DO JUÍZO UNIVERSAL – PONTO II

Resultado de imagem para juízo universalAssim que os mortos ressuscitarem, farão os anjos que se reúnam todos no vale de Josafá para serem julgados (Jl 3, 14) e separarão ali os justos dos réprobos (Mt 13, 49). Os primeiros ficarão à direita; os condenados, à esquerda… Profunda mágoa sente quem se vê separado da sociedade ou da Igreja. Quanto maior será a dor de ver-se banido da companhia dos Santos! Que confusão experimentarão os ímpios, quando, apartados dos justos, se sentirem abandonados!. Disse São João Crisóstomo que, se os condenados não tivessem de sofrer outras penas, essa confusão bastaria para dar-lhes os tormentos do inferno.

Haverá filhos separados de seus pais; esposos, de suas esposas; amos, de seus servos… (Mt 24, 40) Dize-me, meu irmão, em que lugar crês que te acharás então?… Queres estar à direita? Abandona, portanto, o caminho que conduz à esquerda.

Neste mundo, têm-se por felizes os príncipes e os ricaços, e se desprezam os Santos, os pobres e os humildes… Ó cristãos fiéis, que amais a Deus! Não vos aflijais por viverdes tão atribulados e vilipendiados neste mundo.

“Vossa tristeza se converterá em gozo” (Jo 16, 20)

Então verdadeiramente sereis chamados bem-aventurados e tereis a honra de ser admitidos à corte de Cristo. Em que celestial formosura resplandecerá um São Pedro de Alcântara, que foi injuriado como apóstata; um São João de Deus, escarnecido como louco; um São Pedro Celestino, que, renunciando ao Pontificado, morreu num cárcere! Que glória alcançarão tantos mártires entregues outrora à crueza dos verdugos! (1Cor 4,5). Que horrível figura, pelo contrário, fará um Herodes, um Pilatos, um Nero e outros poderosos da terra, condenados para sempre!… Ó amigos e cortejadores deste mundo! Ide para o vale, naquele vale vos espero. Ali, sem dúvida, mudareis de parecer; ali, chorareis vossa loucura. Infelizes! Tendes de representar um brevíssimo papel no palco deste mundo e preferis o de réprobos na tragédia do juízo universal! Os eleitos serão colocados à direita, e para maior glória — segundo afirma o Apóstolo — serão elevados aos ares, acima das nuvens, e esperarão com os anjos a Jesus Cristo, que deve descer do céu (1Ts 4, 17). Os réprobos, à esquerda, como reses destinadas ao matadouro, aguardarão o Supremo Juiz, que há de tornar pública a condenação de todos os seus inimigos. Continuar lendo

DA PREPARAÇÃO PARA A SANTA COMUNHÃO E DA AÇÃO DE GRAÇAS

Imagem relacionadaPraeparate corda vestra Domino, et servite ei soli – “Preparai os vossos corações para o Senhor, e servi a Ele só” (I Reg. 7, 3).

Sumário. Três coisas são necessárias para a alma colher muito fruto da santa comunhão. Primeiro, o desapego das criaturas, banindo do coração tudo que não é de Deus ou para Deus. Segundo, o desejo de receber a Jesus Cristo com o único fim de mais o amar. Terceiro, a devida ação de graças depois da comunhão; imaginando que reside na alma como num trono de graças. Oh! Que tesouros de graças perde o cristão que pouco pensa em orar depois da comunhão!

*************************

Pergunta o cardeal Bona: “Onde vem que tantas almas, apesar das suas muitas comunhões, fazem tão pouco progresso no caminho de Deus?” e responde: “Defectus non in cibo est, sed in edentis dispositione– Não é falta de virtude em o nutrimento, é falta de preparação  naquele que o recebe.” O fogo pega depressa na madeira seca e dificilmente na verde; porque esta não está disposta para arder. Os santos tiraram grandes frutos das suas comunhões porque punham muito cuidado em se preparar.

