JESUS É APRESENTADO AOS PONTÍFICES E POR ELES CONDENADO À MORTE

condAt illi, tenentes Iesum, duxerunt ad Caiphan principem sacerdotum — Eles, prendendo a Jesus, O levaram a Caifás, príncipe dos sacerdotes (Matth. 26, 57).

Sumário. Imaginemos ver a Jesus Cristo perante o tribunal de Caifás. Ali é esbofeteado, tratado de blasfemador, declarado réu de morte, e como tal, maltratado de mil modos. Jesus, porém, no meio de tantos opróbrios, nada perde de sua serenidade e doçura, e parece que com o seu silêncio nos diz: Se quiserdes desagravar-me das injúrias que me fazem, suportai por meu amor os desprezos, assim como eu os suporto por vosso amor.

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Eis que o Redentor é levado como em triunfo à presença de Caifás, que já O estava esperando, e vendo-O diante de si, só e desamparado de seus discípulos, ficou cheio de contentamento. Minha alma, contempla o teu Senhor, que ali está todo humilde e manso. Contempla o seu belo rosto, que, no meio de tantas injúrias e desprezos, não perdeu a sua serenidade e doçura. O ímpio pontífice interroga Jesus sobre seus discípulos e sobre sua doutrina para achar algum pretexto de condenação. Jesus responde-lhe com humildade: “Eu não falei em segredo, mas em público; todos estes que aqui estão podem dar testemunho do que eu falei”. Senão, quando depois de uma resposta tão justa e tão branda, um algoz mais insolente avança do meio da chusma e, tratando Jesus de atrevido, lhe dá uma forte bofetada dizendo: “É assim que respondes ao sumo sacerdote?” Ó Deus, como pôde uma resposta tão humilde e tão modesta merecer tão grave insulto?

Entretanto, o Conselho procurava testemunhas para o condenar à morte; mas não encontravam; pelo que o pontífice vai novamente buscar matéria de condenação nas palavras de nosso Salvador mesmo, e lhe diz: Adiuro te per Deum vivum, ut dicas nobis, si tu es Christus Filius Dei (1) — “Eu te conjuro, pelo Deus vivo, que nos digas, se tu és o Cristo, o Filho de Deus”. O Senhor, ouvindo que O conjuravam em nome de Deus, confessa a verdade e responde: “Sim, eu o sou: e um dia me verás, não tão desprezível como estou agora diante de ti, mas assentado num trono de majestade como juiz de todos os homens, acima das nuvens do céu”. Ouvindo estas palavras, o pontífice, em vez de prostrar-se com o rosto em terra para adorar a seu Deus, rasga seus vestidos e diz: “Para que mais precisamos de testemunhas? Acabais de ouvir a blasfêmia. Quid vobis videtur? (2) — “Que vos parece?” E todos os outros sacerdotes responderam que sem dúvida alguma Ele era réu de morte. — Ah, meu Jesus, o mesmo disse também vosso Eterno Pai, quando Vos oferecestes a expiar os nossos pecados. Meu Filho, disse, já que queres satisfazer pelos homens, és réu de morte, e por isso é necessário que morras.

Tunc expuerunt in faciem eius, et colaphis eum ceciderunt(3) — “Então cuspiram-Lhe no rosto e deram-Lhe bofetadas”. Sendo Jesus Cristo declarado réu de morte, puseram-se todos a maltratá-Lo como a um malfeitor. Um cospe-Lhe no rosto, outro dá-Lhe empuxões, mais outro Lhe dá bofetadas. Vendando-Lhe os olhos com um pano, escarnecem d’Ele, chamando-O falso profeta, e dizendo: “Já que és profeta, profetiza agora quem Te bateu”. Escreve São Jerônimo que foram tantos os insultos e injúrias que naquela noite foram feitos ao Senhor, que só no dia do juízo final serão conhecidos todos. Continuar lendo

COMEMORAÇÃO DAS SETE DORES DE MARIA SANTÍSSIMA

doresO vos omnes qui transitis per viam, attendite et videte, si est dolor sicut dolor meus — “Ó vós todos os que passais pelo ca­minho, atendei e vede, se há dor semelhante à minha dor” (Thr. 1, 12).

Sumário. Bem compete à Bem-Aventurada Virgem o título de Rainha dos Mártires, porque, semelhante em tudo a Jesus, sofreu, em toda a sua vida, no coração um martírio, ao mesmo tempo o mais longo e o mais doloroso. E o seu martírio não ficou estéril; muito ao contrário, produziu um fruto inestimável de vida eterna, de modo que todos os que se salvam, são disso devedores, depois de Jesus Cristo, às dores de Maria. Se nos queremos mostrar verdadeiros filhos da nossa aflita Mãe, imitemos a sua paciência e resignação.

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Assim como Jesus se chama Rei de Dores e Rei dos Mártires, porque padeceu na sua vida mais que todos os outros mártires; assim Maria é com razão chamada Rainha dos Mártires. Mereceu este titulo por ter sofrido o martírio maislongoe mais doloroso que se possa padecer depois do de seu Filho.

A Virgem pôde dizer o que o Senhor disse pela boca de Davi: Defecit in dolore vita mea, et anni mei in gemitibus (1) — A minha vida passou-se toda em dor e lágrimas, porquanto a minha dor, que era a compaixão de meu amado Filho, não se afastava jamais do meu pen­samento, vendo eu sempre todas as penas e a morte que Ele um dia devia padecer. — Revelou a mesma divina Mãe a Santa Brígida, que, ainda depois da morte do Filho e depois de sua ascensão ao céu, a lembrança da sua paixão estava sempre fixa e recente no seu terno coração de mãe, quer comesse, quer trabalhasse.

O martírio de Maria foi também de todos o mais dolo­roso, porquanto, ao passo que os outros mártires tiveram o corpo dilacerado pelo ferro, ela teve a alma traspassada e martirizada, como já lhe predisse São Simeão: Et tuam ipsius animam (doloris) gladius pertransibit (2) — “E uma espada (de dor) te traspassará a alma”. Ora, quanto a alma é mais nobre que o corpo, tanto maior foi a dor de Maria que a de todos os mártires. — A tudo isso acresce que ela padeceu sem alívio algum. Para os outros mártires, o seu amor a Jesus fazia-lhes os tor­mentos doces e suaves; para a divina Mãe, porém, o mesmo amor se lhe tornou cruel algoz, e fazia todo o seu martírio. Numa palavra, conclui um sábio escritor, o martírio de Maria na Paixão do Filho foi tão grande, porque ela só podia dignamente compadecer-se da morte de um Deus feito homem. Continuar lendo

JESUS É PRESO, LIGADO E CONDUZIDO A JERUSALÉM

presoComprehenderunt Iesum et ligaverunt eum — “Eles prenderam a Jesus e o ligaram” (Io. 18, 12)

Sumário. Imaginemos ver a Jesus, que, abandonado de seus discípulos, é preso, ligado e levado a desoras e com grande tumulto pelas ruas de Jerusalém. Ao verem-No assim, todos que O veneraram, já O odeiam e se envergonham de O terem tido pelo Messias. Se nós, à vista de um Deus tão humilhado por nosso amor e para nosso ensino, ainda amarmos os bens fugazes da terra, ambicionarmos as honras e preeminências, não somos dignos do nome de cristãos.

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O Redentor, sabendo que Judas se aproximava, acompanhado dos Judeus e dos soldados, levanta-se, banhado ainda no suor da agonia mortal. Com o rosto pálido, mas com o coração todo abrasado em amor, vai-lhes ao encontro para se lhes entregar nas mãos, e vendo-os chegados perto, diz:Quem quaeritis?— “A quem buscais?” — Afigura-te, minha alma, que neste momento Jesus te pergunta também: Dize-me, a quem buscas? Ah, meu Senhor, a quem poderei buscar senão a Vós, que descestes do céu à terra para me buscar e não me ver perdido?

Comprehenderunt Iesum, et ligaverunt eum — “Eles prenderam a Jesus e o ligaram”. Ó céus, um Deus ligado! Que diríamos, se víssemos um rei preso e ligado pelos seus servos? E que dizemos agora vendo um Deus entregue às mãos da gentalha? Ó cordas bem-aventuradas! Vós que ligastes o meu Redentor, ah! Liga-me a Ele, mas liga-me de tal modo que nunca mais me possa separar de seu amor. — Considera, minha alma, como um lhe liga as mãos, outro o injuria, mais outro o empurra, e o Cordeiro inocente se deixa ligar e empurrar quanto quiserem. Não procura fugir das mãos deles, não chama por auxílio, não se queixa de tantas injúrias, nem mesmo pergunta por que é tratado assim. Eis, pois, realizada a profecia de Isaías: Oblatus est quia ipse voluit, et non aperuit os suum; sicut ovis ad occisionem ducetur (2) — “Foi oferecido, porque ele mesmo quis, e não abriu a sua boca; ele será levado como uma ovelha ao matadouro”.

Mas onde é que se acham os seus discípulos? Que fazem? Já não podendo livrá-Lo das mãos de seus inimigos, ao menos que o tivessem acompanhado para defenderem a inocência de Jesus perante os juízes, ou sequer para o consolarem com a sua presença! Mas não; o Evangelho diz: Tunc discipuli eius, relinquentes eum, omnes fugerunt (3) — “Então os seus discípulos desamparando-O, fugiram todos”. Qual não devia ser a tristeza de Jesus, vendo que até os seus discípulos queridos fugiam e O desamparavam? Mas, ó céus, então o Senhor viu ao mesmo tempo todas aquelas almas que, sendo por Ele mais favorecidas, haviam de abandoná-Lo depois e de Lhe virar as costas. Continuar lendo

JESUS ORA NO HORTO E SUA SANGUE

oraTunc venit Iesus cum illis in villam, quae dicitur Gethsemani — “Então foi Jesus com eles a uma herdade, que é chamada Gethsemani” (Matth 26, 36)

Sumário. O Filho de Deus, para nos ensinar o modo de orar, pede no horto a seu Pai divino, que O exima de beber o cálice de sua Paixão; com resignação, porém, acrescenta que se conforma em tudo à divina vontade. Prostra-se com a face na terra, e é tão grande o temor, o aborrecimento e a tristeza que Lhe sobrevém pela previsão dos seus padecimentos e da nossa ingratidão, que chega a suar sangue vivo. Ah, meu pobre Senhor, se eu menos houvera pecado, Vós menos teríeis sofrido.

