a bela parábola que Jesus Cristo propôs a uns que confiavam em si mesmos como se fossem justos e desprezavam os outros. “Subiram dois homens ao templo a fazer oração, um fariseu e outro publicano. O fariseu, em pé, orava, em seu interior, desta forma: Graças te dou, meu Deus, porque não sou como os demais homens, que são uns ladrões, uns injustos, uns adúlteros, nem como é este publicano. Jejuo duas vezes na semana; pago dízimo de tudo que tenho. O publicano, pelo contrário, posto lá de longe, não ousava nem sequer levantar os olhos ao céu, mas batia no peito, dizendo: Meu Deus, sê propício a mim, pecador. – Digo-vos que este voltou justificado para sua casa, e não o outro; porque todo o que se exalta será humilhado e todo o que se humilha, será exaltado: “Omnis qui se exaltat, humiliabitur; et qui se humiliat, exaltabitur.

Desta parábola, meu irmão, pode-se deduzir que, se a virtude da santa humildade nos é necessária sempre e em toda parte, ela nos é mais indispensável ainda quando dirigimos a Deus as nossas orações, e especialmente quando estamos na igreja, que é a Casa de oração. – Quem não é humilde, não espere ser atendido; porquanto Deus não pode suportar aqueles orgulhosos que confiam em suas próprias forças e se julgam melhores que os outros. Por isto, como escreve São Tiago (1), resiste aos pedidos dos orgulhosos, não os ouve, não os defere, antes os rejeita. Muitas vezes as próprias orações daqueles orgulhosos, segundo a expressão do Salmista, mudam-se em pecado: Et oratio fiat in peccatum (2) – “A sua oração se lhe impute a pecado”. Continuar lendo

DAS PENAS DO INFERNO – PONTO III

Imagem relacionadaTodas as penas referidas nada são em comparação com a pena do dano. As trevas, a infecção, o pranto, as chamas não constituem a essência do inferno. O verdadeiro inferno é a pena de ter perdido a Deus! Dizia São Bruno:

“Multipliquem-se os tormentos, contanto que não se prive de Deus”

E São João Crisóstomo:

“Se disseres mil infernos de fogo, nada dirás comparável à dor daquele”

Santo Agostinho acrescenta que, se os réprobos gozassem da visão de Deus, “não sentiriam tormento algum, e o próprio inferno se converteria em paraíso”.

Para compreender algo desta pena, consideremos: Se alguém perde, por exemplo, uma pedra preciosa que valha cem escudos, sentirá grande mágoa; mas se esta pedra valesse duzentos, muitos mais sentiria.

Portanto: quanto maior é o valor do objeto que se perde, tanto mais se sente a pena que ocasiona a perda… E como os réprobos perdem o bem infinito, que é Deus, sentem — como diz São Tomás — uma pena dalgum modo infinita.

Neste mundo somente os justos temem esta pena, disse Santo Agostinho. Santo Inácio de Loiola exclamava: Continuar lendo

MARIA SANTÍSSIMA É O REFÚGIO DOS PECADORES

refugioConvenite et ingrediamur civitatem munitam; et sileamus ibi — “Ajuntai-vos, e entremos na cidade fortificada, e guardemos aí silêncio” (Ier. 8, 14).

Sumário. Nas cidades antigas de refúgio, não achavam abrigo todos os delinqüentes, nem para toda a espécie de delitos. Mas debaixo do manto da proteção de Maria, todo o pecador acha refúgio, seja qual for o crime cometido; porquanto foi esta a vontade de Deus constituindo-a Refúgio dos pecadores. Não desanimemos, pois, meu irmão; mas, seja qual for o nosso estado, chamemos a divina Mãe em nosso auxílio e acha-la-emos sempre pronta a ajudar-nos em todas as necessidades. Invoquemo-la especialmente sob o título que ela preza tanto, de Mãe do Perpétuo Socorro.