A preparação para a comunhão exige principalmente três coisas. A primeira é o desapego das criaturas, banindo do coração tudo que não é de Deus ou para Deus. Ainda que a alma esteja em estado de graça, mas com o coração cheio de apetites terrenos, quanto mais lugar ocupar a terra, tanto menos lugar restará para o amor divino. – Santa Gertrudes perguntou um dia ao Senhor, que preparação exigia que ela fizesse para comungar. E Jesus lhe respondeu: Só esta, que venhas receber-me bem vazia de ti mesma.

A segunda coisa necessária para comungar com grande fruto, é o desejo de receber a Jesus Cristo com o único intuito de mais o amar. Diz Gerson que neste banquete não são saciados senão os que têm grande fome. – Por isso, escreve São Francisco de Sales, que a principal intenção de uma alma que comunga deve ser progredir no amor de Deus. – “Importa”, diz o Santo, “receber por amor àquele que se nos dá só por amor.” Eis porque Jesus disse a Santa Mechtildes: “Quando fores comungar, deseja possuir todo o amor que jamais um coração teve para comigo e eu aceitarei teu amor como se fosse tal como o desejas.” Continuar lendo

ANGÚSTIAS DO PECADOR MORIBUNDO

pecadVirum iniustum mala capient in interitu – “Do varão injusto se apoderarão os males na morte” (Ps. 139, 12).

Sumário. Desgraçado do pecador que deixa passar o tempo das misericórdias divinas e adia a conversão até à hora da morte! Então o desgraçado se verá cercado de demônios, atormentado pelos remorsos da consciência, com o espírito escurecido e o coração endurecido. Numa palavra, visto que até então ele amou, juntamente e com o pecado, o perigo da condenação, é com justiça que o Senhor permitirá que ele pereça neste perigo, pelo peso da própria malícia. Ah, meu Jesus! Pelo amor de Maria Santíssima livrai-me de tão grande desgraça; quero a todo o custo emendar-me antes que a morte venha.

**************************

Não só uma, mas muitas e muitas serão as angústias do infeliz pecador moribundo. De uma parte atormenta-lo-ão os demônios. Na morte, estes terríveis inimigos empregam todos os esforços para perder a alma que vai sair deste mundo, sabendo que só pouco tempo lhes resta para se apoderarem dela, e que, escapando-se-lhes então, se lhes escapará para todo o sempre (1). E, como diz Isaías, não somente um, mas inumeráveis espíritos infernais girarão ao redor do moribundo para o perderem: Replebuntur domus eorum draconibus(2) – “As suas casas serão cheias de dragões”.

Um demônio lhe dirá: Nada receies; sararás. Dir-lhe-á outro: Pois que! Tu foste surdo à voz de Deus durante tantos anos e Ele agora há de usar de misericórdia para contigo? Mais outro dirá: Como poderás nesta hora reparar os danos que causaste e as reputações que tiraste? Outro ainda: Não vês que todas as tuas confissões foram nulas, porque feitas sem verdadeira dor, sem propósito? Como poderás remediá-las?

Por outro lado, o moribundo se verá cercado dos seus pecados: Os males cairão sobre o homem injusto no dia da sua morte. “Os pecados”, diz São Bernardo, “como outros tantos satélites, acercar-se-ão dele e lhe dirão: Opera tua sumus, non te deseremus – Somos as tuas obras, não te queremos deixar, acompanhar-te-emos à outra vida e contigo nos apresentaremos ao eterno Juiz.” Continuar lendo

DO JUÍZO UNIVERSAL – PONTO I

Imagem relacionadaCognoscetur Dominus judicia faciens – “Conhecido será o Senhor, que faz justiça” (Sl 9, 17)

Não há neste mundo, quando bem se considera, pessoa mais desprezada que Nosso Senhor Jesus Cristo. Respeita-se mais a um aldeão que o próprio Deus; porque se teme que esse aldeão, vendo-se injuriado e oprimido, se vingue, movido por violenta cólera. Mas a Deus se ofende e se ultraja sem receio, como se não pudesse castigar quando quisesse (Jó 22, 17).