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I. Finda que foi a ação de graças depois da Ceia, Jesus sai do cenáculo com os seus discípulos, entra no horto de Getsêmani e se põe em oração. Mas, ai! No mesmo instante assaltam-No juntos grande temor, grande aborrecimento e grande tristeza. Com o coração oprimido pela dor, o nosso Redentor diz que a sua alma bendita está triste até à morte: Tristis est anima mea usque ad mortem (1). — Jesus quis que então Lhe fosse presente aos olhos toda a funesta cena dos tormentos e opróbrios que Lhe estavam preparados. Na Paixão, estes tormentos afligiram-No um após outro; mas ali no horto vieram cruciá-Lo todos juntos, as bofetadas, os escarros, os açoites, os espinhos, os cravos e os vitupérios, que depois deveria sofrer. Submisso, aceita-os todos; mas, aceitando-os treme, agoniza e ora.

Mas, meu Jesus, quem Vos constrange a sofrer tantas penas? Constrange-me, responde, o amor que tenho aos homens. — Ah! Que assombro devia causar no céu o ver a força feita fraqueza! Um Deus aflito! E para que? Para salvação dos homens, suas criaturas! Naquele horto foi oferecido o primeiro sacrifício: Jesus foi a vítima, o amor, o sacerdote e o ardor de seu afeto para com os homens foi o fogo sagrado que consumiu o sacrifício. 

Pater mi, si possibile est, transeat a me calix iste (2) — “Pai meu, se é possível, passe de mim este cálice”. Assim ora Jesus: Meu Pai, se é possível, isenta-me de beber este cálice tão amargoso. Mas Jesus ora assim, não tanto para ficar isento, como para nos fazer compreender a pena que padece e aceita por nosso amor. Ora assim também para nos ensinar que nas tribulações nos é permitido pedir a Deus que nos livre; mas ao mesmo tempo devemo-nos conformar em tudo com a vontade divina, e dizer o que Ele disse: Verumtamen non sicut ego volo, sed sicut tu (3) — “Todavia não seja como eu quero, mas sim como tu”. Continuar lendo

ÚLTIMA CEIA DE JESUS CRISTO COM OS SEUS DISCÍPULOS

ceiaVespere autem facto, discumbebat (Iesus) cum discipulis suis — “Chegada, pois, a tarde, pôs-se (Jesus) à mesa com os seus discípulos” (Matth. 26, 20).

Sumário: Imaginemos ver Jesus Cristo que, sentado à mesa com os discípulos, come o Cordeiro Pascal, figura do sacrifício d’Ele mesmo, que no dia seguinte seria oferecido sobre o altar da Cruz. Imaginemos vê-Lo também no momento de prostrar-Se diante dos Apóstolos e de Judas para lhes lavar os pés. Vendo um Deus que Se humilha a tal ponto por nosso amor, ficaremos sempre tão orgulhosos, que não sabemos suportar uma palavra de desprezo, a mais leve falta de atenção?

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Sabendo Jesus que era chegada a hora de sua morte, em que devia partir deste mundo, como até então tinha amado os homens com amor excessivo, quis naquela hora dar-lhes as últimas e maiores demonstrações de seu amor. Vede-O, como sentado à mesa e todo inflamado de amor, Se volta para os seus discípulos e lhes diz: Desiderio desideravi hoc Pascha manducare vobiscum (1) — “Tenho desejado ansiosamente comer convosco esta Páscoa”. Discípulos meus (e o mesmo disse Jesus então a todos nós), sabei que em toda a minha vida não tive outro desejo senão o de celebrar convosco esta Última Ceia; porquanto logo em seguida irei sacrificar-Me pela vossa salvação.

Portanto, ó meu Jesus, tendes tão vivo desejo de dar a vida por nós, as vossas miseráveis criaturas? Ah! Esse vosso desejo, como não deve excitar em nossos corações o desejo de padecer e morrer por vosso amor, visto que por nosso amor desejais tão ansiosamente padecer e morrer! Ó amado Redentor, fazei-nos saber o que quereis de nós; queremos agradar-Vos em tudo. Queremos dar-Vos gosto para respondermos ao menos um pouco ao grande amor que nos tendes.

Entretanto é posto na mesa o cordeiro pascal, figura de nosso Salvador mesmo. Assim como aquele cordeiro foi consumido na Última Ceia, assim o mundo veria no dia seguinte o Cordeiro divino, Jesus Cristo, consumido de dores sobre o altar da Cruz. Continuar lendo

CONSELHO DOS JUDEUS E TRAIÇÃO DE JUDAS

JudasExpedit vobis, ut unus moriatur homo pro populo, et non tota gens pereat — “Convém que morra um homem pelo povo e que não pereça toda a nação (Io. 11, 50).

Sumário. Tendo os iníquos pontífices decretado a morte de Jesus Cristo, tiveram grande satisfação ao ver que Judas, um dos discípulos, se oferecia a traí-Lo e entregar-Lho nas mãos. O Senhor conhece perfeitamente a felonia de Judas e todavia não deixa de tratá-lo como amigo na mesma forma que d´antes; olha-o com benevolência, não recusa a sua companhia e chega a prostrar-se-lhe aos pés para os lavar. Ó inefável benignidade! Que belo exemplo para nós, se o quisermos aproveitar!

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No mesmo tempo em que Jesus andava derramando graças e fazendo milagres para benefício de todos, reúnem-se os primeiros personagens da cidade de Jerusalém a fim de tramarem a morte do Autor da vida. Refere São João que se ajuntaram os pontífices e os fariseus em conselho e diziam: Que fazemos nós? Este homem faz muitos milagres; se o deixamos assim livre, todos crerão nele. Mas um deles, por nome Caifás, respondeu que lhes convinha que um homem morresse pelo povo, e não perecesse a nação toda. “E desde aquele dia”, diz o mesmo São João, “pensavam em como haviam de o fazer morrer.” — Ah, Judeus! Não temais; vosso Redentor não fugirá, porquanto veio à terra exatamente para morrer, e pela sua morte livrar-vos a vós e a todos os homens da morte eterna.

Entretanto Judas apresenta-se aos pontífices e diz: Quid vultir mihi dare, et ego vobis eum tradam? (1) — “Que me quereis dar, e eu vô-Lo entregarei?” Oh! Que alegria deviam sentir os Judeus, pelo ódio que devotavam a Jesus Cristo, ao verem que um dos seus discípulos o queria trair e entregar-Lho nas mãos! Consideremos nisso o júbilo que, por assim dizer, reina no inferno, quando uma alma, depois de servir a Jesus Cristo por muitos anos, vem a traí-Lo por qualquer miserável bem ou vil satisfação.

Mas, ó Judas, já que estás resolvido a vender o teu Deus, exige pelo menos o preço que Ele vale. É um bem infinito, merecedor portanto de um preço infinito. Porque, pois, concluis o negócio por trinta dinheiros? At illi constituerunt ei triginta argenteos (2) — “E eles prometeram-lhe trinta dinheiros de prata”. — Minha alma, deixa Judas, e fixa em ti mesma os teus pensamentos. Dize-me, por que preço vendeste tu mesma tantas vezes a graça divina ao demônio? Continuar lendo

FESTA DE SÃO JOSÉ, ESPOSO DA VIRGEM MARIA

abcPretiosa in conspectu Domini mors sanctorum eius — «Preciosa é aos olhos do Senhor a morte de seus santos» (Sl 115, 15).

Sumário. Representemo-nos na casa de Nazaré para assistir à morte do santo Patriarca. É opinião bem fundada que São José morreu de puro amor a Deus; porque teve a sorte ditosa de ser assistido por Jesus e Maria, que, com as palavras de vida eterna, que lhe dirigiam alternadamente naquelas extremas, inflamavam-lhe o amor. Se desejamos morrer de morte tão plácida e suave, sem angústias e temores, sejamos muito devotos do grande Santo, imitemos-lhe as virtudes, particularmente o seu amor a Jesus e Maria.

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Considera como São José, depois de ter servido tão fielmente a Jesus e Maria, chegou ao termo de sua vida na casa de Nazaré. Ali, cercado de anjos, e assistido pelo Rei dos anjos, Jesus Cristo, e por Maria sua Esposa, que se colocaram aos lados de seu pobre leito, saiu desta vida miserável em tão doce e sublime companhia e com paz paradisíaca na alma. Pela presença de tão digna Esposa e de tão nobre Filho (como o Redentor se dignou ser chamado), a morte de José tornou-se extremamente doce e suave. — E como podia ser-lhe a morte amargosa, morrendo nos braços daquele que é a vida? Quem jamais poderá dizer ou entender as suaves doçuras, as consolações, as doces esperanças, os atos de resignação, as chamas de amor, que foram inspirados ao coração de José pelas palavras de vida eterna que Jesus e Maria lhe dirigiam alternadamente naquela suprema hora? É, pois, bem admissível a opinião, referida por São Francisco de Sales, de que São José morreu de puro amor a Deus.

Assim a morte de nosso Santo foi toda plácida e suave, sem angústias e temores, porque a sua vida fora toda santa. Não pode ser tal a morte daqueles que algum tempo ofenderam a Deus e mereceram o inferno. Mas com certeza receberá então grande conforto aquele que for protegido por São José, a quem, depois que Deus mesmo lhe obedeceu, sem dúvida os demônios terão de obedecer. O Santo os repelirá de seus devotos e não lhes permitirá tentar aqueles que o invocarem na morte.