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Um dos títulos com que a santa Igreja nos manda recorrer a Maria, e que mais anima os pobres pecadores, é o titulo de Refúgio dos pecadores. Antigamente havia na Judéia umas cidades de refúgio, aonde iam parar os delinqüentes para ficarem livres do castigo que mereciam. Agora não há tantas cidades de refúgio como então, mas há uma só, que é Maria, da qual está escrito: Gloriosa dicta sunt de te, civitas Dei(1) — “Coisas gloriosas se têm dito de ti, ó cidade de Deus”. Há, porém, uma diferença. Nas cidades antigas não havia refúgio para todos os delinqüentes, nem para toda a espécie de delitos; mas, debaixo do manto de Maria todos os pecadores acham refúgio; seja qual for o delito que hajam cometido: basta que a ela recorram para se refugiarem. Pelo que São João Damasceno a faz dizer: “Eu sou a cidade de refúgio para todos aqueles que vêm a mim.” O Bem-aventurado Alberto Magno aplica à Virgem Maria estas palavras de Jeremias: Ajuntai-vos, e entremos na cidade fortificada.

Logo que alguém entrar nesta cidade mística, recuperará a graça divina. Nem sequer lhe é preciso falar para ser salvo. Et sileamus ibi — “Guardemos aí silêncio”. Sim, porque a Virgem piedosa, vendo-nos sem ânimo de pedir ao Senhor, falará por nós, e tão eficazmente, que, conforme a revelação de Jesus Cristo à Santa Brígida, ela obteria o perdão mesmo para Lúcifer, se (coisa aliás impossível) o espírito orgulhoso se humilhasse a pedir-lhe proteção.

Numa palavra, conclui São Bernardo, que Maria não tem horror de qualquer pecador, por imundo e abominável que seja. Contanto que recorra a Maria e lhe implore misericórdia, ela, o Refúgio dos pecadores, não hesitará em lhe dar a mão piedosa, afim de o arrancar do fundo da desesperação. Oh! seja sempre bendito e louvado nosso Deus, que nos deu uma Mãe tão doce e tão benigna. — ó Maria, infeliz de quem não vos ama! Infeliz de quem não recorre a vós, não confia em vós. Continuar lendo

O ABANDONO DE JESUS SOBRE A CRUZ E A PENA DE DANO NO INFERNO

cruzSustinui qui simul contristaretur, et non fuit, et qui consolaretur, et non inveni – “Esperei se algum se entristecia comigo, e não houve ninguém; esperei se alguém me consolava, e não achei” (Ps. 68, 21).

Sumário. O que mais atormentou Jesus, pregado na cruz, foi o abandono completo em que se viu. Não achando na terra quem o console, levanta os olhos para o Pai Celestial. Este, porém, vendo-o carregado dos nossos pecados, recusa-se a dar-lhe alívio e deixa-o morrer sem consolo. O Senhor quis padecer um abandono tão cruel, para nos livrar de outro abandono mais cruel ainda, qual é a pena de dano no inferno. Contudo, quão poucos são os que cuidam em render-Lhe graças, e em retribuir-lhe o seu amor!

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São Lourenço Justiniani diz que a morte de Jesus Cristo foi a mais amarga e a mais dolorosa de todas, pois que o Redentor morreu na cruz sem o mais pequeno alívio. Nas outras pessoas que sofrem, a pena é sempre aliviada, ao menos por algum pensamento consolador; mas a dor e aflição de Jesus padecente foi uma dor pura, uma aflição sem alívio. Por esta razão, São Bernardo, contemplando o Salvador morto sobre a cruz, Lhe diz, suspirando: Meu amado Jesus, olhando-Vos sobre esta cruz, desde a cabeça até aos pés, não vejo senão dor e aflição.

A pena, porém, que mais atormenta o coração amante de Jesus é o abandono completo em que se acha; eis porque Jesus se queixa pela boca do Profeta: Esperei se alguém me consolava, e não achei. – Maria Santíssima conservava-se, é verdade, ao pé da cruz, afim de lhe procurar algum alívio se pudesse; mas esta Mãe terna e aflita contribuiu antes pela dor que lhe causava a sua compaixão, a aumentar a pena do Filho que tanto a amava. São Bernardo diz que as dores de Maria contribuíam todas para afligir mais o Coração de Jesus; de tal sorte que, quando o Salvador lançava os olhos para sua Mãe aflita, sentiu o coração mais penetrado das dores de Maria que das suas, como a mesma Bem-aventurada Virgem o revelou a Santa Brígida.

