O DEVER DE DESOBEDECER AOS HOMENS PARA OBEDECER A DEUS

JÁ OUVIU FALAR EM "JOELHOFOBIA"?

Fonte: Permanencia

Um leitor nos escreve:

Prezado Diretor,

Faço questão de participar-lhe do alívio e da satisfação que senti ao ler o Si Si No No de fevereiro de 2003 [edição italiana], especialmente o artigo ‘Autoridade e verdade. Noite ao meio dia?’ [que está sendo publicado neste número da edição brasileira]. Realmente, a brilhante argumentação referente à autoridade papal, que não é absoluta e está limitada pelo direito divino e, portanto, nem sempre obriga à obediência, confirmou-me, mais uma vez, que têm razão de sobra os que decidem continuar pertencendo à Igreja de sempre, isto é, à Igreja da Tradição Apostólica.

Suas demonstrações e provas, dedicadas à refutação dos neomodernistas e “conciliaristas” (que hoje estão soltos pelo mundo e como que possessos por uma sanha diabólica), baseiam-se num plano profundo da moral e da doutrina que nos enche de certeza e esperança quanto ao futuro da Igreja e também à salvação de nossas almas.

Mas, caro diretor, eis aqui a razão de minha carta: há pouco tempo deparei-me com um texto que transcrevo brevemente e que me causou uma pequena “crise” […]. Trata-se de um livro sobre os grandes santos italianos […] em que Santa Catarina de Sena, a grande santa do século XIV, padroeira da Itália, dirige-se a Sire Bernabó Visconti, senhor de Milão, um dos mais perigosos inimigos do papado (1373): “Pecamos diariamente, e por isso necessitamos diariamente de receber o perdão de nossos pecados, mas só a Igreja administra este sacramento, por ser a única depositária do sangue do Cordeiro. Então, quão néscio é quem se afasta do Vigário de Cristo, guardião das chaves do céu! Mesmo que fosse o diabo encarnado, o senhor não deveria rebelar-se contra ele, e sim, humilhar-se sempre e pedir o sangue [do Cordeiro] por misericórdia. De outro modo não poderia obtê-lo nem participar de seus frutos. Rogo-vos, pelo amor de Cristo crucificado, que nunca façais nada contra vosso Chefe […]. Dai-vos conta de que só o demônio pode vos ter tentado a fazer justiça em relação aos maus pastores da Igreja. Não creiais no demônio; o castigo dos prelados não é vossa incumbência; não o consente nosso Salvador, que não quer que Vós nem criatura alguma faça tal justiça, pois é ele próprio quem deseja realizá-la […]”.

Mais tarde […], em 1375, a República de Florença rebelou-se abertamente contra a autoridade do Papado; Catarina trovejou e fulminou seus anátemas contra os reitores do Povoado de Sena: Continuar lendo

DEUS PAI FALA SOBRE A FUNÇÃO DAS FACULDADES NA VIDA ESPIRITUAL

Imagem relacionadaAS FACULDADES COMO DEGRAUS COMUNS

Então Deus Pai, cheio de bondade, olhou para o desejo santo e a fome daquela serva e lhe disse:

– Filha querida, não desprezo os santos desejos dos homens; gosto até de realiza-los. Vou mostrar e explicar quanto pedes. Queres que eu te fale detalhadamente sobre os três degraus e diga-te como hão de agir os pecadores para abandonar o rio do pecado e atingir a ponte. Já me ocupei deste assunto antes quando falei da ilusão e cegueira dos maus, esses “mártires” do demônio que vivem na certeza do inferno. Mostrei que recompensa recebem por suas más ações (14.5) e fiz ver como deveriam comportar-se (14.14). Todavia, para atender ao teu pedido, vou dar maiores explicações.

Já sabes que todos os males procedem do egoísmo (2.7); é ele que obscurece a razão, na qual se encontra a iluminação da fé. Quem perde uma dessas duas luzes, perde ambas. Ao criar o homem à minha imagem e semelhança, dei-lhe a memória, a inteligência e a vontade. Entre elas, a mais nobre é a inteligência. Embora seja movida pela vontade, é a inteligência que alimenta a vontade. Por sua vez, a vontade fornece à memória a recordação de mim e de meus favores. Essa recordação dará à pessoa solicitude e gratidão. Como vês, uma faculdade reabastece a outra, nutrindo o homem na vida da graça.

Não vive o homem sem amor; ele sempre procura algo para amar. Criei por amor, criei-o no amor. Assim, a vontade move a inteligência, quase dizendo-lhe: “Quero amar; o amor é meu sustento”. Desperta-se então a inteligência e responde: ” Se queres amar, vou dar-te o bem para que o ames”! Reflete ela sobre a dignidade humana e sobre a indignidade proveniente do pecado. Na dignidade enxerga a bondade e o amor com que criei o homem; na indignidade percebe a misericórdia, graças à qual dou-lhe o tempo (de arrepender-se) e o liberto do mal. Diante dessas realidades, a vontade se alimenta de amor: sente o desejo santo, despreza a sensualidade, torna-se humilde e paciente, concebe interiormente as virtudes, pratica-as mais ou menos perfeitamente no próximo, de acordo com a perfeição atingida. Mas disso falarei depois (18).
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CAMINHOS DA CONVERSÃO

Resultado de imagem para conversãoPasso a falar-te agora dos pecadores que, forçados pelos sofrimentos da vida e medo dos castigos futuros, procuram livrar-se do egoísmo. Envio-lhes contrariedades, para que compreendam que esta vida não constitui a meta final, que as realidades terrenas são imperfeitas e passageiras, que eu sou o fim último. Por medo da punição, tais pessoas saem do rio do pecado, “vomitando” (na confissão) o “veneno” que o “escorpião” neles injetara em forma de “ouro”. Haviam sido iludidos, mas ao perceber o engano, aos poucos elas se erguem e, dirigindo-se para a margem, agarram-se à ponte.

Mas o temor servil (medo de castigos), sozinhos, não é suficiente para fazer o pecador progredir, limpar sua casa e afastar-se dos pecados mortais. É preciso encher a alma de virtudes, sob o alicerce da caridade. Por si mesmo o temor servil não dá a vida (da graça); o pecador há de coloca-lo no primeiro degrau da ponte (v. 12.1) os dois pés do amor 58 que conduzem até Cristo. É o primeiro degrau da escada do seu corpo. Tal é o primeiro acordar dos escravos do pecado que se convertem: o medo dos castigos! Muitas vezes, os próprios sofrimentos causados pela vida pecaminosa produzem tédio e repulsa. Quando o temor servil é acompanhado pela iluminação da fé, os pecadores passam do mal para o bem. Infelizmente, muitos deles passam a viver em tal tibieza que com facilidade retrocedem, após ter atingido as margens do rio do pecado; ventos contrários obrigam-nos a retornar às ondas no caudal tenebroso do pecado.

Umas vezes, é o vento da prosperidade. Sem ter atingido o primeiro degrau por negligência, ainda sem amor à virtude, o homem retorna aos prazeres desordenados. Outras vezes, é o vento da adversidade. Então, retrocedem por impaciência. Tendo deixado o pecado só por medo das penas e não porque se trata de uma ofensa contra mim, retorna a ele. Em matéria de virtudes, necessita-se da perseverança. Quem não persevera, jamais realiza seus desejos, levando a termo o que começou. Sem perseverança, nada se faz; a força de vontade no cumprimento de um ideal supõe esta virtude.
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OS PECADORES SOFREM

Resultado de imagem para pecadoresExpliquei antes que é a vontade que faz o homem sofrer (14.9). Meus servidores não sofrem, porque se despojaram da vontade própria e se revestiram da minha. Eles vivem contentes, sentem minha presença em suas almas. Mesmo que possuíssem o mundo inteiro, não seriam felizes se eu estivesse ausente. As realidades terrenas são menores que o homem, para ele foram criadas, não vice-versa. Por tal motivo os bens materiais não satisfazem; somente eu sou capaz de saciar o homem. Já os infelizes pecadores, como cegos, afadigam-se continuamente, à procura de uma felicidade fora de mim. E sofrem.