Bem-aventurada, pois, a alma que na última hora for assistida por tão poderoso advogado, que, por ter morrido assistido de Jesus e Maria, e por ter livrado o Menino Jesus do perigo de morte, fugindo com ele para o Egito, obteve o privilégio de ser padroeiro da boa morte, e de livrar seus devotos moribundos do perigo da morte eterna. Continuar lendo

DOMINGO DA PAIXÃO: GRANDE FRUTO QUE SE TIRA DA MEDITAÇÃO DA PAIXÃO DE JESUS CRISTO

paixaoAbraham, pater vester, exultavit, ut videret diem meum: vidit et gavisus est — “Abraão, vosso pai, desejou ansiosamente ver o meu dia: ele o viu e exultou de gozo” (Io. 8, 56).

Sumário. Não é sem razão que Abraão e com ele os demais justos do Antigo Testamento desejavam tão ansiosamente ver o dia do Senhor. Sim, porque depois da vinda de Jesus Cristo, é impossível que uma alma crente que medita nas dores e ignomínias que Ele sofreu por nosso amor, não se abrase em amor e não se resolva firmemente a tornar-se santa. Se, pois, queremos progredir no caminho de perfeição, meditemos a miúdo, e especialmente nestes dias, na Paixão do Redentor, e meditando afiguremo-nos que presenciamos os mistérios dolorosos.

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I. Não é sem razão que o patriarca Abraão desejou ansiosamente ver o dia do Senhor; e que, tendo tido a ventura de vê-lo por uma revelação divina, ainda que em espírito somente, se alegrou em seu coração, como atesta o Evangelho de hoje. Sim, porque o tempo que se seguiu à vinda de Jesus Cristo, já não é mais tempo de temor, mas tempo de amor: Tempus tuum, tempus amantium (1).

Na Lei antiga, antes da Encarnação do Verbo, podia o homem, por assim dizer, duvidar se Deus o amava. Depois de O havermos visto, porém, morrendo por nós, exangue e vilipendiado sobre um patíbulo infame, já não podemos duvidar que Ele nos ame com toda a ternura. — Quem poderá jamais compreender, que excesso de amor levou o Filho de Deus a pagar a pena dos nossos pecados? E, todavia, isso é um ponto de fé: Dilexit nos, et lavit nos in sanguine suo (2) — “Ele nos amou, lavou-nos em seu sangue”. Ó misericórdia infinita! Ó amor infinito de Deus!

Mas porque é que tantos cristãos olham com indiferença para Jesus Cristo crucificado? Que na Semana Santa assistem à comemoração da morte de Jesus, mas sem algum sentimento de ternura e gratidão, como se não se comemorasse um fato verdadeiro, ou não lhes dissesse respeito? Continuar lendo

ABUSO DA DIVINA MISERICÓRDIA – PONTO III

Imagem relacionadaLê-se na Vida do Padre Luís de Lanusa que, certo dia, dois amigos passeavam juntos em Palermo. Um deles, chamado César, que era ator, vendo o seu companheiro pensativo em extremo, disse-lhe:

“Apostaria que te foste confessar, e por isso estás tão preocupado… Eu não quero acolher tais escrúpulos… Escuta: Disse-me um dia o Padre Lanusa que Deus me concedia ainda doze anos de vida, e que, se nesse tempo não me emendasse, morreria de má morte. Viajei depois por muitos países; sofri de diversas doenças, uma das quais me levou às portas da morte… É neste mês que se completam os famosos doze anos, e sinto-me disposto como nunca…”

Após esta fala, César convidou seu amigo a ver, no sábado seguinte, a estreia de uma comédia de sua autoria…

Naquele sábado, dia 24 de novembro de 1668, quando César se dispunha a entrar em cena, foi acometido subitamente de uma congestão e veio a morrer repentinamente nos braços de uma atriz. Assim acabou a comédia. Pois bem, meu irmão, quando o demônio, por meio da tentação, te excita outra vez ao pecado, se quiseres condenar-te podes cometer livremente o pecado; mas então não digas que desejas tua salvação.

Quando quiseres pecar, considera-te como condenado, e imagina que Deus dita tua sentença, dizendo: Que mais posso fazer por ti, ingrato, além do que já fiz? (Is 5,4). Já que queres condenar-te, condena-te, condena-te, pois… a culpa é tua.

Dirás, acaso: onde está então a misericórdia de Deus?… Desgraçado! Não te parece misericórdia o ter-te Deus suportado tanto tempo, apesar de tantos pecados? Prostrado diante dele e com o rosto em terra, devias estar a render-lhe graças e dizendo: Continuar lendo

COMEMORAÇÃO DO PRECIOSÍSSIMO SANGUE DE NOSSO SENHOR JESUS CRISTO

sangueRedemisti nos, Domine, in sanguine tuo… et fecisti nos Deo nostro regnum — “Remiste-nos, Senhor, em teu sangue, e fizeste-nos reino para Deus” (Apoc. 5, 9).

Sumário. O Senhor não se contentou com pagar pela sua morte a pena a nós devida e anular com o seu sangue a sentença da nossa condenação eterna; quis ainda, no sacramento da penitência, preparar-nos um banho salutar de seu sangue, no qual pudéssemos, à vontade, lavar-nos das manchas do pecado. E nós não O amaremos de todo o coração?… Tomemos o belo hábito de oferecer freqüentemente este Sangue preciosíssimo ao Eterno Pai, para obtermos todas as graças de que precisamos.

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O nosso amantíssimo Redentor não veio ao mundo para outro fim, senão para salvar os pecadores. Por isso não se contentou com pagar pela sua morte a pena a nós devida e anular com o seu sangue a sentença da nossa eterna condenação (1); mas com o mesmo sangue quis ainda preparar-nos um banho salutar para nos limparmos das manchas dos nossos pecados: Dilexit nos, et lavit nos in sanguine suo (2) — “Ele nos amou e lavou em seu sangue”. — E isso não somente uma vez, senão quantas quisermos; porquanto, prevendo que, depois do Batismo, tornaríamos a manchar-nos pelo pecado, estabeleceu, por meio do sacramento da penitência, que aquele banho durasse até à consumação dos séculos.

Pelo que o Apóstolo nos anima dizendo: Accessistis… ad mediatorem Iesum, et sanguinis aspersionem, melius loquentem quam Abel (3) — “Chegastes… ao mediador Jesus, e à aspersão do sangue, que fala melhor que o de Abel”. Meus irmãos, assim parece dizer-nos, por mais pecadores que sejais, não percais a coragem; pois tendes de tratar, não com um mediador qualquer, mas com Jesus Cristo. Se o sangue dos bodes e dos touros sacrificados tirava aos Hebreus as manchas corporais exteriores, a fim de que pudessem ser admitidos aos ministérios sagrados; quanto mais o sangue de Jesus Cristo, que por amor se ofereceu a pagar por nós, tirará das nossas almas os pecados para podermos servir ao nosso Deus? (4)

Ah! Quanto melhor, conclui São Paulo, o sangue do Redentor implora por nós a divina misericórdia, do que o sangue de Abel bradava por vingança contra Caim! — É o que o Senhor mesmo disse também a Santa Maria Madalena de Pazzi: “A minha justiça converteu-se em clemência pela vingança tomada no corpo inocente de Jesus Cristo. O sangue deste meu Filho não pede vingança, como o sangue de Abel, mas somente misericórdia e piedade, e à tal voz a minha justiça fica necessariamente aplacada. Este sangue liga-me, por assim dizer, as mãos, de modo que não posso mais movê-las para tomar vingança dos pecados, como antes tomavam.” Continuar lendo

ABUSO DA DIVINA MISERICÓRDIA – PONTO II

Resultado de imagem para sagrado coração de jesusDirá, talvez, alguém: Já que Deus usou para comigo de tanta clemência no passado, espero que a terá também no futuro. Eu, porém, lhe respondo: E por ter sido Deus tão misericordioso contigo, queres de novo ofendê-lo? Desse modo — diz São Paulo — desprezas a bondade e paciência de Deus. Ignoras que se o Senhor te suportou até agora, não foi para que continuasses a ofendê-lo, senão para que te penitencies do mal que fizeste? (Rm 2,4) E se tu, fiado na divina misericórdia, não temes abusar dela, o Senhor te retirará. “Se não vos converterdes… entesará o seu arco e tem-no preparado” (Sl 7,13). Minha é a vingança, e eu lhes darei a paga a seu tempo (Dt 32,35). Deus espera; mas, chegada a hora da justiça, já não espera e castiga então.

Deus aguarda o pecador a fim de que se emende (Is 19,18); mas, quando vê que o tempo concedido para os pecados só serve para multiplicá-los, vale-se desse mesmo tempo para empregar a justiça (Lm 1,15). De sorte que o próprio tempo concedido, a mesma misericórdia outorgada, servirão para que o castigo seja mais rigoroso e o abandono mais imediato.

“Medicamos Babilônia e não há sanado. Abandonemo-la” (Jr 51,9).

E como é que Deus nos abandona? Ou envia a morte ao pecador, que assim morre sem arrepender-se, ou o priva das graças abundantes e só lhe deixa a graça suficiente com que o pecador se poderia salvar, mas não se salva. Obcecada a mente, endurecido o coração, dominado por maus hábitos, a salvação lhe será moralmente impossível; e assim ficará, senão em absoluto, pelo menos moralmente abandonado.

“Derrubar-lhe-ei o muro, e ficará exposta…” (Is 5,5).

Que castigo! Triste indício quando o dono rompe o cercado e deixa entrar na vinha os que quiserem, homens e animais: é prova de que a abandona. É o que faz Deus, quando abandona uma alma: tira-lhe a sebe do temor, dos remorsos de consciência e a deixa nas trevas. Penetram, então, nela todos os monstros do vício (Sl 103,20). O pecador, entregue a essa obscuridade, desprezará tudo: a graça divina, a glória, avisos, conselhos e censuras; escarnecerá até de sua própria condenação (Pr 18,3). Continuar lendo

UNIÃO DA ALMA COM JESUS NA SANTA COMUNHÃO

comunQui manducat meam carnem et bibit meum sanguinem, in me manet et ego in illo — “Aquele que come a minha carne e bebe o meu sangue fica em mim e Eu nele” (Jo. 6, 57).