Por isso, o Redentor destinou o dia do juízo universal (chamado com razão, na Escritura, o dia do Senhor), no qual Jesus Cristo se fará reconhecer por todos como universal e soberano Senhor de todas as coisas (Sl 9,17). Esse dia não se chama dia de misericórdia e perdão, mas “dia da ira, da tribulação e da angústia, dia de miséria e calamidade” (Sf 1, 15). Nele o Senhor se ressarcirá justamente da honra e da glória que os pecadores quiseram arrebatar-lhe neste mundo. Vejamos como há de suceder o juízo nesse grande dia.

A vinda do divino Juiz será precedida de maravilhoso fogo do céu (Sl 96,3), que abrasará a terra e tudo quanto nela exista (2Pd 3,10).

Palácios, templos, cidades, povos e reinos, tudo se reduzirá a um montão de cinzas. É mister purificar pelo fogo esta grande casa, contaminada de pecados. Tal é o fim que terão todas as riquezas, pompas e delícias da terra. Mortos os homens, soará a trombeta e todos ressuscitarão (1Cor 15,52). Dizia São Jerônimo: Continuar lendo

TEMOS DE ESCOLHER ENTRE UMA ETERNIDADE FELIZ E OUTRA INFELIZ

escolhaAnte hominem vita et mors, bonum et malum; quod placuerit ei dabitur illi — «Diante do homem estão a vida e a morte, o bem e o mal; o que lhe agradar, isso lhe será dado» (Ecle. 15, 18).

Sumário. Deus quer certamente que todos os homens se salvem, mas não à força. Por isso Deus põe diante de nós dois caminhos a seguir, deixando a escolha a cada um. Mas, como poderá chegar ao céu quem quiser seguir o caminho do inferno? Avivemos a nossa fé; examinemos atentamente aonde nos leva o caminho trilhado até hoje, e tomemos desde já as providências para nos assegurar a salvação eterna. Deixemos, se for necessário, o mundo: São pequenas todas as cautelas, quando corre risco a eternidade.

*************************

Deus quer certamente que todos os homens se salvem, mas não quer que nos salvemos à força. Deus, diz o Eclesiástico, pôs diante de cada um a vida e a morte; ser-nos-á dado o que escolhermos: Quod placuerit ei dabitur illi. Jeremias diz igualmente que o Senhor pôs diante de nós dois caminhos a seguir, o do céu e o do inferno: Ego do coram vobis viam vitae et viam mortis[1]. — Por isso está escrito: O homem irá para a casa de sua eternidade. Deus diz: ibit, ele irá, para significar que cada qual se dirigirá à morada que escolher; não será levado, mas irá por sua própria vontade. Mas como poderá chegar ao paraíso, o que quer seguir o caminho do inferno?

Coisa estranha! todos os pecadores se querem salvar, e entretanto se condenam por si próprios ao inferno, dizendo sempre: Espero salvar-me. Quem seria tão louco, diz Santo Agostinho, que quisesse tomar veneno na esperança de se curar? Nemo vult aegrotare sub spe salutis. No entanto, quantos cristãos, quantos insensatos se dão à morte pelo pecado, dizendo: Mais tarde pensarei no remédio. Ó funesta ilusão, que tantas almas tem arrastado ao inferno!… Não sejamos tão insensatos; e lembremo-nos de que se trata da eternidade.

Quanto trabalho se não dão os homens para se construírem uma casa cômoda, bem arejada, num sítio salubre, pela lembrança que nela hão de passar toda a vida! Porque, pois, são tão descuidados, quando se trata da casa que lhes será morada eterna? Negotium pro quo contendimus, aeternitas est — «O negócio pelo qual trabalhamos», diz Santo Eucherio, «é a eternidade». Não se trata de uma casa mais ou menos cômoda, mais ou menos arejada: trata-se de habitar, ou num lugar cheio de delícias entre os amigos de Deus, ou no abismo de todos os tormentos entre a chusma infame de tantos celerados, hereges e idólatras. — E isto por quanto tempo? Não por vinte ou quarenta anos, mas por toda a eternidade. É um negócio de alta monta! Não é negócio de somenos; é tudo para nós. Continuar lendo

TIBIEZA: CONTENTAR-SE COM NÃO OFENDER A DEUS PELO PECADO MORTAL, MAS NÃO QUERER EVITAR O PECADO LEVE

Resultado de imagem para tibiezaFonte: Capela Santo Agostinho

Que é a tibieza?