Queres saber como sofrem? Quando alguém perde algo, com o que se identificara, seu apego faz sofrer. É o que acontece  com os pecadores, identificados por vários modos com os bens materiais. Eles se materializam. Uns identificam-se com a riqueza, outros com a posição social, outros com os filhos; uns se afastam de mim por apego a uma pessoa; outros transformam o próprio corpo em animal imundo e impuro. Todos eles assim se nutrem de bens terrenos. Gostariam que tais realidades fossem duradouras, mas não o são. São perdidas por ocasião de mortes ou de outros acontecimentos por mim dispostos. Diante de tal perda, os pecadores entram em sofrimento atroz, pois a dor da separação se compara à desordenada afeição a posse. 

Se os pecadores usassem os bens materiais enquanto emprestados, sem nenhum sofrimento os perderiam. Angustiam-se, por não mais ter o que amavam. O mundo não dá a felicidade total; não se sentindo inteiramente saciados, os pecadores sofrem. Quanta ilusão produz, por exemplo, o remorso; como se martiriza quem deseja vingar-se! O homem desejoso de vingança se corrói e morre antes mesmo de matar o inimigo. O primeiro morto é ele mesmo. Mata-se com o punhal do ódio. Quantos padecimentos no ganancioso, que multiplica ao extremo suas necessidades. E o invejoso, a morder-se no próprio coração; jamais se alegra com a felicidade alheia, angustia-se por falsos temores em tudo quanto se apega. Todos estes carregam-se com a cruz do diabo e experimentam nesta vida a certeza da condenação. Vivem diversamente doentes e, se não se corrigirem, vão depois para a morte eterna.    

São homens feridos pelos espinhos das contradições, a torturarem-se interna e externamente. E por cima, sem merecimento algum! Sofrem na alma e no corpo, nada merecem; é sem paciência que padecem esses males. Vivem revoltados, apegando-se aos bens materiais com desordenado amor. Não possuem a graça e a caridade, são árvores mortas (v. 14.2) que produzem frutos mortíferos. Vão se afogando na dor pelo rio do pecado; cheios de ódio entram pela porta do diabo; atingem as águas mortas e chegam à condenação!

O Diálogo – Santa Catarina de Sena

OS PECADORES E AS RIQUEZAS

Resultado de imagem para jovem ricoEnganam-se, pois, os pecadores. Ao se privarem da luz da fé, tornam-se cegos e caminham tateando, agarrando-se a tudo que encontram. Com o olhar obscurecido, afeiçoam-se aos bens materiais e passageiros, iludem-se como tolos que vêem o ouro e não o veneno.

Deves saber que as realidades materiais, com seus prazeres e deleites, quando conseguidas e conservadas sem mim, só por egoísmo desordenado, não passam de escorpiões enganadores. Na tua juventude, depois da visão da árvore (14.8), eu te fiz ver escorpiões com cabeça de ouro e cauda de veneno. O ouro e o veneno confundiam-se, mas o aspecto que primeiro se via era do ouro. Apenas conseguiam escapar do veneno aqueles que estavam iluminados pela fé. Como te disse naquela ocasião, tais pessoas eram as que eliminavam o veneno da própria sensualidade. Os que preferiam possuir bens materiais, eram os que usavam sua inteligência na aquisição, posse e uso do “ouro” deste mundo. As almas desejosas de grande perfeição, desprezavam o ouro, afetiva e efetivamente.

Como te afirmei aquela vez, estes últimos são os que seguem os conselhos (evangélicos) quanto ao desejo e quanto à prática, conforme o legado de Cristo. Outros, na posse de bens, seguem os conselhos somente pelo desejo, não na vida prática.

Como os conselhos estão ligados aos mandamentos, ninguém vive estes últimos se não segue os conselhos, senão efetivamente, pelo menos quanto ao desejo. Em outras palavras, o cristão que possui bens, deve fazê-lo na humildade, sem orgulho, como coisa emprestada, não própria. Dou-vos os bens para o uso. Tanto possuís, quanto concedo; tanto conservais, quanto permito; e tanto permito, quanto julgo útil à vossa salvação. Tal há de ser a vossa atitude quanto ao uso dos bens materiais. Assim fazendo, o cristão obedece aos mandamentos – amando-me sobre todas as coisas e ao próximo como a si mesmo – e conserva o coração desapegado das riquezas, afetivamente, como nada possuindo. Não se apega aos bens, não os possui em oposição aos meus desígnios. Continuar lendo

INFELICIDADE DOS PECADORES

Resultado de imagem para pecadoresExpliquei qual é a ilusão dos pecadores no seu desordenado temor e como sou um Deus imutável, livre da acepção de pessoas, unicamente atento ao desejo santo. Foi o que te revelei no simbolismo da árvore. Passo a falar dos que sofrem e dos que não sofrem ante os espinhos e dores que a terra produziu depois do pecado (original). Tendo-me ocupado da situação dos pecadores que se deixam iludir pela própria sensualidade, vou explicar-te em que sentido essas pessoas são feridas por tais espinhos.

Todos os que nascem e vivem neste mundo passam por fadigas corporais e espirituais. Sim, também os meus servidores padecem nos seus corpos; mas em seus espíritos não, porque suas vontades estão identificadas com a minha. O que faz o homem sofrer é a vontade. Quanto aos pecadores, sofrem na alma e no corpo. Eles experimentam no mundo as primícias do Inferno, como os meus servidores já gozam a garantia do Céu.

Sabes qual é a grande felicidade dos santos? É possuir a vontade satisfeita em todas as suas aspirações. Ao desejar-me, possuem-me, tendo deixado o peso do corpo que produzia a lei que luta contra o espírito. Na vida terrena, o corpo impedia o perfeito conhecimento da Verdade e minha visão face a face. Separando-se do corpo, a vontade dos bem-aventurados realiza-se: ao desejo de ver-me corresponde a visão, e com ela, a beatitude. Vendo, conhecem-me; conhecendo, amam-me; amando, saboreiam-me; saboreando, realizam-se quanto ao desejo de me ver e conhecer. Desejando, possuem; possuindo, desejam. Como disse (14.4), o sofrimento está distante do desejo e fastio da saciedade. Como vês, meus servidores são felizes, especialmente na visão celeste. Ela satisfaz seus desejos, sacia suas vontades. Neste sentido afirmei (14.9) que a vida eterna consiste na posse das coisas que a vontade deseja, isto é, conhecer-me, ver-me.
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A FÉ MORTA DOS PECADORES

Resultado de imagem para chorando mulherDisse tais coisas, para que saibas melhor como os pecadores, pela acenada ilusão (14.8), vivem na certeza do inferno. Agora explico a origem de tal ilusão: a falta de fé proveniente do egoísmo.

Da mesma maneira como a Verdade é conhecida na luz da fé, assim a mentira e a ilusão brotam da falta de fé. Falo da falta de fé dos batizados, pois no batismo ela lhes foi dada. Ao chegar à idade da razão, os batizados que escolhem a vida virtuosa conservam a luz da fé e praticam o bem em benefício dos outros; comportam-se como a mulher que gera um filho e o entrega vivo ao marido (v. 2.10). Fazem o mesmo para comigo, esposo da alma, oferecendo-me virtudes vivas na caridade.

