Não há qualquer dúvida de que toda palavra humana está sempre exposta à contradição, porque, quando há diferentes movimentos das vontades, são também diferentes os modos de pensar das mentes. Quando se luta com paixão contra os juízos dos adversários, se contradizem as afirmações a que nos opomos. Embora cada palavra conforme a verdade seja perfeita, no entanto, se cada um prefere algo diferente, a palavra verdadeira se expõe à réplica dos contraditores, porque o erro de uma vontade insensata ou perversa se afirma contra a verdade que não entende ou não quer aceitar. O desejo de contradizer persiste, inabalável, e não tem medida a obstinação em contradizer.
A vontade não se submete à razão, e o interesse não se põe a serviço da verdadeira doutrina. Procuramos razões para provar o que desejamos com empenho e adaptamos a doutrina aos nossos desejos. Então será mais de nome do que de realidade, a doutrina que imaginamos, e já não será mantida a norma da verdade, mas a do que agrada, isto é, a que a vontade usará para defender o que quer, e não a que estimulará a vontade pelo conhecimento da verdade racional. Desses vícios das vontades caprichosas, surgem as objeções das tendências contrárias e, entre a afirmação do verdadeiro e a defesa do que agrada, trava-se uma luta pertinaz, visto que a verdade se mantém e a vontade caprichosa se defende. Aliás, se a vontade não precedesse a razão, mas, mediante a compreensão da verdade, fosse movida a querer o verdadeiro, nunca a doutrina originada na vontade seria desejada. Todo desejo de doutrina seria movido pela razão, e a palavra verdadeira não encontraria oposição. Ninguém defenderia como verdadeiro o que deseja, mas sim começaria a querer o que é verdadeiro.
O Apóstolo não ignorava a existência destas vontades viciadas e, entre muitos preceitos para o anúncio da fé e a pregação da Palavra, escreveu a Timóteo: Virá um tempo em que alguns não suportarão a sã doutrina; pelo contrário, segundo seus próprios desejos, como que sentindo comichão nos ouvidos, se rodearão de mestres. Desviarão os ouvidos da verdade, orientando-os para as fábulas (2Tm 4,3-4). Quando, levados pelo desejo da impiedade, não puderem suportar a sã doutrina, então reunirão os mestres que desejam, isto é, os que acumulam argumentos doutrinários adaptados a seus desejos. Não quererão ser ensinados, mas congregarão doutores para dizer-lhes o que querem, a fim de que o próprio acúmulo de pesquisadores e de mestres escolhidos e reunidos por eles satisfaça sua ânsia. Esta tão grande loucura da estulta irreligiosidade ignora qual é o espírito que os leva a não suportar a sã doutrina e desejar a corrompida. Continuar lendo