Sumário. Jesus tinha-se dado aos homens como mestre, como modelo e como vítima; restava-Lhe somente que se desse como alimento, a fim de fazer-se uma coisa conosco. É o que fez instituindo a santa Eucaristia. Ó dignação de um Deus para com os homens! Mas como é que há tantos homens que não O amam e Lhe respondem com ingratidão!… Se no passado nós também temos sido do número desses ingratos, esforcemo-nos para amá-Lo tanto mais para o futuro.

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Diz São Diniz, o Areopagita, que o efeito principal do amor é procurar a união com o objeto amado. Exatamente para se unir com as nossas almas foi que Jesus Cristo instituiu a santa Comunhão. Tendo-se dado a nós como mestre, como modelo e como vítima só Lhe restava dar-se a nós como nosso sustento, para fazer-se um só conosco, assim como o sustento se identifica com aquele que o toma. Foi o que fez instituindo este Sacramento de amor.

Jesus Cristo não pode contentar-se com unir-se à nossa natureza humana; com este sacramento quis ainda achar o modo de unir-se a cada um de nós e de ser todo de quem o recebe. A este respeito escreveu São Francisco de Sales: “Em nenhuma outra ação pode o Salvador ser considerado nem mais terno nem mais amoroso, do que nesta, na qual se aniquila, por assim dizer, e se reduz a manjar, a fim de entrar em nossas almas, e unir-se aos corações dos seus fiéis”.

Numa palavra, porque Jesus nos ama ardentemente, quer unir-se conosco pela Eucaristia, a fim de que nos tornemos  uma coisa com Ele, e o seu coração seja um só coração com o nosso. “Voluisti, ut tecum unum cor haberemus”, diz São Lourenço Justiniani: “Quisestes que tivéssemos um só coração convosco”. E primeiro já o dera a entender o próprio Jesus: Qui manducat meam carnem, in me manet et ego in illo — “Quem come a minha carne permanece em mim e Eu nele”. — Assim, na comunhão Jesus une-se com a alma e a alma com Jesus, e esta união não é de mero afeto, mas verdadeira e real. “Como dois pedaços de cera derretidos se misturam”, diz São Cirilo de Alexandria, “assim o que comunga se torna uma coisa com Jesus Cristo. Ó condescendência infinita de um Deus para com os homens! Mas como é então possível que estes não O amem e Lhe respondam com ingratidão? Continuar lendo

SENTENÇA DOS ESCOLHIDOS E DOS RÉPROBOS NO JUÍZO UNIVERSAL

juizo-finalVenite, benedicti Patris mei, possidete paratum vobis regnum… Discedite a me, maledicti, in ignem aeternum — “Vinde, benditos de meu Pai, possui o reino que vos está preparado… apartai-vos de mim, malditos, para o fogo eterno” (Matth. 25, 34 – 41).

Sumário. No Juízo final, a fim de que os réprobos sintam mais a grandeza do bem que perderam, será primeiro pronunciada a sentença dos escolhidos. E enquanto estes entrarem triunfantes no paraíso, o divino Juiz se voltará para os réprobos, e amaldiçoando-os, condená-los-á a se afastarem d’Ele para queimarem no fogo eterno. Meu irmão, com a vida que vais levando, qual das duas sentenças julgas que naquele dia será a tua?

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São Bernardo diz que no Juízo universal Jesus pronunciará primeiramente a sentença dos justos, chamando-os à glória do paraíso, a fim de que os réprobos sintam maior pena à vista do que perderam. Jesus Cristo, pois, voltar-se-á para os escolhidos, e com o semblante cheio de benevolência lhes dirá: Venite, benedicti Patris mei — “Vinde, benditos de meu Pai”. São Francisco de Assis, sabendo por uma revelação que era predestinado à glória, não podia conter a alegria. Qual não será então a alegria dos que ouvirem estas palavras do Juiz: “… Vinde, filhos benditos, entrai no reino que vos espera; não tendes mais nada a sofrer, nada mais a recear; estais salvos, e salvos por toda a eternidade. Abençôo o sangue que por vós derramei, e abençôo as lágrimas que vós derramastes sobre os vossos pecados. Vamos ao paraíso onde juntos permaneceremos eternamente.” A Santíssima Virgem abençoará também os seus dedicados servos e os convidará a acompanhá-la à celeste morada; e assim cantando aleluia! aleluia! Os escolhidos entrarão triunfantes no paraíso, para possuírem, louvarem e amarem eternamente a Deus.

Ao contrário, os réprobos voltados para Jesus Cristo dir-Lhe-ão: Que será feito de nós, desgraçados? — Vós, assim dirá o Juiz eterno, já que haveis recusado e desprezado a minha graça: Discedite a me, maledicti, in ignem aeternum — “Apartai-vos de mim, malditos, para o fogo eterno”. Discedite: apartai-vos, nunca mais vos quero ver nem ouvir. Maledicti, ide, malditos, ide, já que haveis desprezado a minha benção. — Mas para onde, Senhor, para onde devem ir estes desgraçados? In ignem, para o inferno, onde devem arder em corpo e alma. Mas, por quantos anos ou por quantos séculos? O que? Anos? Séculos? In ignem aeternum, por toda a eternidade, enquanto Deus for Deus. Continuar lendo

ABUSO DA DIVINA MISERICÓRDIA – PONTO I

Resultado de imagem para sagrado coraçãoIgnoras quoniam benignitas Dei ad poenitentiam te adducit? – “Não sabes que a benignidade de Deus te convida à penitência?” (Rm 2, 4)

Lê-se na parábola do joio que, tendo crescido num campo essa má erva juntamente com a boa semente, os servos quiseram arrancá-la (Mt 13,29). O Senhor, porém, lhes objetou:

“Deixai-a crescer; mais tarde a arrancaremos para lançá-la ao fogo” (Mt 13,30)

Infere-se desta parábola, por um lado, a paciência de Deus para com os pecadores, e por outro o seu rigor para com os obstinados. Diz Santo Agostinho que o demônio seduz os homens por duas maneiras: “Com desespero e com esperança”. Depois que o pecador cometeu o delito, arrasta-o ao desespero pelo temor da justiça divina; mas, antes de pecar, excita-o a cair em tentação pela esperança na divina misericórdia. É por isso que o Santo nos adverte, dizendo:

“Depois do pecado tenha esperança na divina misericórdia; antes do pecado tema a justiça divina”

E assim é, com efeito. Porque não merece a misericórdia de Deus aquele que se serve da mesma para ofendê-lo. A misericórdia é para quem teme a Deus e não para o que dela se serve com o propósito de não temê-lo.

Aquele que ofende a justiça — diz o Abulense — pode recorrer à misericórdia; mas a quem pode recorrer o que ofende a própria misericórdia? Será difícil encontrar um pecador a tal ponto desesperado que queira expressamente condenar-se. Os pecadores querem pecar, mas sem perder a esperança da salvação. Pecam e dizem: Deus é a própria bondade; mesmo que agora peque, mais tarde confessar-me-ei. Assim pensam os pecadores, diz Santo Agostinho. Mas, meu Deus, assim pensaram muitos que já estão condenados. Continuar lendo

DA NOBREZA DA ALMA

ORAÇÃO PARA A PASSAGEM DO ANO | DOMINUS ESTFili, in mansuetudine serva animam tuam, et da illi honorem secundum meritum suum – “Filho, guarda a tua alma na mansidão, e dá-lhe honra segundo o seu merecimento” (Eccles. 10, 31).

Sumário. A nossa alma é, sem dúvida, mais preciosa do que todos os bens do mundo, não só pela sua nobre origem, senão também, e muito mais, pelo preço do seu resgate e pela sublimidade do seu destino. Por isso o demônio estima-a tão alto, que para se apoderar dela não descansa. Ora dize-me: se o inimigo vela sempre para perder a nossa alma, como podemos nós ficar dormindo o sono da tibieza?

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Devemos considerar bem que o negócio da nossa eterna salvação é um negócio das mais graves consequências, porque se trata da alma, e, tendo-se perdido esta, tudo está perdido. A alma, diz São João Crisóstomo, deve ser tida por nós como mais preciosa que todos os bens do mundo. E, para compreender esta verdade acrescenta São Eleutério, se não nos basta saber que Deus a criou à sua imagem e semelhança, seja-nos ao menos suficiente saber que Jesus Cristo pagou um preço de valor infinito para remir a alma da escravidão do demônio: Si non credis Creatori, interroga Redemptorem — “Se não acreditas no Criador, interroga ao Redentor”.

Assim é: para salvar nossas almas, o próprio Deus sacrificou seu Filho à morte; e o  Verbo eterno não duvidou resgata-las a troco de seu sangue. Empti enim estis pretio magno (1) — “Fostes comprados por alto preço”. Pelo que um santo Padre, considerando o preço do resgate humano, chega a dizer: Parece que o homem vale tanto como Deus. — Tinha muita razão São Filipe Neri de tratar pela salvação da alma. Se tem tamanho valor a nossa alma, que bens do mundo poderemos dar em troca, se viermos a perdê-la? Quam dabit homo commutationem pro anima sua? (2) — “Que dará o homem em troca da sua alma?