Diverso é o comportamento dos pecadores. Ao atingirem a idade da razão, não exercitam a fé, nem praticam o bem na vida da graça, mas geram obras mortas. Suas ações, praticadas em estado de pecado, sem a iluminação da fé, são obras mortas. Do batismo conservam só a recordação, não a graça. O olhar da fé se obscurece pelo egoísmo e já não podem ver. Deles se diz que possuem a fé, não as obras (Tg 2,26). Com a fé morta e encoberta pelo modo dito acima (14.9), eles não reconhecem o próprio nada, ignoram os seus defeitos, esquecem-se dos benefícios meus, pois de mim receberam o ser e as demais perfeições. Continuar lendo

A ILUSÃO DO PECADO

Resultado de imagem para olhar malignoEu disse antes (14.7) que os demônios convidam os homens para a água-morta, a única que lhes pertence, cegando-os com prazeres e satisfações do mundo. Usa o anzol do prazer e fisga-os mediante a aparência de bem. Sabe ele que por outros caminhos nada conseguiria; sem o vislumbre de um bem ou satisfação, os homens não se deixariam aprisionar. Por sua própria natureza, a alma humana tende ao bem. Infelizmente, devido à cegueira do egoísmo, o homem não consegue discernir qual é o bem verdadeiro, realmente útil ao corpo e à alma. Percebendo isso, o demônio, maldoso, apresenta-lhe numerosos atrativos maus, disfarçados porém sob alguma utilidade ou prazer. Adapta-se ele às diversas pessoas, variando atitudes e males conforme crê oportuno. De uma forma tenta o leigo, de outra o religioso, o prelado, os chefes; a cada um, conforme a sua posição social.

Falei dessas coisas porque no presente estou ocupando-me dos pecadores que se afogam pelo rio do pecado. São homens egoístas, que só pensam em si mesmos. Amam a si mesmos, ofendem-me. Já disse (14.5) para onde se encaminham; agora quero mostrar-te como se iludem, pois ao tentar fugir dos sofrimentos, em sofrimentos caem. Julgam que o fato de me seguir através da ponte-Cristo seja causa de muita fadiga, por isso voltam atrás com medo dos espinhos. Na realidade tal atitude procede da cegueira e ignorância da Verdade, como te fiz ver no início de tua vida, quando rogavas misericórdia em favor do mundo, desejosa de que eu o libertasse do pecado mortal.

Naquela ocasião, mostrei-me a ti na figura de uma árvore (54). Não vias onde começava, nem onde terminava; somente percebias sua raiz na terra. A “terra” era vossa natureza humana, unida à natureza divina (em Cristo). No tronco da árvore – se ainda recordas – havia alguns espinhos. Evitavam-nos os amantes da própria sensualidade, os quais corriam para um monte de palha, símbolo dos prazeres humanos. A palha assemelhava-se ao trigo. Vias que muitos ali morriam de fome; outros, ao dar-se conta da ilusão, voltavam à árvore, superavam com decisão os espinhos. Essa decisão, antes de ser tomada, parece difícil a quem deseja seguir a estrada da Verdade. Há sempre luta entre a consciência de um lado e a sensualidade do outro. Continuar lendo

OS PECADORES E O FIM DA VIDA

Resultado de imagem para morte pecadorAos homens que caminham pela estrada da mentira resta apenas, qual fruto, a água-morta (50) para onde o demônio os convida. Tendo perdido a iluminação fé, quais cegos e loucos sem entendimento seguiram-no, como se ele dissesse: “Quem tem sede de água-morta, venha a mim, que lha darei”.

Sirvo-me do demônio qual instrumento de minha justiça para atormentar os que me ofendem. Nesta vida o coloquei qual tentador, molestando os homens. Não para que estes sejam vencidos, mas para que conquistem a vitória e o prêmio pela comprovação das virtudes(51). Ninguém deve temer as possíveis lutas e tentações do demônio.

Fortaleci os homens, dei-lhes energia para a vontade no sangue de Cristo. Demônio ou criatura alguma conseguem dobrar a vontade. Ela vos pertence, é livre. Vós, pelo livre-arbítrio, é que escolheis o que querer ou não querer alguma coisa. A vontade, todavia, pode ser entregue como arma nas mãos do diabo, que pode usá-la para vos ferir e matar.

Se a pessoa não lhe dá esta arma, se não consente ante as tentações e lisonjas do maligno, jamais pecará por tentação. Sairá dela até fortalecido e compreenderá que permito as tentações unicamente para vos conduzir ao bem e comprovar vossa virtude.

A caminhada para o bem passa pelo conhecimento de si e de mim. Este duplo conhecimento aumenta no tempo da tentação, no sentido de que o homem toma consciência da própria nulidade, percebe que não consegue evitar as dificuldades indesejáveis, reconhece minha presença a fortalecer sua vontade para não consentir nos maus pensamentos, entende que a tentação é permitida por mim, vê que o demônio é fraco e nada pode além daquilo que lhe é permitido. Aliás, é por amor, não por maldade, que permito as tentações; desejo a vossa vitória, não a derrota. Quero que me conheçais e vos conheçais, atingindo uma virtude provada, pois o bem é comprovado em seu contrário.
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A CONDENAÇÃO ETERNA

Resultado de imagem para condenado infernoOcupei-me da felicidade dos santos, para que entendesses melhor a infelicidade dos condenados ao inferno. Aliás, outro tormento destes últimos é ver quanto os bem-aventurados são felizes. Tal conhecimento acrescenta-lhes a pena, da mesma forma como a condenação dos maus leva os justos a glorificar minha bondade. A luz é mais evidente na escuridão, e a escuridão na luz. Conhecer a alegria dos santos é dor para os réus do inferno.

Os condenados aguardam com temor o dia do juízo final. Sabem que então seus sofrimentos aumentarão. Ao escutar o terrível convite: “Surgite, mortui, venite ad juicium”, a alma retornará ao corpo. Para os bem-aventurados será um corpo de glória; para os réus, um corpo para sempre obscurecido. Diante do meu Filho, sentirão grande vergonha. Também diante dos santos. O remorso martirizará a profundidade do seu ser, quero dizer, a alma; mas também o corpo. Acusá-los-ão: o sangue de Cristo, por eles derramado; as obras de misericórdia, espirituais e corporais, do meu Filho; o bem que eles mesmos deveriam ter praticado em benefício dos outros, segundo o evangelho. Terá seu castigo a maldade com que trataram os irmãos, pois eu mesmo, compassivo, perdoara-lhes (Mt 18,33). Serão repreendidos pelo orgulho, egoísmo, impureza, ganância; e tudo isso reavivará seus padecimentos.