Jesus, então, vendo que não achava na terra quem o consolasse, elevou os olhos e o coração a seu Pai, para lhe pedir alívio; mas o Eterno Pai, vendo seu Filho em forma de pecador, Lhe disse: Não, meu Filho, não te posso consolar agora, que estás satisfazendo à minha justiça por todos os pecados dos homens. É justo que te entregue a teus padecimentos e te deixe morrer sem algum alívio. Foi então que nosso Salvador exclamou em alta voz: “Meu Deus, meu Deus, porque me desamparaste?” – Clamavit Iesus você magna, dicens: Deus meus, Deus meus, ut quid dereliquisti me? (1) Ó abandono tão cruel para o Coração de Jesus! Continuar lendo

DAS PENAS DO INFERNO – PONTO II

Imagem relacionadaA pena do sentido que mais atormenta aos réprobos é o fogo do inferno, tormento do tato (Ecl 7,19). O Senhor o mencionará especialmente no dia do juízo:

“Apartai-vos de mim, malditos, para o fogo eterno” (Mt 25,41)

Mesmo neste mundo, o suplício do fogo é o mais terrível de todos. Entretanto, há tamanha diferença entre as chamas da terra e as do inferno, que, segundo afirma Santo Agostinho, em comparação daqueles, as nossas são como fogo pintado; ou como se fossem de gelo, acrescenta São Vicente Ferrer. E a razão consiste em que o fogo terreal foi criado para utilidade nossa, ao passo que o do inferno foi criado expressamente para castigo.

“Mui diferentes são — diz Tertuliano — o fogo que se utiliza para uso do homem e o que serve para a justiça de Deus”

A indignação de Deus é que acende essas chamas de vingança (Jr 15,14); e por isso Isaías chama espírito de ardor ao fogo do inferno (Is 6,4). O réprobo estará dentro dessas chamas, envolvido por elas, como um pedaço de lenha numa fornalha. Terá um abismo de fogo debaixo de seus pés, imensas massas de fogo sobre sua cabeça e ao derredor de si. Quando vir, apalpar ou respirar, fogo há de respirar, apalpar e ver. Estará submergido em fogo como o peixe em água. E essas chamas não cercarão apenas o condenado, mas penetrarão nele, em suas próprias entranhas, para atormentá-las. Todo o corpo será pura chama; arderá o coração no peito; as vísceras, no ventre; o cérebro, na cabeça; nas veias, o sangue; a medula, nos ossos. Cada condenado converter-se-á numa fornalha ardente (Sl 20,10).

Há pessoas que não suportam o ardor de um solo aquecido pelos raios do sol, que não sofrem estar junto a um braseiro num quarto fechado, que não resistem à chama de uma lâmpada, e contudo não temem este fogo devorador, como lhe chama Isaías (Is 33,14). Assim como uma fera devora um tenro cordeirinho, assim as chamas do inferno devorarão o condenado. Devorá-lo-ão sem o fazer morrer. Continuar lendo

DA ORAÇÃO FEITA DIANTE DO SANTÍSSIMO SACRAMENTO

santIn conspectu angelorum psallam tibi, adorabo ad templum sanctum tuum – “À vista dos anjos te cantarei salmos; eu te adorarei no teu santo templo” (Ps. 137, 2).

Sumário. Depois da oração feita na comunhão, a que se faz na presença de Jesus sacramentado é a mais agradável a Deus e a mais proveitosa para nós. Sim, porque o Senhor está ali presente exatamente para consolar a todos que o vêm visitar e expor-lhe as suas necessidades, e, portanto, dispensa as suas graças com mais abundância. Procuremos, pois, visitar freqüentemente o Santíssimo Sacramento e fazer na sua presença as orações que temos por hábito fazer durante o dia.

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Depois da oração feita na santa comunhão, a que se faz na presença de Jesus Cristo no Sacramento do Altar é a mais agradável a Deus e a mais proveitosa para nós. Sim, pois que o Senhor, embora esteja em toda a parte, pronto a atender ao que reza, todavia no Santíssimo Sacramento dispensa as graças com mais abundância; porque se deixa ficar de dia e de noite em nossas igrejas exatamente para consolar a todos os que o vêm visitar e recomendar-Lhe suas necessidades.