Se houvesse na terra homens mortais e outros imortais, e se os mortais vissem os imortais preocupados com as coisas do mundo, procurando granjear honras, bens e prazeres mundanos, dir-lhes-iam sem dúvida: Quanto sois insensatos! Podeis adquirir bens eternos e pensais nessas coisas miseráveis e passageiras? E é por elas que vos condenais a penas eternas na outra vida? Deixai esses bens terrestres para aqueles que, como nós, tudo vem acabar com a morte. Mas não! Todos somos imortais. Como é então que tantas pessoas perdem a alma em troca das miseráveis satisfações deste mundo? Continuar lendo

MEIOS PARA ALCANÇAR O AMOR DE DEUS E A SANTIDADE

meiosDesideria occidunt pigrum… qui autem iustus est tribuet, et non cessabit — “Os desejos matam o preguiçoso; porém, o que é justo dará e não cessará” (Prov. 21, 25 26).

Sumário. Quem quiser ser santo não se deve contentar com o desejo, mas deve resolver-se a por depressa mãos à obra, porque o demônio não teme as almas irresolutas. Os meios para chegar a um fim tão sublime, são particularmente dois: a oração, que faz o amor divino entrar no coração, e a mortificação, que dele remove a terra e o torna apto a receber o fogo divino. Ganhemos ânimo; comecemos desde já a empregar estes meios e nós também chegaremos a ser santos.

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Quem mais ama a Deus é mais santo. Dizia São Francisco Borges que a oração faz entrar o amor divino no coração, ao passo que a mortificação dele remove a terra e fá-lo apto a receber aquele fogo sagrado. Quanto mais espaço a terra ocupa no coração, tanto menos lugar achará ali o santo amor: Sapientia… nec invenitur in terra suaviter viventium(1) — “A sabedoria… não se acha na terra dos que vivem em delícias”. — Por isso é que os Santos sempre procuraram mortificar, o mais possível, o seu amor próprio e os seus sentidos. “Os santos são poucos, mas devemos viver com os poucos, se nos quisermos salvar com os poucos”, escreve São João Clímaco: Vive cum paucis, si vis regnare cum paucis. E São Bernardo diz: “Quem quer levar vida perfeita, deve levar vida singular: Perfectum non potest esse nisi singulare.”

Para sermos santos, devemos, antes de mais nada, ter o desejo de nos tornarmos santos: desejo e resolução. Alguns sempre desejam, mas nunca começam a por mãos à obra. “De semelhantes almas irresolutas”, dizia Santa Teresa, “o demônio não tem medo. Ao contrário, Deus é amigo das almas generosas.”

É, pois, um engano do demônio, no dizer da mesma seráfica Santa, fazer-nos pensar que há orgulho em se querer tornar santo. Seria orgulho e presunção se metessemos a nossa confiança em nossas obras ou resoluções; mas não, se esperamos tudo de Deus, que então nos dará a força que nos falta. — Desejemos, portanto, e ardentemente, chegar a um grau sublime de amor divino e digamos com coragem: Omnia possum in eo qui me confortat (2) — “Eu posso tudo naquele que me fortalece”. Se não achamos em nós tão grande desejo, peçamo-lo instantemente a Jesus Cristo, que não deixará de no-lo dar. Continuar lendo

OUTRA MEDITAÇÃO PARA O QUARTO DOMINGO DA QUARESMA: TERNA COMPAIXÃO DE JESUS CRISTO PARA COM OS PECADORES

pecadMisereor super turbam — “Tenho pena deste povo” (Marc. 8, 2).

Sumário. O nosso amantíssimo Redentor, movido de compaixão para com os pecadores, baixou do céu para salvá-los da morte eterna, à custa do seu sangue. Jesus Cristo declarou que Ele era aquele bom Pastor que tinha vindo à terra para dar vida a suas ovelhas. Que maior sinal de amor podia dar aos homens o Filho de Deus? Voltemo-nos com confiança para Jesus Cristo, se porventura o temos abandonado.

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I. Diz-nos o Evangelho de hoje que achando-se Jesus num monte com os seus discípulos e uma multidão de povo que O acompanhava, compadeceu-se daquele povo faminto. Sabendo que um moço tinha cinco pães de cevada e dois peixes, tomou-os em suas mãos, e tendo dado graças, mandou distribuí-los. Todos comeram e encheram-se doze cestos com os pedaços que sobejaram. Fez o Senhor este milagre, movido da grande compaixão que teve de tantos pobres; mas muito maior é a compaixão que tem dos pobres de alma, os pecadores.

Movido o nosso amantíssimo Redentor da sua grande compaixão para com os homens que tristemente viviam sob a escravidão do pecado, baixou do céu à terra para salvá-los da morte eterna à custa do seu sangue. Por isso cantou Zacarias, pai de São João Batista: Per viscera misericordiae Dei nostri… visitavit nos oriens ex alto (1) — “Pelas entranhas misericordiosas de nosso Deus, visitou-nos o Sol nascido do alto”.

Jesus Cristo mesmo declarou depois, que Ele era aquele bom Pastor que tinha vindo à terra dar a salvação às suas ovelhas, que somos nós: Ego veni, ut vitam habeant et abundantius habeant (2) — “Eu vim para que as ovelhas tenham vida e a tenham em abundância”. Isso quer dizer que Jesus Cristo veio não só para nos fazer recuperar a vida perdida da graça, mas também para nos dar outra mais abundante e melhor do que a que perdemos pelo pecado. Continuar lendo

QUARTO DOMINGO DA QUARESMA: A MULTIDÃO FAMINTA E AS ALMAS DO PURGATÓRIO

purgUnde ememus panes ut manducent hi? — “Onde compraremos pães para que estes comam?” (Io. 6, 5).

Sumário. A tenra compaixão que moveu o Senhor a multiplicar os pães para dar de comer à multidão que o seguia, deve mover-nos a socorrer as almas do purgatório, que são muito mais numerosas e muito mais famintas de seu alimento espiritual, que é Deus. O meio principal de que devemos usar para lhes levar socorro é a santíssima Eucaristia. Em sufrágio dessas almas, visitemos freqüentemente a Jesus sacramentado; aproximemo-nos da mesa da comunhão, e, se não podemos mandar celebrar missas, ouçamos ao menos todas as que as nossas ocupações nos permitam ouvir.

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I. Refere o Evangelho que, estando Jesus assentado sobre um monte, levantou os olhos, e viu ao redor de si uma multidão de quase cinco mil pessoas, que O seguiam, porque viam os milagres que fazia sobre os enfermos. Em seguida, sabendo que um moço tinha cinco pães de cevada e dois peixes, tomou-os em suas mãos, e, tendo dado graças, os mandou distribuir à multidão. Não somente houve o bastante para todos se fartarem, mas com os pedaços que sobejaram, os apóstolos encheram doze cestos. Eis aí o grande milagre que Jesus Cristo fez por compaixão de tantos pobres corporalmente.

Ora, é justo, ou para dizer melhor, é necessário que tenhamos compaixão das almas de outra multidão muito mais numerosa e incomparavelmente mais faminta do seu alimento espiritual: devemos compadecer-nos das almas benditas do purgatório. — Pobres almas! São muitas as penas que padecem naquele cárcere de tormentos; porém, acima de tudo aflige-as a privação da dulcíssima presença de Deus, cuja beleza infinita já conhecem. Não há na linguagem humana palavras apropriadas para exprimir qual seja esta pena; mas ainda que possuíssemos as palavras adequadas, faltar-nos-ia a capacidade de compreendê-las, preocupados como estamos com as coisas terrestres.

Mas a pena que a privação de Deus traz consigo é bem compreendida pelas pobres almas que a padecem. Por isso levantam a sua voz lamentosa e pedem-nos que lhes saciemos a fome inconcebível de contemplarem quanto antes o objeto de seu amor: Miseremini mei, saltem vos, amici mei, quia manus Domini tetigit me (1) — “Compadecei-vos de mim, ao menos vós, que sois meus amigos, porque a mão do Senhor me feriu”. Continuar lendo

TERCEIRA DOR DE MARIA SANTÍSSIMA – PERDA DE JESUS NO TEMPLO

temploEcce pater tuus et ego dolentes quaerebamus te ― “Eis que teu pai e eu Te andávamos buscando cheios de aflição” (Luc. 2, 48).

Sumário. A dor de Maria pela perda de Jesus foi sem dúvida uma das mais acerbas; porque ela então sofria longe de Jesus, e a humildade fazia-lhe crer que o Filho se tinha apartado dela por causa de alguma negligência sua. Sirva-nos esta dor de conforto nas desolações espirituais; e ensine-nos o modo de buscarmos a Deus, se jamais para nossa desgraça viermos a perdê-Lo por nossa culpa. Lembremo-nos, porém, de que quem quiser achar a Jesus, não O deve buscar entre os prazeres e delícias, mas no pranto, entre as cruzes e mortificações, assim como Maria o procurou.

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Quem nascer cego, pouco sente a pena de ser privado de ver a luz do dia; mas quem noutro tempo teve a vista e gozou a luz, muita pena sente em se ver dela privado. E assim igualmente as almas infelizes que, cegas pelo lodo desta terra, pouco têm conhecido a Deus, pouco sentem a pena de O não acharem. Ao contrário, quem, iluminado pela luz celeste, foi feito digno de achar no amor a doce presença do supremo Bem, ó Deus! Que tristeza sente em ver-se dela privado.

Vejamos portanto o muito que a Maria, acostumada a gozar continuamente a dulcíssima presença de seu Jesus, devia ser dolorosa a terceira espada que a feriu, quando, havendo-O perdido em Jerusalém, por três dias se viu dele separado. ― Alguns escritores opinam que esta dor não foi somente uma das maiores que teve Maria na sua vida, mas que foi em verdade a maior e mais acerba. E com razão, porque então ela não sofria em companhia de Jesus, como nas outras dores; e porque a sua humildade lhe fazia crer que Jesus se tinha afastado dela por alguma negligência no seu serviço. Por esta razão aqueles três dias lhe foram excessivamente longos e se lhe afiguraram séculos, cheios de amargura e de lágrimas.