No instante da morte, somente a alma é repreendida; no juízo final também o corpo, por ter sido instrumento da alma na prática do bem ou do mal conforme a orientação da vontade. Todo bem e todo mal é feito através do corpo. Por esse motivo, minha filha, os justos terão no corpo glorificado uma luz e um amor infinitos; já os réus do inferno sofrerão pena eterna em seus corpos, usados para o pecado. Ao recuperar o corpo diante de Jesus ressuscitado, os réus sentirão tormento renovado e acrescido: a sensualidade sofrerá na sua impureza vendo a natureza humana unida à divindade, contemplando este barro adâmico – vossa natureza – colocada acima de todos os coros angélicos, enquanto eles, os maus, estarão no mais profundo abismo.
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A FELICIDADE DOS SANTOS

Resultado de imagem para rezandoTambém o homem justo, ao encerrar sua vida terrena no amor, já não poderá progredir na virtude. Para sempre continuará a amar no grau de caridade que atingiu até chegar até mim. Também será julgado na proporção do amor. Continuamente me deseja, continuamente me possui; suas aspirações não caem no vazio. Ao desejar, será saciado; ao saciar-se, sentirá ainda fome; distanciando-se, assim, do fastio da saciedade e do sofrimento da fome. Os bem-aventurados gozam da minha eterna visão. Cada um no seu grau, de acordo com a capacidade em que vieram participar de tudo o que possuo. Por terem vivido no meu amor e no amor dos homens; por terem praticado a caridade em geral e em particular, qual fruto de um único amor desfrutam – na alegria e gozo – dos bens pessoais e comuns que mereceram. Colocados entre os anjos e santos, com eles se rejubilam na proporção do bem praticado na terra. Entre si congraçados na caridade, os bem-aventurados de modo especial comunicam com aqueles que amaram no mundo. Realizam-no naquele mesmo amor que os fez crescer na graça e nas virtudes. Na terra, ajudavam-se uns aos outros; tal amor continua na eternidade. Conservam-no, partilham-no profundamente entre si; com maior intensidade até, associando-se à felicidade geral.

Não penses que a felicidade celeste seja apenas individual. Não! Ela é participada por todos os cidadãos da pátria, homens e anjos. Quando chega alguém à vida eterna, todos sentem a sua felicidade, da mesma forma como ele participa do prazer de todos. Não no sentido que os bem-aventurados progridam ou se enriqueçam, pois todos são perfeitos e não precisam de acréscimos. É uma felicidade, um prazer, um júbilo, uma alegria que se renova interiormente, ao tomarem eles conhecimento da riqueza espiritual do recém-chegado. Todos compreendem que ele foi elevado da terra à plenitude da graça por minha misericórdia; naquele que chegou todos se alegram, gratos pelos dons de mim recebidos. O novo eleito, igualmente, sente-se feliz em mim e nos bem-aventurados, neles contemplando a doçura do meu amor.
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ORAÇÃO À MISERICÓRDIA DIVINA

Então aquela serva, ébria, incapaz de se dominar, como que em pé diante de Deus, dizia:

Ó misericórdia divina, que disfarças os defeitos humanos! Não me espanto que digas a quem deixa o pecado mortal e volta a ti: “Não me lembrarei mais de que me ofendeste”. Não, misericórdia inefável, não me espanto de que fales assim a quem se converte. Surpreende-me que digas sobre os que te combatem; “Quero que oreis por eles, a fim de que eu os perdoe”.

Ó misericórdia, Pai, que procede da tua divindade e que, pelo teu poder, governa o mundo inteiro. Tua misericórdia nos criou, tua misericórdia nos recriou no sangue de teu Filho, tua misericórdia nos conserva. Foi ela que levou Jesus a atirar-se aos braços da cruz na batalha da vida contra a morte, da morte contra a vida. Então a vida venceu a morte do pecado, enquanto a morte que vem do pecado destruiu a vida física do Cordeiro sem manchas. Mas quem foi o vencido? A morte! Quem o vencedor? Tua misericórdia.

Tua misericórdia produz a vida, concede a luz, revela o Espírito em todos os homens, santos e pecadores. Reluz nas alturas do céu, em teus santos; e, se me volto para a terra, como ela é abundante aqui! Tua misericórdia brilha mesmo na escuridão do inferno, porque não dá aos condenados todo o castigo que merecem. Com tua misericórdia mitigas a justiça; por tua misericórdia nos lavaste no sangue; por misericórdia vieste conviver com os homens.
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QUEIXA DIVINA

Então Deus, ébrio de amor pela nossa salvação, encontrou um modo de aumentar ainda mais a caridade e a dor daquela serva, fazendo-a compreender com quanto amor criara a humanidade. Disto já falamos alguma coisa antes. Dizia-lhe:

-Não vês como todos me ofendem? No entanto eu os criei numa grande chama de amor; dei-lhes graças e favores quase infinitos, gratuitamente, sem nenhum merecimento deles. Olha, minha filha, quanto me ofendem. Especialmente por egoísmo, do qual procedem todos os outros males.  O amor-próprio tudo envenenou. Da mesma forma como a caridade contém todas as virtudes benéficas aos homens, assim o egoísmo procede do orgulho e contém todos os males. Por falta de amor, os homens praticam mutuamente o mal. Não me amam nem se amam. Estes dois amores vão sempre juntos. Por isto eu te dizia (2.5) que todo mal é feito no próximo.

Tenho muito a me queixar dos homens. De mim só receberam o bem e eles me odeiam, praticando toda espécie de mal. Afirmei que somente as lágrimas de meus servidores aplacarão minha ira. Torno a repeti-lo. Servidores meus, colocai-vos diante de mim com muita oração, repletos de dor e tristeza por causa das ofensas cometidas contra mim e por causa da condenação eterna dos maus. Mitigareis a ira do meu julgamento.

Ninguém escapará de minhas mãos. “Sou aquele que sou” (Ex 3.14) e vós, vós não possuís a razão do próprio ser. Sois aquilo que eu fiz. Criei tudo o que participa do ser; somente o pecado não procede de mim, porque é negação. Por não estar em mim, o pecado não merece amor. Quem o faz, ofende toda criação e odeia-me. O homem tem obrigação de me querer bem. Sou imensamente bom, dei-lhe o ser numa chama de caridade. Todavia, os maus fogem de mim. Mas por justiça ou misericórdia, ninguém escapa de minhas mãos.

Abre, pois, os olhos da fé e fixa-os em minhas mãos. Verás como é verdade o que acabei de dizer… 

O Diálogo – Santa Catarina de Sena

SANTA CATARINA DE SENA E O SONHO DA ÁRVORE

Resultado de imagem para santa catarina de senaQuando se encontrou sozinha na sua cela, teve Catarina uma visão das mais singulares. Viu uma árvore imensa, carregada de frutos magníficos, em torno da qual uma moita de espinhos se elevava tão alta e densa, que difícil se tornava aproximar-se dela e colher-lhe os frutos. Pouco adiante, elevava-se uma pequena colina coberta de espigas de trigo que já amadureciam para a colheita, lindos de aspecto, mas cujas espigas ocas convertiam-se em pó ao contato das mãos que as tocavam. E diante da árvore, uma multidão se detinha a considerar-lhe os frutos, ansiosa por colhê-los. Como se ferissem porém, nos espinhos, uns após outros renunciavam imediatamente à tentativa de vencer a sebe.

Voltando então os olhos para a colina onde a messe dourava, precipitavam-se naquela direção e, ao alimentar-se com o mau trigo, caíam enfermos e privados de forças. E outros vinham, a seguir, com mais coragem do que os primeiros. Chegavam estes a transpor o espinheiro, mas chegando junto à árvore, viam que os frutos pendiam de muito alto e o tronco era liso e de difícil acesso. Também estes continuavam o caminho em busca do trigo enganador que mais esfomeados os deixava. Chegaram, afinal, alguns que se decidiram a atravessar a moita espinhosa e a subir na árvore. E os frutos colhidos que comeram de tal forma lhes fortificaram a alma que, em seguida, todo outro alimento lhes causava aversão.

“Catarina”, escreveu Caffarini, “tomou-se de espanto diante do pensamento de que tantos homens pudessem ser ignorantes e cegos a tal ponto que amassem e seguissem o mundo enganador em vez de se entregar a Jesus Cristo que os convida e chama, e que, em seu exílio, consola e alegra seus servidores. Porque aquela árvore, Catarina bem o compreendeu, representava o Verbo Eterno Encarnado, cujos frutos deliciosos são as virtudes, enquanto a colina, que não produz o bom trigo mas sim o joio, representava os campos dourados do mundo que são cultivados em vão, com grande esforço. Aqueles que se afastam da árvore, assim que os ferem os espinhos, são todos os que se sentem incapazes de levar uma vida piedosa, e a ela renunciam logo de início. Os que dela se aproximam, mas se deixam impressionar pela altura do tronco, são os que empreendem com energia e boa vontade a obra da santificação, mas que esmorecem e não têm perseverança. Os últimos são os verdadeiros crentes, firmados na verdade”.