A tibieza é uma doença espiritual e das mais graves e perigosas. É o verme roedor da piedade. Micróbio terrível! Mina o organismo espiritual sem que o enfermo perceba. Enfraquece a pobre alma. Amortece as energias da vontade. Inspira horror ao esforço. Afrouxa vida cristã. Espécie de langor ou torpor, diz Tanquerey, que não é ainda a morte, mas que a ela conduz sem se dar por isso, enfraquecendo gradualmente as nossas forças morais. Pode-se compará-la a estas doenças que definham, como a tísica, e consomem pouco a pouco algum dos órgãos vitais. É uma sonolência, um sistema de acomodações na vida espiritual.

O tíbio não quer lutar. Tem horror ao combate da vida cristã. Não compreende a palavra de Nosso Senhor: Eu não vim trazer a paz, mas a guerra!

Guerra ao pecado, guerra às paixões, guerra à indiferença.

Quem não é por mim, é contra mim!

O tíbio não compreende este radicalismo sublime do Evangelho e da cruz. Numa palavra o define bem o Espírito Santo: é morno. Nem frio, nem quente.

Nem o ardor da caridade, o fogo do amor, nem o gelo da descrença e da impiedade e da morte da alma.

A tibieza é uma inércia espiritual. Um estado lamentável da alma.

É a mediocridade que se contenta com não ofender a Deus pelo pecado mortal, mas não quer evitar o pecado leve, fugir do relaxamento da vida espiritual.

Enfim, para defini-la com precisão e distingui-la do que a ela apenas se assemelha, como a aridez e outras provações da vida espiritual, vamos dar a sua definição. Continuar lendo

VALOR DO TEMPO

tempoFili, conserva tempus et devita a malo — “Filho, guarda o tempo e evita o mal” (Ecllus. 4, 23)

Sumário. Um só momento de tempo vale tanto como Deus, porque o homem pode a cada instante, por um ato de contrição ou de amor, adquirir a graça de Deus e aumentar a glória eterna. E tu, meu irmão, em que empregas o tempo tão precioso? Porque adias sempre para amanhã o que podes fazer hoje?… Reflete que o tempo passado já não te pertence; que o futuro não está em tua mão. Só tens o tempo presente para fazeres o bem e este é brevíssimo! Mister é, pois, que o aproveites depressa, se não o quiseres chorar depois como perdido irremediavelmente.

*************************

Meu filho, diz o Espírito Santo, sê cuidadoso em conservar o tempo, porque é a coisa mais preciosa e o maior dom que Deus pode dar ao homem na terra. Até os próprios pagãos sabiam o que vale o tempo. Dizia Sêneca que não há valor igual ao do tempo: Nullum temporis pretium. — Os Santos, porém, avaliaram muito melhor ainda o valor do tempo. Diz São Bernardino de Sena que um só momento vale tanto como Deus; porque o homem pode a cada instante, por um ato de contrição ou de amor, adquirir a graça de Deus e aumentar a glória eterna: Tempus tantum valet, quantum Deus.

O tempo é um tesouro que só se acha nesta vida; não se encontra na outra, nem no inferno, nem no céu. No inferno o grito contínuo dos réprobos é este: Oh, si daretur hora! — “Oxalá se nos desse uma hora!” Comprariam por todo o preço uma hora de tempo, que lhes bastaria para reparar a sua ruína; mas essa hora não a terão mais. No céu não há tristeza; mas se os bem-aventurados pudessem estar tristes, a sua única tristeza seria de terem perdido tempo nesta vida, tempo em que podiam adquirir maior glória e que não existe mais para eles.