É certo que, se em toda a terra houvesse só uma igreja como residência de Jesus Cristo sobre o altar, ela estaria continuamente repleta de fiéis, ocupados em venerar nosso Salvador que se digna ficar incessantemente conosco sob as espécies de pão. Mas porque Ele quis estar presente em tantas igrejas afim de se fazer achar pelos que O amam, eis que em muitas igrejas Ele fica só durante a maior parte do dia.

Mas, se os seculares não cuidam em visitar a Jesus sacramentado e o deixam só, ao menos os eclesiásticos e os religiosos, que formam a parte escolhida da corte de Jesus, deviam visitá-Lo constantemente. Nos palácios dos príncipes nunca falta quem os procure, especialmente os que moram no próprio palácio. Tais são os religiosos em seus mosteiros; eles têm a honra de morar no palácio que o Rei do céu se elegeu na terra, e, portanto na frase do Padre Balthazar Alvarez, podem visitá-Lo sempre quando quiserem, de dia e de noite. É isso também o que arrancava lágrimas ao grande servo de Deus: ver os palácios dos grandes cheios de gente, e as igrejas, onde reside Jesus Cristo, ermas e abandonadas. Continuar lendo

CONDIÇÕES DA ORAÇÃO

rezandoPetitis et non accipitis, eo quod male petatis – “Pedis e não recebeis, porque pedis mal” (Iac. 4, 3).

Sumário. Muitas pessoas rezam e não obtém nada, porque não pedem como convém. Para bem rezar é preciso, primeiro a humildade, porque Deus resiste aos soberbos. Em segundo lugar é preciso a confiança, que nos faz esperar tudo pelos merecimentos de Jesus Cristo e pela intercessão de Maria Santíssima. Mas, sobretudo, é necessária a perseverança, pois que, para nosso bem, Deus alguma vez demora em atender e quer ser vencido pela nossa importunação. Têm as tuas orações sempre estes três requisitos?

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Muitas pessoas rezam e não obtém nada, porque não pedem como convém: Petitis et non accipitis, e o quod male petatis. Para bem rezar é preciso, em primeiro lugar, a humildade. Deus resiste aos soberbose não lhes atende os pedidos; mas dá a sua graça aos humildes(2), e não deixa os seus pedidos sem os deferir. “A oração do que se humilha, penetrará as nuvens e não se retirará enquanto o Altíssimo não puser nela os olhos.” (3) E isto acontece, ainda que a pessoa tenha sido anteriormente pecador, porquanto Deus não desprezará um coração contrito e humilhado (4).

Em segundo lugar, é preciso a confiança, que nos faz esperar tudo pelos merecimentos de Jesus Cristo e pela intercessão de Maria Santíssima. Nullus speravit in Domino et confusus est (5) – “Ninguém esperou no Senhor e ficou confundido”. Ensina-nos Jesus Cristo mesmo que, quando tenhamos alguma graça a pedir, não o chamemos com outro nome, além do de Pai: Pater noster, afim de que oremos com toda a confiança que é própria do filho para com o pai. O que pede com confiança obtém tudo. “Eu vos digo”, assim fala o Senhor, “que todas as coisas que pedirdes orando, crede que as recebereis, e ela vos acudirão.” (6)

E quem pode recear, pergunta Santo Agostinho, ser enganado no que foi prometido pela própria Verdade, que é Deus? A Escritura nos afiança que Deus não é como os homens, que prometem e depois faltam à palavra, ou porque mentem quando prometem, ou porque mudam de vontade. Dixit ergo, et non faciet? (7) Santo Agostinho ainda acrescenta: Se o Senhor não nos quisesse conceder as graças, para que nos havia de exortar continuamente a pedir-lhas? Prometendo, contraiu a obrigação de nos dar as graças que lhe suplicarmos. Promittendo, debitorem se fecit. Continuar lendo

DAS PENAS DO INFERNO – PONTO I

Resultado de imagem para infernoEt ibunt in supplicium aeternum – “E irão estes ao suplício eterno” (Mt 25, 46)

O pecador comete dois males quando peca: aparta-se de Deus, Sumo Bem, e se entrega às criaturas.