Num quem diligit anima mea vidistis? (1) ― “Vistes porventura àquele a quem ama a minha alma?” É assim que a divina Mãe, como a Esposa dos Cantares, andava perguntando por toda a parte. E depois, cansada pela fadiga, mas sem O ter achado, oh, com quanto maior ternura não terá dito o que disse Ruben de seu irmão: Puer non comparet, et ego quo ibo? (2) ― “O menino não aparece, e eu para onde irei?” O meu Jesus não aparece, e eu não sei que mais possa fazer para O achar; mas aonde irei sem o meu tesouro? Ah, meu filho dileto! Cara luz de meus olhos: faze-me saber onde estás, a fim de que eu não ande mais errando e buscando-Te em vão. Numa palavra, afirma Orígenes que pelo amor que esta santa Mãe tinha a seu Filho, padeceu mais nesta perda de Jesus que qualquer outro mártir no tormento que o privou da vida. Continuar lendo

COMEMORAÇÃO DAS CINCO CHAGAS DE NOSSO SENHOR JESUS CRISTO

chagHaurietis aquas in gaudio de fontibus Salvatoris — “Tirareis com alegria águas das fontes do Salvador” (Is. 12, 3).

Sumário. As Chagas de Jesus são aquelas benditas fontes preditas por Isaías, das quais podemos tirar todas as graças, se as pedimos com fé. São fontes de misericórdia, fontes de esperança, e sobretudo fontes de amor; porquanto as suas águas, ao passo que purificam a alma das manchas da culpa, abrasam-na no santo amor. Avizinhemo-nos muitas vezes daquelas fontes do Salvador, para apagar a nossa sede das graças.

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As Chagas de Jesus Cristo são aquelas benditas fontes preditas por Isaías, das quais podemos tirar todas as graças, se as pedimos com fé: Haurietis aquas in gaudio de fontibus Salvatoris— “Tirareis com alegria água das fontes do Salvador”.

São em primeiro lugar fontes de misericórdia. Jesus Cristo quis que lhe fossem traspassados as mãos, os pés e o lado sacrossanto, a fim de aplacar por nós a divina justiça e ao mesmo tempo abrir-nos um asilo seguro, no qual nos pudéssemos subtrair às setas da ira de Deus.

Por isso, o Senhor mesmo nos anima, dizendo no Cântico dos cânticos: Vem, pomba minha, nas aberturas da pedra (1); isto é, na interpretação de São Pedro Damião: vem dentro destas minhas chagas, onde acharás todo o bem para tua alma. — Mais expressivas ainda são as palavras de que se serve na profecia de Isaías:Ecce in manibus meis descripsi te (2) — “Eis aí que te gravei em minhas mãos”. Como se dissesse: Minha pobre ovelha, tem ânimo; não vês quanto me custaste? Eu te gravei em minhas mãos, nestas chagas que recebi por teu amor. Elas me solicitam sempre a ajudar-te e defender-te de teus inimigos; tem, pois, amor e confiança em mim.

As Chagas de Jesus são também fontes de esperança; porquanto, como escreve São Paulo, o Senhor quis morrer consumido pelas dores, a fim de merecer o paraíso para todos os pecadores arrependidos e resolvidos a emendar-se: Et consummatus, factus est omnibus obtemperantibus causa salutis (3) — “E pela sua consumação foi feito autor da salvação para todos os que Lhe obedecem”. — Durante uma enfermidade, São Bernardo se viu certa vez transportado perante o tribunal de Deus, onde o demônio o acusava de seus pecados e lhe dizia que não merecia o céu. Respondeu-lhe então o Santo: “É verdade que eu não mereço o paraíso; mas Jesus tem dois direitos para este reino: um por ser Filho verdadeiro de Deus, outro por tê-lo merecido com a sua morte. Contentando-se com o primeiro, cedeu-me o segundo, em virtude do qual peço e espero a glória celeste”. É isto, meu irmão, o que nós também podemos dizer: As Chagas de Jesus Cristo são os nossos merecimentos, a nossa esperança: Vulnera tua merita mea. Continuar lendo

GRANDEZA DA DÁDIVA QUE JESUS CRISTO NOS FEZ NA SANTÍSSIMA EUCARISTIA

PRIMEIRAS COMUNHÕES EM LA REJA (ARG) E ANIVERSÁRIO DA FSSPX | DOMINUS ESTIn omnibus divites facti estis in illo — “Em todas as coisas fostes enriquecidos n’Ele” (I Cor. 1, 5).

Sumário. É tão grande a dádiva que Jesus Cristo nos fez na santíssima Eucaristia, que, apesar de ser poderosíssimo, sapientíssimo e riquíssimo, não pode, nem sabe, nem tem para dar-nos outra mais excelente. Como é, pois, possível que os homens, tão sensíveis a qualquer delicadeza, fiquem insensíveis a tão grande dom e paguem o seu benfeitor com ingratidão… se nós também fomos no passado tão ingratos, peçamos de todo o coração que Jesus nos perdoe.

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Santo Agostinho, considerando a grandeza do dom que Jesus Cristo nos oferece na santíssima Eucaristia, ficou tão enlevado, que escreveu esta celebre sentença, que com tal dádiva Jesus esgotou, por assim dizer, os seus atributos infinitos. — Deus, assim diz o santo Doutor, é poderosíssimo, e se quisesse, poderia, a um só sinal seu, criar mil mundos cada qual mais bonito. Contudo, apesar de ser todo poderoso, não nos pode oferecer outro dom mais precioso do que este: Cum esset omnipotens, plus dare non potuit. — Deus é sapientíssimo, e a sua sabedoria, como diz o Real Profeta, não tem limites (1). Mas com toda a sua sabedoria, não sabe achar um dom mais excelente do que a santíssima Eucaristia: Cum esset sapientissimus, plus dare nescivit. — Deus afinal é riquíssimo e os seus tesouros são inesgotáveis. Todavia, com toda a sua riqueza não tem jóia mais preciosa ou mais estimável do que esta para nos presentear: Cum esset ditissimus, plus dare nescivit.— E a razão é óbvia: Na santíssima Eucaristia Jesus Cristo nos dá não somente a sua humanidade, senão também a sua divindade. Para nos oferecer, pois, outro dom mais excelente do que este, mister seria que nos desse um Deus maior do que Ele mesmo; o que é impossível.

Tinha razão Isaias em exclamar: Notas facite adinventiones eius (2) — “Publicai, ó homens, as invenções amorosas de nosso bom Deus”. Se o Redentor nos não tivesse feito espontaneamente este donativo quem é que Lho ousaria pedir? Quem é que se atrevera a dizer-Lhe: Senhor, se quereis fazer-nos conhecer o vosso amor, escondei-Vos sob as espécies de pão e vinho e consenti que Vos tomemos como nosso alimento? Mas o que nunca poderiam imaginar os homens, concebeu-o e cumpriu-o o grande amor de Jesus Cristo. Ó prodígio de amor! Continuar lendo

DA GLÓRIA DE SÃO JOSÉ, ESPOSO DA VIRGEM MARIA

joseQui custos est Domini sui, glorificabitur — “O que é o guarda do seu Senhor, será glorificado” (Prov. 27, 18).

Sumário. Devemos ter por certo que a vida de São José, sob a vista e na companhia de Jesus e Maria, foi uma oração contínua, cheia de fé, de confiança, de amor, de resignação e de oferecimento. Visto que a recompensa é proporcionada aos merecimentos da vida, considera quão grande será no paraíso a glória do santo Patriarca. Com razão se admite que ele, depois da Bem-aventurada Virgem, leva vantagem a todos os demais Santos. Por isso, quando São José quer obter alguma graça para seus devotos, não tanto pede, como de certo modo manda a Jesus e Maria.

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A glória que Deus confere no céu a seus Santos é proporcionada à santidade de vida que eles levaram em terra. Para termos uma idéia da santidade de São José, basta que consideremos unicamente o que diz o Evangelho: Ioseph autem vir eius, cum esset iustus(1) — “José seu esposo, como era homem justo”. A expressão homem justo significa um homem que possui todas as virtudes; porquanto aquele a quem falta uma delas, não pode ser chamado justo.

Ora, se o Espírito Santo chamou a São José justo, na ocasião em que foi escolhido para Esposo de Maria, avalia, que tesouros de amor divino e de todas as virtudes o nosso Santo não devia auferir dos colóquios e da contínua convivência com a sua santa Esposa, que lhe dava exemplos perfeitos de todas as virtudes. Se uma só palavra de Maria foi bastante eficaz para santificar ao Batista e para encher Santa Isabel do Espírito Santo, a que alturas não pensamos que deve ter chegado a bela alma de José pela convivência familiar com Maria, da qual gozou pelo espaço de tantos anos?

Além disso, que aumento de virtudes e de méritos não deve ter adquirido São José convivendo continuamente por tantos anos com a própria santidade, Jesus Cristo, servindo-O, alimentando-O e assistindo-Lhe nesta terra?

Se Deus promete recompensar aquele que por seu amor dá um simples copo de água a um pobre, considera quão alta glória terá dado a José, que O salvou das mãos de Herodes, Lhe forneceu vestidos e alimentos, O trouxe tantas vezes nos braços e carregou com tamanho afeto. — Devemos ter por certo que a vida de São José, sob a vista e na companhia de Jesus e Maria, foi uma oração contínua, cheia de atos de fé, de confiança, de amor, de resignação e de oferecimento. Se, pois, a recompensa é proporcionada aos merecimentos ajuntados na vida, considera quão grande será a glória de São José no paraíso! Continuar lendo

A SEPARAÇÃO DOS ESCOLHIDOS E DOS RÉPROBOS NO JUÍZO FINAL

juizoExibunt angeli, et separabunt malos de medio iustorum — “Sairão os anjos e separarão os maus do meio dos justos” (Matth. 13, 49).

Sumário. Quando todos os homens estiverem reunidos no vale de Josafá, virão os anjos separar os réprobos dos escolhidos. Estes ficarão à direita e aqueles serão, para sua confusão, impelidos para a esquerda. Oh, que triste separação! Meu irmão, de que lado nos acharemos nesse dia? À direita com os escolhidos, ou à esquerda com os condenados? Se quisermos estar à direita, deixemos o caminho que conduz à esquerda.