Trecho do livro “Santa Catarina de Sena” – Johannes Joergensen, p. 52-53.

 

QUANDO NOSSO SENHOR COLOCOU SEU PRÓPRIO CORAÇÃO EM SANTA CATARINA DE SENA

Celebra-se a 17 de julho a festa de Santo Aleixo. Catarina esperava esse dia, com impaciência, para receber a santa comunhão. No entanto, achando-se indigna, suplicou ao Senhor que a purificasse. Teve então a sensação de que uma chuva de fogo e de sangue se espalhava sobre ela e a purificava até o íntimo da alma. De manhã, bem cedo, dirigiu-se para [a basílica de] São Domingos. Nada indicava que seu confessor fosse celebrar a missa: a Capella delle Volte estava deserta, as velas do altar apagadas, faltava o missal e Catarina não podia descobrir nenhuma daquelas pequeninas minúcias que revelam aos fiéis estar a missa por começar. Ajoelhou-se, porém, no lugar habitual e, pouco depois, apareceu Frei Tommaso que celebrou o santo sacrifício e lhe deu a sagrada comunhão.  

Avistando-se com ela no dia seguinte, contou-lhe o dominicano que, repentinamente, tivera a sensação de que ela o esperava na capela. “Mas, por que teu rosto resplandecia e porejava sua face?” indagou o sacerdote. “Ignoro, meu Pai, de que cor estavam minhas faces”, disse ela; “sei apenas que, quando recebi de vossa mão a hóstia santa, vi, não com os olhos do corpo, mas com o olhar da alma, uma tão grande maravilha e senti tamanha suavidade que nenhuma palavra poderá exprimir. E o que assim eu via, tão fortemente me empolgava, que todas as coisas criadas me produziam o efeito de um monturo infecto. Pedi, então, ao Senhor que anulasse minha vontade e me concedesse o dom da sua, ao que Ele anuiu, em sua grande misericórdia, pois me respondeu: “Filha minha querida, já que te dou minha vontade, é preciso que a ela de hoje em diante de tal modo te conformes que, sejam quais forem os acontecimentos, nada te possa perturbar”.

Ao relatar este colóquio, acrescenta Frei Tommaso que, a partir daquele dia, Catarina manteve sempre a mesma tranquilidade de espírito nas mais diversas circunstâncias. Continuar lendo

CATARINA ROGA PELO MUNDO

cata2Então aumentou o conhecimento daquela serva. Imensamente alegre e confortada, colocou-se diante da majestade de Deus com muita esperança na misericórdia divina. Seu amor era inexprimível, pois via que o Senhor estava disposto a perdoar aos homens em sua bondade. Embora se comportasse eles como inimigos, Deus providenciara o instrumento e o modo pelo qual seus servidores iriam cativar sua benevolência e aplacar sua ira. Sentindo Deus a seu lado, aquela serva se alegrava, não temendo as perseguições do mundo. A chama do amor cresceu tanto , que ela se sentia não realizada; era com confiança, porém, que implorava pelo mundo.

Embora já estivesse contido na segunda petição o pedido da felicidade e bem-estar dos cristãos e não-cristãos, assim mesmo ela estendia sua prece em prol do mundo inteiro, conforme a inspiração do próprio Deus. Ela clamava:

– Deus eterno! misericórdia para com tuas criaturas. Tu és o bom Pastor. Não demores em ter piedade do mundo. Parece que os homens não estão mais unidos a ti, Verdade eterna. Nem mesmo entre si, pois não se amam com uma caridade baseada em ti.

O Diálogo – Santa Catarina de Sena  

OS SERVIDORES DE DEUS E A REFORMA DA IGREJA

cata1Há um remédio capaz de aplacar minha ira. São os meus servidores, quando se esforçam por coagir-me ao perdão com suas lágrimas, por reter-me com os laços do amor. Com essa corrente tu me amarraste! Dei tais servidores a ti (30), porque desejava ser misericordioso para com o mundo. É por tal motivo que infundo neles o ardor e o desejo de glorificar-me, bem como de salvar os homens. Quero ser coagido por suas lágrimas, diminuir a violência de minha justiça. Tu e os meus servidores, portanto, hauri lágrimas e suor na fonte da minha divina caridade! Lavai a face da minha Esposa! Prometo que por tal forma lhe será devolvida a beleza. Não é pela espada, guerra ou crueldade que ela irá reaver sua formosura, mas pela paz, pelas orações humildes e contínuas, pelo suor e lágrimas amorosamente derramados pelos meus servidores. É assim que realizarei o teu desejo: com grandes sofrimentos, tua paciência iluminará as trevas em que vivem os pecadores do mundo. Não tenhais medo se o mundo vos perseguir. Estarei convosco; em nada vos faltará minha providência.

(30)  – Com a palavra “servidores”, o Diálogo indica evidentemente os discípulos de Catarina. Por essa forma se vê como o livro quer ser um manual de formação dos futuros reformadores.

O Diálogo – Santa Catarina de Sena

RESPONSABILIDADES DOS CRISTÃOS

S._Catarina_de_Sena_okDo pecado original, que contraís através do pai e da mãe na concepção, restou-vos somente uma cicatriz. Ela é apagada, embora não completamente, pelo batismo, ao qual o Sangue de Cristo concedeu a virtude de infundir a vida da graça. Quando alguém é batizado, imediatamente cancela-se o pecado original e infunde-se a graça; a inclinação para o pecado, descrita antes como uma cicatriz, fica enfraquecida e submetida ao controle da pessoa. Assim, o homem dispõe-se a receber e aumentar a graça em si mesmo. O resultado, para mais ou para menos, depende do seu esforço em servir-me com amor e anseio. Embora possuindo a graça batismal, a pessoa pode encaminhar-se livremente para o bem ou para o mal. É ao atingir o uso da razão que praticará o bem ou o mal, conforme agradar ao arbítrio de sua vontade.

Aliás, tão grande é a liberdade humana, de tal modo ficou fortalecida pelo precioso Sangue de Cristo, que demônio ou criatura alguma pode obrigar alguém à menor culpa, contra o seu parecer. Acabou-se a escravidão; o homem ficou livre. Agora, ele pode dominar a sensualidade e chegar à meta para a qual foi criado. Ó homem infeliz, que prazerosamente te enlameias no lodo, como um animal, e não reconheces os imensos favores que te dei! Pobre criatura! Mais não poderias receber, e no entanto vives cheia de misérias!