“Dois males fez meu povo: abandonaram-me a mim, que sou fonte de água viva, e cavaram para si cisternas rotas, que não podem reter a água” (Jr 2,13)

Em vista de o pecador se ter dado às criaturas com ofensa a Deus, será justamente atormentado no inferno por essas mesmas criaturas, pelo fogo e pelos demônios: esta é a pena do sentido. Como, porém, sua maior culpa, na qual consiste a maldade do pecado, é a separação de Deus, o maior suplício do inferno é a pena do dano ou da privação da visão de Deus, perda irreparável.

Consideremos, em primeiro lugar, a pena do sentido. É de fé que existe inferno. No centro da terra se encontra esse cárcere, destinado ao castigo dos que se revoltaram contra Deus.

Que é, pois, o inferno?

O lugar de tormentos (Lc 16,28), como o chamou o mau rico; lugar de tormentos, onde todos os sentidos e todas as faculdades do condenado hão de ter o seu castigo próprio, e onde aquele sentido que mais tiver servido para ofender a Deus mais acentuadamente será atormentado (Sb 11,17; Ap 18,7). A vista padecerá o tormento das trevas (Jó 10,21). Digno de profunda compaixão seria um infeliz encerrado em tenebroso e acanhado calabouço, durante quarenta ou cinquenta anos de sua vida. Pois o inferno é cárcere fechado por completo e escuro, onde nunca penetrará raio de sol nem qualquer outra luz (Sl 48,20). Continuar lendo

A MORTE DOS SANTOS É PRECIOSA

mortePretiosa in conspectu Domini mors sanctorum eius – “Preciosa é aos olhos do Senhor a morte de seus Santos” (Ps. 115, 5).

Sumário. A morte assusta os pecadores, que sabem que da primeira morte, do estado de pecado, passarão à segunda, que é eterna. A morte é, porém, o consolo das almas boas, que, confiadas nos merecimentos de Jesus Cristo, tem indícios suficientes para estarem moralmente certas de se achar na graça de Deus. Para estas a morte é preciosa, porque é um repouso suave depois das angústias padecidas no combate contra as tentações, ou em aplacar os temores e os escrúpulos de desagradar ao Senhor. Oh, que consolo poder dizer: Nunca mais ofenderei ao meu Deus!

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A morte assusta os pecadores, que sabem que da primeira morte, do estado de pecado, passarão à segunda, que é eterna. Não amedronta, porém, as almas boas, que, confiadas nos méritos de Jesus Cristo, têm suficientes indícios para terem certeza moral de que se acham na graça de Deus. – Por isso aquele Proficiscere: Parte, ó alma, deste mundo, que tanto perturba os que morrem contra a sua vontade, não perturba os santos, que desprenderam o coração de todo o amor terrestre e com todas as veras sempre disseram: Deus meus et omnia– “Meu Deus e meu tudo”.

Para estes a morte não é um tormento, mas o repouso depois das angústias padecidas no combate contra as tentações e das inquietações causadas pelos escrúpulos e temores de ofender a Deus. Neles se realiza o que escreve São João: Beati mortui qui in Domino moriuntur! Amodo iam dicit Spiritus: ut requiescant a laboribus suis (1) – “Bem-aventurados os mortos que morrem no Senhor! Desde agora diz o Espírito que descansem de seus trabalhos”. – Quem morre no amor de Deus, não se perturba pelas dores que acompanham a morte; muito ao contrário, nelas se compraz, oferecendo-as a Deus como os últimos restos da sua vida. Oh! Que paz tão profunda goza o que morre resignado, abraçado com Jesus Cristo, que escolheu para si uma morte amargosa e desolada, a fim de nos obter uma morte suave e resignada!

Ó meu Jesus, Vós sois meu Juiz, mas sois também meu Redentor, que morreu para me salvar. Não era mais digno de Vos amar, mas, pelos vossos benefícios, me atraístes a vosso amor. Se é vossa vontade que eu morra desta doença, de boa mente aceito a morte. Sei que não mereço entrar logo no céu; contente estou de ir ao purgatório para ali padecer quanto Vos agrada. A minha pena mais grave será ver-me longe de Vós, suspirando por ir ver-Vos e amar-vos face a face. Portanto, meu amado Salvador, tende piedade de mim. Continuar lendo

IMPORTÂNCIA DO ÚLTIMO FIM

fimQuid prodest homini, si mundum universum lucretur, animae vero suae detrimentum patiatur? –  “Que aproveita ao homem ganhar o mundo inteiro, se vier a perder a sua alma?” (Matth. 16, 26.)