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Assim que os homens tiverem ressuscitado, ser-lhes-á intimado que se dirijam todos ao vale de Josafá, para serem julgados. Quando todos estiverem ali reunidos, virão os anjos e separarão os réprobos dos escolhidos: Exibunt angeli, et separabunt malos de medio iustorum. Os justos ficarão à direita, e os condenados serão impelidos para a esquerda. — Que mágoa não sentiria quem fosse banido da sociedade ou da Igreja! Mas que dor muito maior não sentirá, quando se vir expulso da companhia dos Santos! Unus assumetur, et alter relinquetur(1) — “Um será tomado, e outro será desprezado”. Diz São Crisóstomo que, se os réprobos não tivessem outra pena a sofrer, esta confusão já seria para eles um suplício infernal.

Atualmente no mundo são julgados felizes os príncipes e os ricos; e são desprezados os santos que vivem na pobreza e humildade. Ó cristãos fiéis, vós que amais a Deus, não vos aflijais porque neste mundo viveis desprezados e em tribulações: Tristitia vestra vertetur in gaudium (2) “A vossa tristeza se há de converter em alegria”. Então se dirá que vós sois os verdadeiros felizes, e tereis a honra de ser proclamados os cortezãos da corte de Jesus Cristo.

Que brilhante figura não fará então um São Pedro de Alcântara, que foi vilipendiado como apóstata! Um São João de Deus, que foi tratado como insensato! Um São Pedro Celestino, que morreu numa prisão depois de ter abdicado o papado! Que honra receberão então tantos mártires, cruciados aqui pelos algozes! Tunc laus erit unicuique a Deo (3) — “Então cada um terá de Deus o louvor”. Que horrível figura, pelo contrário, não fará um Herodes, um Pilatos, um Nero, e tantos outros grandes da terra, agora condenados! — Ó partidários do mundo, espero-vos no vale de Josafá. Aí mudareis sem dúvida de sentimentos; aí deplorareis a vossa loucura. Infelizes! Por uma curta aparição no teatro deste mundo, tendes de fazer depois o papel de condenados na tragédia do juízo final. Continuar lendo

DA VERDADEIRA SABEDORIA

Resultado de imagem para rezandoEt dedit illi scientiam sanctorum — “E deu-lhe a ciência dos santos” (Sap. 10, 10).

Sumário. Oh, que bela ciência, a de saber amar a Deus e salvar a alma. É esta a ciência mais necessária de todas, porquanto, se soubéssemos tudo e não nos soubéssemos salvar, nada nos aproveitaria e seríamos eternamente infelizes; ao passo que seremos eternamente bem-aventurados se soubermos amar a Deus, ainda que no mais fôssemos completamente ignorantes. Quantos sábios estão no inferno! Quantos, que aqui foram ignorantes, gozam no paraíso! Que aproveitou àqueles a sua sabedoria?… Que prejuízo causou a estes a sua ignorância?

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Compreendamos bem que os verdadeiros sábios são aqueles que sabem adquirir a graça de Deus e o paraíso. Que bela ciência a de amar a Deus e salvar a alma! O livro onde se ensina a salvar a alma é de todos o mais necessário. Se soubéssemos tudo e não nos soubéssemos salvar, nada nos aproveitaria e seríamos para sempre desgraçados. Ao contrário, seremos eternamente felizes se soubermos amar a Deus, ainda que no mais fôssemos completamente ignorantes.Beatus qui te novit, etsi alia nescit— “Bem-aventurado o que Vos conhece, ó Deus, embora ignore todas as outras coisas!” exclamava Santo Agostinho.

Certo dia Frei Gil disse a São Boaventura:

– Feliz de ti, padre Boaventura, que sabes tantas coisas, e eu pobre ignorante nada sei; tu podes ser muito mais santo do que eu.

– Escuta — respondeu-lhe o Santo, — se uma velhinha ignorante souber amar a Deus mais do que eu, ela será mais santa do que eu.

Surgunt indocti, et rapiunt coelum — “Os ignorantes levantam-se e conquistam o céu”, disse Santo Agostinho. Quantos rústicos que não sabem ler, mas sabem amar a Deus, se salvam, e quantos sábios segundo o mundo se condenam! Aqueles, e não estes, são os verdadeiros sábios. Que grandes sábios foram um São Pascal, um São Feliz, capuchinho, um São João de Deus, apesar de ignorarem as ciências humanas! Que grandes sábios tantos mártires, tantas virgens, que renunciaram a ilustres alianças, indo morrer por amor de Jesus Cristo! — Numa palavra, os que renunciam aos bens terrestres para se consagrarem a Deus, são chamados homensdesenganados. Portanto, os que abandonam a Deus pelos bens do mundo, devem ser chamados homens enganados. Continuar lendo

OUTRA MEDITAÇÃO PARA O TERCEIRO DOMINGO DA QUARESMA: ESTADO MISERÁVEL DOS QUE RECAEM NO PECADO

miseEt fiunt novissima hominis illius peiora prioribus — “E o último estado daquele homem virá a ser pior do que o primeiro” (Luc. 11, 26).

Sumário. Meu irmão, já que resolveste dar-te todo a Deus, e já o executaste, não creias que as tentações tenham terminado. Antes, mais do que nunca, prepara-te para travar combate com o demônio, que, como diz Jesus Cristo, buscando repouso e não o achando, redobra os esforços para tornar a entrar na alma donde foi expulso. Desgraçado de quem torna a cair depois de ser levantado! Irá enfraquecendo cada vez mais; Deus retirará a sua mão com as graças; e assim o fim de tal homem será pior do que o princípio.

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Meu irmão, já que resolveste dar-te todo a Deus, e assim o executaste, não acrediteis que se tenham acabado as tentações. Escuta o que te diz Jesus Cristo no Evangelho de hoje: “Quando o espírito imundo saiu do homem, anda por lugares desertos, buscando repouso; e não a achando, diz: Voltarei para a casa donde saí. E quando chega, acha-a varrida e adornada. Vai então, e toma consigo outro sete espírito piores do que ele, e, entrando na casa, fazem nela habitação. E o último estado daquele homem virá a ser pior do que o primeiro”.

Com isto o Senhor nos quer dizer que, quanto mais uma alma procura unir-se a Deus e servi-Lo, tanto mais contra ele se enfurece o inimigo, e procura entrar na alma donde foi desterrado. Se o consegue, não entra mais sozinho, mas traz companheiros consigo, para melhor se aquartelar, e assim a segunda ruína da mísera alma será pior do que a primeira.

Diz Santo Tomás que todo o pecado, ainda que tenha sido perdoado, deixa sempre a ferida causada pela culpa. Se portanto se junta outra ferida à antiga, fica a alma tão enfraquecida, que para se levantar precisará de uma graça especial. Por outra parte, Deus não concederá facilmente semelhante graça a um ingrato, que, depois de ser chamado com tão grande amor, e admitido à sua amizade, depois de assentar-se à Mesa eucarística para se alimentar com o Corpo sagrado de Jesus, esquecendo-se de todas estas misericórdias divinas, se revolta contra Ele e Lhe prefere o demônio. Ah! O Senhor fica em extremo sensibilizado com tamanha ingratidão, e por isso: Fiunt novissima hominis illius peiora prioribus — “O último estado daquele homem virá a ser pior do que o primeiro”. Continuar lendo

TERCEIRO DOMINGO DA QUARESMA: O DEMÔNIO MUDO E AS CONFISSÕES SACRÍLEGAS

confErat (Iesus) eiciens daemonium, et illud erat mutum — “Estava (Jesus) expelindo um demônio, e ele era mudo” (Luc. 11, 14).

Sumário. O demônio mudo de que fala o Evangelho, significa o falso pejo com que o espírito infernal, depois de seduzir o cristão a ofender seu Deus, procura fazê-lo ocultar o pecado na confissão. Ah, quantas almas caem todos os dias no inferno por este ardil diabólico! Meu irmão, se jamais o demônio te vier tentar assim, pensa que, se é vergonhoso ofender a Deus tão bom, não o é o confessar o pecado cometido e o livrar-se dele. Quantos santos são venerados sobre os altares, que até fizeram uma confissão pública!

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I. O demônio mudo de que fala o Evangelho é o falso pejo com que o espírito infernal procura fazer-nos calar na confissão os pecados cometidos, depois de primeiro nos ter cegado para não vermos o mal que cometemos e a ruína que nos preparamos ofendendo a Deus. — Com efeito, exclama São João Crisóstomo, o demônio faz em todas as coisas o contrário do que Deus faz. O Senhor pôs vergonha no pecado, para que não o cometamos; mas depois de o havermos cometido, anima-nos a confessá-lo, prometendo o perdão a quem se acusa. O demônio, ao contrário, inspira confiança ao pecador com a esperança do perdão; mas cometido o pecado, cobre-o de vergonha, para que se não confesse.

Por este ardil diabólico, ó, quantas alma já foram precipitadas e ainda se precipitam cada dia no inferno! Sim, porque os miseráveis convertem em veneno o remédio que Jesus Cristo nos preparou com seu preciosíssimo sangue, e ficam presas com uma dupla cadeia, cometendo depois do primeiro pecado outro mais grave: o sacrilégio.

Irmão meu, se por desgraça a tua alma está manchada pelo pecado, escuta o que te diz o Espírito Santo: Pro anima tua ne confundaris dicere verum (1). Sabe, diz ele, que há duas qualidades de vergonha; deves fugir daquele que te faz inimigo de Deus, conduzindo-te ao pecado; mas não da que se sente ao confessá-lo e te faz receber a graça de Deus nesta vida e a glória do paraíso na outra. Continuar lendo

DA MISERICÓRDIA DE DEUS – PONTO III

Resultado de imagem para rezando igrejaOs príncipes da terra, às vezes, julgam ser baixeza fitar os vassalos que lhes vêm pedir perdão. Não é assim, porém, que Deus procede conosco.