Minha filha, procura compreender! Ao obter a graça, os homens são recriados no Sangue do meu Filho unigênito. Como disse, a graça foi restituída aos homens; mas se não a aceitam, passarão do mal para o pior. Desprezando meus benefícios, de pecado em pecado me ofendem. Além de não reconhecerem o auxílio da graça, até acham que cometo ofensas; afirmam que não desejo a sua santificação! Pois bem, quero esclarecer: semelhantes pessoas merecem um castigo mais severo! Agora que tiveram a redenção mediante o Sangue de meu Filho, a punição será mais grave do que antes, quando ainda não fora cancelada a ferida causada pela culpa de Adão.
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A OBRA REDENTORA DE CRISTO

cristoEstando a humanidade corrompida pelo pecado do primeiro homem, Adão, enviei o Verbo, meu Filho unigênito. Todos vós, vasos modelados no mesmo barro, estáveis contaminados e sem condições para aceder à vida eterna. Então eu, o Altíssimo, me uni à pequenez da vossa natureza humana. Desejava remediar a corrupção e morte do homem, restituindo-lhe a graça perdida com o pecado. Todavia, a mim, Pai eterno, era impossível sujeitar-me ao sofrimento e minha justiça exigia o castigo da culpa. Os homens eram incapazes de dar a satisfação; e, se isso acontecesse, cada pessoa teria que fazê-lo para si mesma, não por todos os outros. Na realidade, nenhum de vós tinha capacidade de dar reparação, nem por si, nem pelos outros, já que a culpa atingira meu ser infinito. Queria eu, então, reconstruir a humanidade; ela, enfraquecida, não podia dar a reparação ao mal. Enviei, pois, o Verbo, meu Filho unigênito, revestido de vossa natureza, a corrompida matéria de Adão. Nessa natureza, ele haveria de sofrer, morreria mesmo, para aplacar minha ira. Por tal maneira satisfiz a minha justiça, saciei-a pela misericórdia, pois esta última queria cancelar a culpa humana e preparar a humanidade àquela bem-aventurança para a qual a havia criado.

Assim unida à divindade, a humanidade pôde dar a reparação. Como? Seja mediante o sofrimento humano de Cristo, seja pela virtude da natureza divina infinita do Verbo encarnado. Desta união das duas naturezas, recebi e aceitei o sacrifício do Sangue. Era sangue humano, mas mesclado, amalgamado com a natureza divina, como fogo do meu amor. Este amor foi o único laço que reteve Jesus quando cravado na cruz. Foi somente dessa forma – na virtude da divindade (de Cristo) – que se tornou possível a reparação da culpa humana; foi assim que se cancelou a mancha do pecado de Adão. Dela restou apenas uma cicatriz, que é a inclinação para o mal e os defeitos corporais, à semelhança da cicatriz que fica quando uma pessoa é curada de uma ferida.

A ferida causada pela culpa de Adão era mortal. Ao chegar o grande médico, meu Filho unigênito, ele curou o doente, sorvendo a medicina amarga, impossível de ser tomada pela fraqueza humana. Cristo comportou-se como a ama-seca, que bebe o remédio em lugar da criança, dado que ela é grande e forte, ao passo que a criança é fraca e não suporta o amargor. Cristo foi o substituto. Graças ao poder e fortaleza da divindade que nele se achava unida à natureza humana, tomou o medicamento amargo, a morte na cruz, para curar e restituir a vida a vós, crianças enfraquecidas pelo pecado.

O Diálogo – Santa Catarina de Sena

TRISTE SITUAÇÃO DA IGREJA

cataEntão Deus Pai, deixando-se levar pelas lágrimas e reter pelos laços do desejo santo daquela serva, olhou misericordiosamente para ela e queixou-se nestes termos:

– Filha muito amável, tuas lágrimas me coagem, porque estão unidas a mim e são derramadas por amor; prendem-me os teus sofrimentos íntimos. Olha e vê quanto minha Esposa sujou a sua face, como está leprosa por causa da impureza e egoísmo; como está intumescida pela soberba e ganância dos cristãos e mesmo dos membros da hierarquia. Falo dos ministros que se alimentam de sua riqueza e são encarregados de nutrir o povo fiel e aqueles que aspiram por deixar o paganismo e filiar-se como membros da minha Igreja. Considera com quanta maldade, incompreensão e ingratidão, com que mãos imundas são distribuídos seu alimento e seu sangue. Vê com que desconsideração e falta de respeito os mesmos são recebidos. É esse o motivo porque muitas vezes se torna fator de morte aquilo que deveria infundir a vida! Tal coisa se verifica com o Sangue precioso do meu Filho unigênito. Tal sangue afastou a morte e a escuridão, trouxe a luz e a Verdade, confundiu a mentira. Foi ele que propiciou todos os bens, quais sejam a salvação e a total perfeição dos homens. Exige apenas as boas disposições. Se de um lado produz a vida divina e todos os benefícios da graça de acordo com a acolhida e amor de quem o recebe, do outro causa a morte para aqueles que vivem no pecado. Sim! Para aqueles que recebem indignamente, em estado de pecado mortal – e unicamente por culpa sua – este Sangue produz a morte, não a vida. Isto acontece não por falha do Sangue (de Cristo) ou do ministro, mesmo que este se encontre em situação igual ou pior.

O pecado do ministro não prejudica, nem mancha o Sangue, não diminui o poder da graça. O mau ministro não prejudica a pessoa a quem distribui o Sangue de Cristo; prejudica somente a si mesmo, pois comete um pecado digno de castigo, a menos que se arrependa mediante uma sincera contrição e afastamento da culpa.

Repito: o Sangue de Cristo é prejudicial a quem o recebe indignamente, não por falha da Eucaristia ou do ministro; somente por más disposições ou defeitos pessoais, como sejam a maldade e a impureza, que mancham o espírito e o corpo, e as grandes maldades contra si mesmo e o próximo. A maldade contra si mesmo consiste na perda da graça, quando o homem egoisticamente despreza os dons recebidos no batismo. Neste a virtude do Sangue cancelara a mancha do pecado original, transmitido pelo pai e pela mãe no momento da concepção.

O Diálogo – Santa Catarina de Sena  

SÚPLICA À TRINDADE

TrindadeMeu Senhor, olha com misericórdia para o teu povo e para a hierarquia da santa Igreja. Se perdoares a tão numerosas criaturas, concedendo-lhes a iluminação da inteligência, serás mais glorificado que só por mim, pobrezinha que tanto pequei, responsável por todos os males. Livres das trevas do pecado mortal e da condenação eterna por tua infinita bondade, todos te louvariam. Por essa razão eu te suplico, caridade divina e eterna, que te vingues sobre mim. Tem piedade do teu povo! Não me afastarei de tua presença enquanto não perceber que usaste de misericórdia para com o teu povo. Que prazer teria eu em ganhar a vida eterna, se teu povo estivesse na morte e se a escuridão aumentasse na tua Esposa – que é toda luz – por causa dos meus pecados e dos pecados dos demais?

Eu quero, portanto, e imploro tal graça; que tenhas piedade do teu povo, pela caridade incriada que te levou a criar o homem à tua imagem e semelhança, quando disseste: “Façamos o homem à nossa imagem e semelhança” (Gn 1,26).

Ó sublime e eterna Trindade, agiste assim a fim de que a humanidade participasse do teu ser: deste-lhe a memória, Pai eterno, para que se recordasse do teu benefício, possuindo algo do teu poder; deste-lhe a inteligência com que conhecesse tua bondade e tivesse parte na sabedoria do Filho; deste-lhe vontade para amar tudo quanto a inteligência compreendesse da tua Verdade, e com isso participasse da clemência do Espírito Santo.
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DEUS QUER AÇÕES RETAS, NÃO PALAVRAS

caridO que desejo do homem, como frutos da ação, é que prove suas virtudes na hora oportuna. Talvez ainda te recordes! Quando, há muito tempo, desejavas fazer grandes penitências por minha causa e perguntavas: “Que mortificações eu poderia fazer por ti?”, eu te respondi no pensamento: “Sou aquele que gosta de poucas palavras e de muitas ações”. Então era minha intenção mostrar-te que não me comprazo no homem que apenas me chama por palavras: “Senhor, Senhor, gostaria de fazer algo por ti”, ou naquele que pretende mortificar o corpo com muitas macerações, mas sem destruir a vontade própria. Queria dizer-te que desejo ações varonis e pacientes, bem como as virtudes internas, de que falei acima, as quais são todas elas operativas e produtoras de bons frutos na graça.