Sumário. Eis aí o negócio de todos os negócios, o único importante, o único necessário: o serviço de Deus e a salvação da alma. Quem se salvar, será feliz para sempre e gozará no céu toda a sorte de bens; ao contrário, quem se condenar, será para sempre desgraçado e sofrerá no inferno toda a sorte de males. Mas, como é que este tão importante negócio é tão descuidado da maior parte dos homens?… Ah, meu irmão não sejamos nós do número desses insensatos e não imaginemos que possamos fazer acordar o céu com os pecados.

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Contempla, meu irmão, de quão grande importância é para ti o conseguires teu último fim. É de uma importância suprema; pois que, se o alcançares e te salvares, serás feliz para sempre, gozarás na alma e no corpo toda a sorte de bens; se, porém, o errares, perderás a alma e o corpo, o céu e Deus; serás eternamente infeliz e condenado para sempre. É este, portanto, o negócio entre todos os negócios, o único importante, o único necessário: Servir a Deus e salvar a alma.

Portanto, meu irmão, não digas mais: “Por enquanto quero viver para minhas satisfações; mais tarde me darei a Deus e assim espero salvar-me.” Quantos não foram levados ao inferno por esta falsa esperança! Eles também falavam assim e agora foram condenados e não há mais remédio para eles. – Qual o condenado que se quis condenar? Deus, porém, amaldiçoa ao que peca com a esperança do perdão: Maledictus homo qui peccat in spe. Tu dizes: quero cometer este pecado e depois o confessarei. Mas quem sabe se haverá tempo: quem te garante que não hás de morrer logo depois do pecado? Tu perdes a graça de Deus; e que será se não a puderes mais adquirir? Deus usa de misericórdia com aquele que o teme, não com aquele que o despreza: Et misericórdia eius timentibus eum (1) – “Sua misericórdia é par aos que o temem”.

Não digas mais: com igual facilidade confesso dois pecados como três; não, porque Deus te perdoará dois pecados e não três. Deus suporta, mas não suporta sempre: ut in plenitudine peccatorum puniat (2) – “Afim de castigar na plenitude dos pecados”. Quando estiver cheia a medida, Deus não perdoa mais e castiga ou com a morte, ou com o abandono do pecador, de modo que, ruindo de pecado em pecado, se precipita no inferno. Tal abandono é castigo pior do que a morte. – Meu irmão, repara bem no que estás lendo. Põe um termo à vida de pecado e consagra-te a Deus, receia que não seja agora o último aviso que Deus te dá. Basta de ofensas; basta de tolerância da parte de Deus. Teme que depois de mais um pecado mortal, Deus talvez não queira mais perdoar-te. Olha, que se trata da alma, que se trata da eternidade. Continuar lendo

NONO DOMINGO DEPOIS DE PENTECOSTES: A RUÍNA DE JERUSALÉM E O FIM DE UMA ALMA DESCUIDADA

almaUt appropinquavit (Iesus) videns civitatem, flevit super illam – “Quando (Jesus) chegou perto, ao ver a cidade chorou sobre ela. (Luc. 19, 41).

Sumário. Infeliz da alma que se obstina no pecado ou na tibieza. Adiando a sua conversão de dia para dia, achar-se-á na hora da morte, assim como Jerusalém, cercada de inimigos, que serão os remorsos da consciência, os assaltos dos demônios e os receios da condenação eterna. Desta sorte a sua ruína será quase certa e irreparável. Meu irmão, para que não te suceda tamanha desgraça, reconhece agora o tempo da visitação amorosa do Senhor e obedece prontamente a seu convite. Quem sabe se não é este o último?

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I. Refere São Lucas que “quando Jesus chegou perto de Jerusalém, ao ver a cidade chorou sobre ela e disse: Ah! se ao menos neste dia, que agora te é dado, conhecesses ainda tu o que pode trazer-te a paz! Mas por ora tudo está encoberto a teus olhos. Porque virão dias para ti, em que os teus inimigos te cercarão de trincheiras, e te sitiarão, e te apertarão por todos os lados. E te derribarão por terra a ti e a teus filhos, e não deixarão em ti pedra sobre pedra, porquanto não conheceste o tempo da tua visitação: Eo quod non cognoveris tempus visitationis tuae“.

