Pe. François-Marie Chautard
A missa é o que há de mais belo e melhor na Igreja […] Assim, o diabo sempre procurou,
através dos hereges, privar o mundo da missa. – Santo Afonso de Ligorio
A despeito de tal pensamento, Lutero não mascarou sua vigorosa rejeição da Missa: “Quando a Missa for destruída, penso que teremos derrubado o papado! Pois é sobre a missa, como sobre uma rocha, que todo o papado descansa, com seus mosteiros, seus bispados, suas universidades, seus altares, seus ministros e sua doutrina … Tudo ruirá quando ruir essa missa sacrílega e abominável.”1
Para além da virulência da intenção, é evidente o abismo que separa a concepção luterana e a doutrina católica sobre a missa.
Esta oposição parece ter sido consideravelmente diminuída com a reforma do Missal Romano operada por Paulo VI, em abril de 1969. Já em maio de 1969, o protestante Max Thurian, da comunidade de Taizé, afirmava placidamente: “Com a nova liturgia, as comunidades não-católicas poderão celebrar a Ceia do Senhor com as mesmas orações que a Igreja Católica. Teologicamente, é possível.”
Como explicar tal mudança? O novo rito estaria mais próximo da posição protestante? Ou foram os protestantes que mudaram? Duas opiniões, uma, de um católico, outra, um de protestante, favorecem a primeira interpretação.
Monsenhor Bugnini, principal arquiteto da reforma litúrgica, admitiu com surpreendente simplicidade: “[na reforma litúrgica] a Igreja foi guiada pelo amor das almas e pelo desejo de fazer tudo para facilitar aos nossos irmãos separados o caminho da união, removendo qualquer pedra que pudesse constituir sequer uma sombra de risco de tropeço ou desagrado.”2
Os termos utilizados são reveladores: “fazer tudo”, “sombra de risco”, “tropeço ou desagrado”. Para evitar essa “sombra de risco”, Monsenhor Bugnini não negligenciou nada. Seis pastores protestantes foram chamados para ajudá-lo a projetar a nova missa.
A segunda opinião vem de um protestante. Em 1984, após o indulto do Papa João Paulo II autorizando a celebração da Missa de São Pio V sob certas condições, o jornal Le Monde publicou o seguinte texto, assinado pelo pastor Viot 3:
“A reintrodução da Missa de São Pio V (…) é muito mais do que uma questão de linguagem: é uma questão doutrinal da mais alta importância, no centro dos debates entre católicos e protestantes, debates que, da minha parte, julgava felizmente estarem encerrados (…) Muitos dos nossos antepassados na fé reformada de acordo com a Palavra de Deus preferiram ir à fogueira ao invés de assistir esse tipo de missa que o Papa Pio V tornou oficial contra a Reforma. Ficamos, portanto, encantados com as decisões do Vaticano II sobre o assunto e a firmeza de Roma em relação àqueles que não quiseram se submeter ao Concílio e continuaram a usar uma missa que, aos nossos olhos, contraria o Evangelho.”
O pensamento é claro, a linguagem é direta: a irredutibilidade da doutrina protestante e da Missa tradicional permanece.
A mudança de posição não vem, portanto, dos protestantes, mas do rito católico. Eis a conclusão que precisamos fundamentar em bases sólidas.
O estudo da missa de Paulo VI não é, pois, de interesse trivial. Esclarecemos, para evitar qualquer mal-entendido, que o exame desse rito cobrirá apenas o texto oficial de 1962, e não as adaptações inacreditáveis, mas infelizmente recorrentes.
Para abordar a reforma do missal litúrgico, procederemos da seguinte maneira:
- Alguns lembretes sobre a doutrina católica.
- O paralelo com a missa de Lutero.
- Deficiências doutrinais da missa de Paulo VI.
- Seus autores.
- O delicado problema de sua validade.
- Consequências morais no comparecimento à missa de Paulo VI.
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1. Citado por Cristiani, Du luthéranisme au protestantisme, 1910.
2. Todas essas citações foram tiradas de La messe a-t-elle une histoire? , éd du MJCF, 2002, p. 134.
3. Retornou desde então à Igreja Católica e foi ordenado padre.
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