Ações baseadas em outros princípios constituem para mim meras palavras, realizações passageiras. Eu, qual ser infinito, quero ações infinitas, amor infinito. Desejo que as mortificações e demais exercícios corporais sejam considerados como meios, não como fins. Se neles repousar o inteiro afeto da pessoa, ser-me-ia dado algo de finito, à semelhança de uma palavra que, ao sair da boca, já não existe, quando é pronunciada sem amor. Só o amor produz e revela a virtude!

Quando uma ação, que chamei com o nome de “palavra”, está embebida de caridade, então me agrada; já não se apresenta sozinha, mas acompanhada de discernimento verdadeiro, isto é, como ato que é meio para se atingir um objetivo superior. Não é exato olhar a penitência ou qualquer ato externo como base e finalidade principal; são obras limitadas, seja porque praticadas durante esta vida passageira, seja porque um dia a pessoa terá que deixa-las por resolução pessoal ou por ordem alheia. Umas vezes a abandonará o homem coagido pela impossibilidade de continuar o que começou, e isto acontece em situações diversas; outras vezes por obediência à ordem do superior. Aliás, neste caso, se as continuar não terá merecimento algum e cometerá até uma falta.
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O CRISTÃO PRECISA DE HUMILDADE, CARIDADE E DISCERNIMENTO

peregTais são as ações santas e agradáveis, que exijo dos meus servidores, ou seja, as virtudes internas devidamente comprovadas. Eu não me contento com atos só exteriores, corporais, realizados em diferentes e numerosas mortificações, com atos que na realidade são apenas meios para se atingir a virtude. Tais penitências pouco me agradam, se não se fazem acompanhar das virtudes internas, indicadas acima. Digo mais: se uma pessoa se penitencia sem discernimento, pondo todo o seu afeto na mortificação enquanto tal, até impedirá sua perfeição. Quem se penitencia há de valorizar o amor, desprezar a si mesmo, ser humilde, paciente; há de ter todas as virtudes, deve alimentar o desejo da minha glória e a salvação dos homens. Essas virtudes mostrarão que seu egoísmo morreu e que perenemente destrói a sensualidade através do amor pela virtude.

É com tal discernimento que se deve praticar a penitência. Em outras palavras: é mister dar mais importância às virtudes que à mortificação. Esta última será um meio para aumentar as virtudes e será feita de acordo com a necessidade, na exata medida das forças pessoais. Aqueles que consideram as mortificações como essencial, obstaculizam a própria perfeição. Seria esta uma atitude tomada sem a iluminação do autoconhecimento e sem a exata consideração da minha bondade; estaria fora do reto caminho. Seria uma atitude sem discernimento, que valoriza o que eu não valorizo, que não despreza o que eu desprezo. O discernimento consiste num exato conhecimento de si e de mim; o discernimento enraíza-se nesse autoconhecimento. É como um rebento intimamente unido à caridade.
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É NA DIFICULDADE QUE SE PROVAM AS VIRTUDES

sofrAcabei de explicar como, sendo útil ao próximo, o homem manifesta seu amor por mim. Agora vou dizer como cada pessoa mostra possuir a paciência ao ser injuriada pelos outros; a humildade, quando se acha diante do orgulhoso; a fé, diante do infiel; a esperança, na presença de quem nada espera; a mansidão e a benignidade, ante o irascível. Todas estas virtudes revelam sua existência e são exercitadas no próximo, da mesma forma como é nele que os maus cometem seus pecados.

Vê bem. É diante da soberba que aparece a humildade. O homem humilde vence o orgulho, pois o orgulhoso é incapaz de prejudicar quem é humilde. Do mesmo modo o descrente – que não me ama, nem em mim espera – não faz diminuir a fé do homem fiel ou a esperança daqueles que a possuem no coração por meu amor. Ao contrário, até as faz crescer e manifestar-se mediante o amor altruísta. Meu servidor, percebendo que se trata de um descrente ou desesperado que não confia em mim, nem nele – pois aquele que não me ama, também não acredita em mim, não confia em mim, mas deposita a sua afeição na própria sensualidade – meu servidor não deixa de amar verdadeiramente tal pessoa, certo de que ainda encontrará em mim a salvação. Como vês, o servidor fiel comprova sua fé na descrença e na desesperança alheia. Em casos semelhantes e em qualquer outro que ocorra, ele demonstra possuir a virtude.
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É NO HOMEM QUE SE AMA A DEUS

santa-catarina-de-siena-frameComo disse, todos os pecados são cometidos através do próximo, no sentido de que eles são ausência da caridade, que é a forma de todas as virtudes. No mesmo sentido, o egoísmo, que é a negação do amor pelo próximo, constitui-se como razão e fundamento de todo o mal. Ele é a raiz dos escândalos, do ódio, da maldade, dos prejuízos causados aos outros. O egoísmo envenenou o mundo inteiro e fez adoecer a hierarquia da Igreja e o povo cristão.

Já te disse que as virtudes se fundamentam no amor pelos outros; é da caridade que a virtudes recebem a vida. Sem ela nenhuma virtude existe, pois as virtudes se adquirem no puro amor por mim. Afirmei igualmente que o autoconhecimento produz na pessoa a humildade e a repulsa da paixão sensível, fazendo-a conscientizar-se da lei perversa que existe em seus membros e continuamente luta contra o espírito. Diante disto, o cristão luta e se opõe à sensualidade, com empenho a submete à razão e procura descobrir em si mesmo a grandeza da minha bondade. Inúmeros são os favores que lhe faço. Ao reconhecer que gratuitamente o retirei das trevas e o transferi para a verdadeira Sabedoria, no autoconhecimento ele se humilha. Assim consciente da minha benevolência, o homem me ama direta e indiretamente. Diretamente, não pensando em si mesmo ou em interesses pessoais; indiretamente, através da prática da virtude. Toda virtude é concebida no íntimo do homem por amor de mim; fora do ódio ao pecado e do amor à virtude, não existe maneira de me agradar e de se chegar até mim. Depois de ter concebido interiormente a virtude, a pessoa a pratica no próximo.

Aliás, tal modo de agir é a única prova de que alguém possui realmente uma virtude. Quem me ama, procura ser útil ao próximo. Nem poderia ser de outra maneira, dado que o amor por mim e pelo próximo são uma só coisa. Tanto alguém ama o próximo, quanto me ama, pois de mim se origina o amor do outro.
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TODA VIRTUDE É PRATICADA NO PRÓXIMO

StaCatarinaSenaVou explicar-te agora que todavirtude se realiza no próximo, bem como todo pecado.

Toda pessoa que vive longe de mim prejudica o próximo; e a si, dado que cada um é o primeiro próximo de si mesmo. Tal prejuízo pode ser desordem geral ou pessoal. Em geral, porque sois obrigados a amar os demais como a vós mesmos. De que maneira? Socorrendo espiritualmente pela oração, dando bom exemplo, auxiliando quanto ao corpo e quanto ao espírito, conforme as necessidades. No caso de alguém nada possuir, pelo menos há de ter o desejo de auxiliar! Quem não me ama, também não ama os homens; por isso não os socorre. Quem despreza a vida da graça, prejudica antes de tudo a si mesmo, mas prejudica também os outros, deixando de apresentar diante de mim – como é seu dever – orações e aspirações em favor deles. Todo e qualquer auxílio prestado ao próximo deve provir do amor que se tem por aquela pessoa, mas como consequência do amor que se tem por mim. Da mesma forma, todo mal se realiza no próximo, e quem não me ama, também não tem amor pelos outros. A origem dos pecados está na ausência da caridade para comigo e para com o homem. Para fazer o mal, basta que se deixe de fazer o bem. Contra quem se age, a quem se prejudica na prática do mal? Primeiramente contra si mesmo; depois, contra o próximo. A mim, não me prejudica. Eu não posso ser atingido, a não ser no sentido de que considero feito a mim o que se faz ao homem. Será um prejuízo que leva à culpa com privação da graça e, nesse caso, coisa pior não poderia acontecer; ou será uma recusa de afeição e amor, obrigatórios e que exigem o socorro pela oração e súplicas diante de mim. Tudo isso é auxílio de ordem geral, porque é devido aos homens em comum.