Sob a figura da Jerusalém material, os Santos Padres vêem a alma do pecador obstinado ou ainda a alma do que é tíbio. Estas almas descuidadas, semelhantes aos desgraçados habitantes daquela cidade infeliz, desprezam o tempo da visitação do Senhor e se obstinam em não quererem obedecer à voz de Deus, que por meio dos superiores, dos diretores espirituais ou das inspirações interiores os excita a emendarem a sua vida desregrada.

Os desgraçados! O Redentor tem muita razão em derramar por causa deles lágrimas copiosas, porque mais cedo ou mais tarde lhes tocará a mesma sorte da ímpia cidade de Jerusalém: Circumdabunt te inimici tui vallo (1) – “Os teus inimigos te cercarão de trincheiras“. Eles vão adiando a sua conversão de dia para dia, e afinal, na hora da morte, ver-se-ão cercados pelos seus inimigos, isso é, pelos remorsos da consciência, pelos assaltos dos demônios e pelos receios da condenação eterna, de tal forma que a sua ruina será quase certa e irreparável. Infeliz, pois, de quem se obstina no pecado ou na tibieza. Continuar lendo

O DEVOTO DE MARIA SANTÍSSIMA DEVE IMITAR-LHE AS VIRTUDES

Resultado de imagem para virgem santíssima sob seu mantoNunc ergo, filii, audite me: Beati qui custodiunt vias meas – “Agora pois, filhos, ouvi-me: bem-aventurados os que guardam os meus caminhos” (Prov. 8, 32).

Sumário. A Santíssima Virgem, depois que tirou alguma alma das garras de Lúcifer, quer que ela se aplique à imitação das suas virtudes, pois que, de outro modo, não poderá enriquecê-la com as suas graças, vendo-a a si contrária nos costumes. Entremos, portanto, nas vistas de nossa boa Mãe; e estejamos certos de que é este o melhor obséquio que lhe podemos fazer. Se não nos sentirmos com força suficiente, roguemo-la à Bem-Aventurada Virgem que se chama e é a dispensadora de todas as graças.

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Diz Santo Agostinho que, para obtermos com maior certeza e abundância o favor dos Santos, é preciso imitá-los; porque, vendo que praticamos as virtudes que eles mesmos praticaram, mais se movem a rogar por nós. Pelo que a Rainha dos Santos e a nossa principal advogada, Maria, depois que livrou alguma alma das garras de Lúcifer e a uniu a Deus, quer que ela se aplique a imitá-la. De outro modo não poderá enriquecê-la com as suas graças, como desejaria, vendo-a a si contrária nos costumes. Por isso Maria chama bem-aventurados àqueles que diligenciam em imitá-la: Bem-aventurados os que guardam os meus caminhos(1). “Quem ama”, diz um provérbio, “ou se acha semelhante, ou procura fazer-se semelhante à pessoa amada”.

Por isso nos exorta São Jerônimo que, se amamos Maria, é necessário que procuremos imitá-la; porque é este o melhor obséquio que lhe podemos oferecer. E Ricardo de São Lourenço acrescenta que são e podem chamar-se verdadeiros filhos de Maria somente aqueles que procuram viver conforme à vida dela: Filii Mariae imitatores eius. – Procure pois o filho, conclui São Bernardo, imitar sua Mãe, se deseja o seu favor; pois que então, vendo-se ela honrada como mãe, o tratará e favorecerá como filho.

Falando das virtudes de nossa Mãe, verdade é que poucas coisas em particular se lêem registradas nos Evangelhos a este respeito; contudo, dizendo-se ali que ela foi cheia de graça, claramente se nos dá a entender que ela teve todas as virtudes em grau heróico. “De modo tal”, diz Santo Tomás, “que, assim como cada um dos Santos foi excelente em alguma virtude particular, a Bem-Aventurada Virgem foi excelente em todas as virtudes, e em todas as virtudes nos foi dada por modelo”. Antes dele já tinha dito isso Santo Ambrósio: “A vida de Maria foi tal, que serve de exemplo para todos”: Talis fuit Maria, ut eius unius vita omnium disciplina sit. Continuar lendo