“Não voltará de vós o rosto, se contritos a ele vos chegardes” (2Par 30,9).

Não, Deus não oculta sua face aos que se convertem. Ao contrário, ele mesmo os convida e promete recebê-los logo que se apresentem… (Jr 3,1; Zc 1,3) Oh, com quanto amor e ternura Deus abraça o pecador que volta para ele! Jesus Cristo claramente no-lo ensina por meio da parábola do Bom Pastor, que, falando da ovelha perdida, a põe amorosamente aos ombros (Lc 15,5) e convida seus amigos para que com ele se regozigem (Lc 15,6). E São Lucas acrescenta:

“Haverá gozo no céu por um pecador que faz penitência” (Lc 15,7).

O mesmo manifestou o Redentor na parábola do Filho pródigo, quando declarou que ele próprio é aquele pai que, ao ver voltar o filho perdido, corre-lhe ao encontro, e, antes que lhe fale, o abraça e cobre de beijos, e nem mesmo com essas ternas carícias pode expressar o consolo que sente (Ez 18,21-22).

O Senhor chega até a assegurar que, quando o pecador se arrepende, ele risca da memória as ofensas, como se nunca houvessem existido. Veja-se o que diz: “Vinde e argui-me; se vossos pecados forem cor de escarlate, tornar-se-ão brancos como a neve” (Is 1,18; Ez 18,21- 22), ou ainda: “Vinde, pecadores, se não vos perdoar, repreendei-me e acusai-me de infidelidade…”. Mas, não, Deus não sabe desprezar um coração que se humilha e se arrepende (Sl 50,19). Continuar lendo

MARIA SANTÍSSIMA, MODELO DE AMOR PARA COM DEUS

mariaEgo Mater pulchrae dilectionis — “Eu sou a Mãe do belo amor” (Ecclus. 24, 24).

Sumário. O fogo de amor em que ardia o Coração da Santíssima Virgem foi tão veemente, que ela não repetia os atos de amor, como fazem os outros santos, mas por um privilégio singular amou a Deus sempre atualmente com um contínuo ato de amor. Mas se Maria amou e ama tanto a seu Deus, certamente ela não exige outra coisa de seus devotos, senão que O amem também. Como é que tu O amas? Se por ventura te sentes frio, chega-te com confiança a tua amada Mãe e roga-lhe que te faça seu semelhante.

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Deus, que é amor, veio ao mundo para acender em todos a chama do seu divino amor; mas nenhum coração ficou tão abrasado como o Coração de sua Mãe, o qual, sendo todo puro dos afetos terrenos, estava todo disposto para arder neste santo fogo. Por isso o Coração de Maria se tornou todo fogo e chamas, como se lê nos Cânticos sagrados: Lampades eius, lampades ignis atque flammarum(1)? “As suas lâmpadas são umas lâmpadas de fogo e de chamas”. Fogo, ardendo interiormente, como explica Santo Anselmo, e chamas resplandecendo para fora com o exercício das virtudes.

Revelou a própria Maria a Santa Brígida, que neste mundo ela não teve outro pensamento, outro desejo, nem outro gosto senão Deus. Eis porque a sua alma bendita absorta sempre nesta terra na contemplação de Deus, fazia inúmeros atos de amor. Ou, para melhor dizer, como escreve Bernardino de Bustis, Maria não multiplicava os atos de amor, como fazem os outros santos; mas, por um privilégio singular, ela amou a Deus atualmente com um contínuo ato de amor. Qual águia real sempre tinha os olhos fixos no divino Sol, de maneira (diz São Pedro Damião) que nem as ações da vida lhe impediam o amor, nem o amor lhe impedia a ação.

Acrescentam Santo Ambrósio, São Bernardino e outros, que nem mesmo o sono interrompia o ato de amor da Santíssima Virgem; de modo que podia verdadeiramente dizer com a sagrada Esposa: Ego dormio, et cor meum vigilat (2)? “Eu durmo e o meu coração vela”. Foi figura de Maria o altar propiciatório, no qual nunca se extinguia o fogo, nem de dia, nem de noite. Numa palavra, afirma o Bem-aventurado Alberto Magno que Maria foi cheia de tão grande amor, que quase não podia caber mais amor numa pura criatura terrestre. Os próprios serafins podiam descer do céu, para aprenderem no Coração de Maria como se deve amar a Deus. No reino celeste ela só, entre todos os santos, pode dizer a Deus: Senhor, se não Vos amei quanto mereceis, ao menos amei-Vos quanto me foi possível. Continuar lendo

COMEMORAÇÃO DO SAGRADO SUDÁRIO DE NOSSO SENHOR JESUS CRISTO

Santo Sudário será exposto no Sábado Santo - Vatican NewsEt depositum (corpus) involvit sindone — “Tendo descido (o corpo), amortalhou-o num lençol” (Luc. 23, 53).

Sumário. Para que estivéssemos sempre lembrados de seu amor, quis Jesus Cristo deixar a sua sagrada efígie estampada no santo Sudário. Não faltam na vida de Jesus feitos gloriosos cuja imagem nos podia deixar. Sendo, porém, a cor rubra da Paixão a mais apropriada para representar o amor, deixou de parte todos os demais fatos da sua vida, e quis representar perante nós o Homem das dores, a fim de que nos fosse tanto mais amável, quanto mais desfigurado. Amemo-Lo, pois, de todo o coração e soframos de boa mente alguma coisa por seu amor.

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“Duas coisas”, escreve Cícero, “fazem conhecer um amigo: fazer-lhe bem e sofrer por ele; e esta última coisa é a maior prova de um verdadeiro amor.” Deus já tinha feito brilhar o seu amor para com os homens, em grande número de benefícios; mas, diz São Pedro Crisólogo, logo, julgou muito pouco para seu amor, somente fazer-lhes bem, se não achasse outro modo de lhe mostrar quanto o amava, sofrendo e morrendo por ele, como fez tomando a natureza humana. Por isso escreve o Apóstolo São Paulo, que a morte de Jesus Cristo pela salvação dos homens demonstrou até onde chegava o amor de Deus para conosco, as suas miseráveis criaturas: Apparuit benignitas et humanitas Salvatoris nostri Dei(1) — “Apareceu a benignidade e o amor de Deus, nosso Salvador”.

A fim de que sempre nos lembrássemos deste seu excesso de amor, depois de consumada a Redenção do gênero humano, quis deixar-nos a sua imagem estampada no Sudário em que o envolveram depois da morte. Não faltavam, de certo, na vida de Jesus mil feitos gloriosos, cuja representação nos podia deixar, tais como sejam a adoração dos Magos, a transfiguração no Tabor, a ressureição de Lázaro, a multiplicação dos pães e mais outros. Mas, no dizer de São Bernardo, porque “a cor rubra da Paixão é a mais apropriada para representar o grau supremo e incomparável de amor, Jesus deixou de parte todo o fato glorioso, para se nos representar no estado de miséria predito por Isaías: Como homem de dores, objeto de desprezo e o último dos homens, ferido por Deus e humilhado como um leproso, o mais miserável dos filhos dos homens, coberto de chagas desde a cabeça aos pés, maltratado e desfigurado, até não ter mais parecença de homem:unde nec reputavimus eum (2).

Ah, meu amantíssimo Senhor, em vista de tantos testemunhos do vosso amor, quem poderá deixar de Vos amar? Tinha razão Santa Teresa, ó meu amabilíssimo Jesus, de dizer que, quem não Vos ama, prova que não Vos conhece. Continuar lendo

DA MISERICÓRDIA DE DEUS – PONTO II

Resultado de imagem para rezando igrejaConsideremos, além disso, a misericórdia de Deus, quando chama o pecador à penitência… Adão, depois de ter-se rebelado contra Deus, escondeu-se. Mas o Senhor, que tinha perdido Adão, vai à procura dele e, quase a soluçar, o chama:

“Onde estás, Adão?…” (Gn 3,9). “Palavras de um pai — diz o Padre Pereira — que procura o filho que perdeu”.

O mesmo tem feito Deus contigo muitas vezes, meu irmão.

Fugias de Deus, e Deus te chamava, ora com inspirações, ora com remorsos da consciência, já por meio de prédicas, já com atribulações ou com a morte de teus amigos. Parece que, falando de ti, Jesus Cristo exclamava:

“Meu filho, quase perdi a voz a chamar-te” (Se 63,4).

Considerai, pecadores — diz Santa Teresa, — que vos chama aquele Senhor que um dia vos há de julgar. Quantas vezes, cristão, te mostraste surdo à voz de Deus? Há muito merecias que não te chamasse mais. Deus, entretanto, não cessa de chamar-te, porque deseja que estejas em paz com ele e assim te possas salvar… Quem é aquele que te chama assim? Um Deus de infinita majestade. E quem eras tu senão um verme miserável e vil?… E para que te chama? Não pode ser senão para te restituir a vida da graça que tinhas perdido. “Convertei-vos e vivei”. (Ez 18,32). Para recuperar a graça divina, seria pouco passar a vida inteira no deserto. Deus, porém, se ofereceu dar-te de novo sua graça em um momento, e tu a recusaste. E, contudo, Deus não te abandona, mas acerca-se de ti e, solícito, te procura, e, lamentando-se, te diz:

“Meu filho, por que queres te condenar?” (Ez 18,31).

Quando o homem comete um pecado mortal, expele Deus de sua alma (Jo 19,14). Que faz Deus, porém?… Conserva-se à porta dessa alma ingrata e clama (Ap 3,20); pede à alma que o deixe entrar (Ct 5,5), e roga até cansar-se (Jr 15,6). Sim, diz São Dionísio Areopagita, Deus corre, como amante desesperado, atrás do pecador, exortando-o a que não se perca. É exatamente o que São Paulo exprimia quando escrevia a seus discípulos: Continuar lendo