O auxílio de ordem pessoal consiste na colaboração prestada às pessoas com quem convivemos, pois existe a obrigação aos homens de se ajudarem mutuamente com bons conselhos, ensinamentos, bons exemplos e qualquer outra obra boa de que se necessite. Continuar lendo

A SATISFAÇÃO REPARADORA MEDE-SE PELO AMOR

Santa-Catarina-de-SenaLogo que tu e meus servidores conhecerdes a minha Verdade através daquele caminho, tereis de sofrer tribulações, ofensas e desprezos por palavras e ações, até à morte. Tudo isso, para glória e louvor do meu nome. Sim, padecerás, sofrerás. Tu e meus servidores, portanto, armai-vos de muita paciência, arrependimento de vossos pecados e de amor à virtude, para glória e louvor do meu nome. Agindo assim, aceitarei a reparação das culpas tuas e dos demais servidores. Pela força do amor e da caridade, vossos sofrimentos serão suficientes para dar satisfação e reparação por vós mesmos e pelos demais.

Pessoalmente, recebereis o fruto da vida; serão canceladas as manchas dos vossos pecados; já não me recordarei de que me ofendestes. Quanto aos outros, graças ao vosso amor, concederei o perdão em conformidade com suas disposições.

Para aqueles que se dispuserem com humildade e respeito aos ensinamentos dos meus servidores, perdoarei a culpa e o reato. Como? No sentido de que tenham um autoconhecimento perfeito e a contrição dos pecados. Tais pessoas, graças à oração e à caridade dos meus servidores, obterão o perdão. Exige-se, porém, humildade no acolhimento; e obterão maior ou menor intensidade, de acordo com a intenção que tiverem de fazer frutificar a graça.

Para os cristãos, em geral, afirmo que pelos vossos anseios haverão de obter a remissão e o cancelamento das culpas. A não ser que sua obstinação seja tamanha, que prefiram ser reprovados por má vontade, com desprezo do sangue com que foram amorosamente remidos. Estes, que favores receberão? Por consideração aos pedidos dos meus servidores, terei paciência com eles, iluminá-los-ei, suscitarei o remorso, farei que sintam gosto pela virtude, que provem prazer na amizade com meus servidores. Continuar lendo

O CAMINHO DA VERDADE

santaTu me pedes sofrimentos como reparação das ofensas cometidas contra mim pelos homens; desejas conhecer-me e amar-me como suma Verdade. O caminho para atingir o conhecimento verdadeiro e a experiência do meu ser – Vida eterna que sou – é este: nunca abandones o autoconhecimento! Ao desceres para o vale da humildade, reconhecer-me-ás em ti, e de tal conhecimento receberás tudo aquilo de que necessitas. Nenhuma virtude tem valor sem a caridade, no entanto é a humildade que forma e nutre a caridade. Conhecendo-te, tu te humilharás ao perceber que, por ti mesma, nada és. Verás que o teu ser procede de mim, que vos amei, a ti e aos outros, antes de virdes à existência. Além disso, quando quis recriar-vos na graça com inefável amor, eu vos lavei e vos concedi uma vida nova no sangue de meu Filho unigênito; naquele sangue derramado num grande incêndio de amor. Para quem destrói em si o egoísmo, é no autoconhecimento que tal sangue manifesta a Verdade. Não existe outro meio. Por meio dele, o homem em inexprimível amor conhece-me e sofre. Não com um sofrimento angustiante, aflitivo e árido, mas com uma dor que alimenta interiormente. Ao conhecer a Verdade, a alma sofrerá terrivelmente, pois toma consciência dos próprios pecados e vê a cega ingratidão humana. Nenhuma dor sofreria, se não amasse 4.

O Diálogo – Santa Catarina de Sena

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4 – Este parágrafo resume a doutrina catariniana da cela interior, isto é, do autoconhecimento em Deus

A CULPA É REPARADA PELO AMOR

Santa-Catarina-de-SenaFilha, fiz-te ver que a culpa não é reparada neste mundo pelos sofrimentos, suportados unicamente como sofrimentos, mas sim pelos sofrimentos aceitos com amor, com desejo ² , com interna contrição Não basta a força da mortificação; ocorre o anseio da alma. O mesmo acontece, aliás, com a caridade e qualquer outra virtude, que somente possuem valor e produzem a vida em meu Filho Jesus Cristo crucificado, isto é, na medida em que a pessoa dele recebe o amor e virtuosamente segue suas pegadas. Somente assim adquirem valor. As mortificações satisfazem pela culpa na feliz comunhão do amor, adquirido na contemplação da minha bondade. Satisfazem graças à dor e à contrição quando praticadas no autoconhecimento e na consciência das culpas pessoais. Esse conhecimento de si gera desprezo pelo mal, pela sensualidade ³, induz o homem a julgar-se merecedor de castigos e indigno de recompensa. Assim – acrescentava a doce Verdade _ é pela contrição interior, pelo amor paciente e pela humildade, considerando-se merecedora de castigos e não de prêmio, que a pessoa oferece reparação.

² – O desejo santo da glória divina e da salvação dos homens.
³ – A palavra sensualidade, no pensamento de Catarina, não inclui a conotação própria de lubricidade, própria do termo em português. Quer apenas indicar a sensibilidade humana, carregada de tendências para o mal, por efeito do pecado original.

É PELO AMOR QUE O HOMEM SE UNE A DEUS

Estava certa pessoa arrebatada em grandíssimo desejo da glória divina e da salvação dos homens…Exercitara-se durante algum tempo na prática da virtude, vivendo habitualmente na cela do autoconhecimento para melhor conhecer a Deus presente em si mesma. Quem ama procura seguir a Verdade e revestir-se dela. Não existe, porém, melhor modo de saborear a Verdade e de ser por ela iluminado, que a oração humilde e contínua, baseada no conhecimento de si e de Deus. Tal oração une o homem a Deus nas pegadas de Cristo crucificado; identifica-o com ele no desejo, na afeição, na união amorosa. Jesus parece afirmar tudo isso quando diz: “Quem ama guarda as minhas palavras e eu me manifestarei a ele; será uma só coisa comigo e eu com ele (Jo 14,21; 17,21). Em outras passagens bíblicas, ainda, encontramos expressões semelhantes, que revelam ser verdade o seguinte: pelo amor, o homem torna-se um outro Cristo!

Para explicar-me melhor, recordo de ter ouvido de uma serva de Deus que, estando em oração, o Senhor não lhe ocultou seu amor pelos seus servidores, mas lho revelou dizendo entre outras coisas: “Usa a tua fé e fixa o pensamento em mim; verás a dignidade e a beleza do homem! Mas além da beleza que lhe provém da criação, presta atenção nestes que estão revestidos com a roupa nupcial da caridade, adornados com tantas e tão belas virtudes. Eles se acham unidos a mim pelo amor. Se me perguntares quem são – assim continuava o doce e amoroso Verbo – direi que são outro eu. Eles destruíram a vontade própria, revestiram-se da minha vontade, uniram-se a ela, a ela se conformaram”. Realmente, é pelo amor que o homem se une a Deus. Continuar lendo