Uma religiosa beneditina apareceu, depois da morte, com a auréola da glória, a uma pessoa e disse-lhe que estava plenamente contente; mas, se pudesse desejar alguma coisa, seria voltar à terra e sofrer para merecer mais glória. Acrescentou que de boa mente consentiria em sofrer até o dia do juízo a doença dolorosa que tinha sofrido antes de morrer, para adquirir a glória que corresponde ao merecimento de uma só Ave-Maria. — E tu, meu irmão, em que empregas o tempo? Porque adias sempre para amanhã o que podes fazer hoje? Continuar lendo

SÉTIMO DOMINGO DEPOIS DE PENTECOSTES: OS FALSOS PROFETAS E A NECESSIDADE DAS BOAS OBRAS

loboOmnis arbor, quae non facit fructum bonum, excidetur et in ignem mittetur – “Toda a árvore que não dá bom fruto será cortada e metida no fogo” (Mat. 7, 19).

Sumário. Persuadamo-nos de que a fé por si sós não basta para a nossa salvação. São também necessárias as obras, porquanto, como diz nosso Senhor no Evangelho de hoje: “Toda a árvore que não dá bom fruto será cortada e metida no fogo.” Estas obras não são as mesmas para todos; diferem segundo o estado em que Deus nos colocou. Quantos cristãos, desejando fazer coisas grandes, descuidam os deveres do próprio estado e se condenam! Meu irmão, põe a mão na consciência: serás tu porventura um destes infelizes?

*************************

I. No Evangelho de hoje Jesus Cristo nos põe de sobreaviso contra os corruptores da doutrina e da moral cristã; e especialmente contra os que negam a necessidade das boas obras para se conseguir a salvação eterna.

“Guardai-vos”, diz o Senhor (1), “dos falsos profetas, que vêm a vós com vestidos de ovelhas, mas por dentro são lobos roubadores. Pelos seus frutos os reconhecereis. Por ventura colhem-se uvas de espinhos, ou figos de abrolhos? Assim, toda a árvore boa dá bons frutos e toda a árvore má dá frutos maus.

“Não pode a árvore boa”, assim prossegue o Senhor, “dar maus frutos; nem a árvore má dar frutos bons. Toda a árvore que não dá bom fruto é cortada e lançada ao fogo. Pelos seus frutos, portanto, os reconhecereis. Nem todo o que diz: Senhor, Senhor! entrará no reino dos céus, mas o que faz a vontade de meu Pai, … esse entrará no reino dos céus.”

A fé, portanto, não basta por si só para a salvação; são necessárias também as obras, sem as quais a fé é morta (2). São em primeiro lugar necessárias aos inocentes porque Deus nos diz que no dia do juízo dará a cada um segundo as suas obras (3). Elas são mais necessárias ainda aos penitentes; porque a conversão não consiste somente na contrição do coração e na confissão oral, mas também em fazer dignos frutos de penitência (4). Àquele que não produz tais frutos, está reservada á sorte da árvore inútil: Será cortada e lançada ao fogo. – Examina agora, meu irmão, se tens a fé, que é acompanhada de frutos de boas obras; ou somente de folhas e flores de desejos vãos e propósitos ineficazes. Reflete bem, que muitos cristãos, teus semelhantes, estão agora queimando no inferno por haverem tido uma fé morta. Continuar lendo

MARIA SANTÍSSIMA É A MEDIANEIRA DOS PECADORES PARA COM DEUS

mariaFacta sum coram eo quasi pacem reperiens — «Tenho-me tornado na sua presença como uma que acha a paz» (Cant 8, 10)

Sumário. É com razão que Maria Santíssima é comparada ao iris; porque é a medianeira e o penhor da paz entre Deus e os homens. Com efeito, quantos pecadores que agora são grandes Santos no céu, estariam talvez ardendo no inferno, se Maria não tivesse intercedido junto ao Filho para lhes obter perdão! Seja qual for o estado da nossa alma, recorramos com confiança a esta querida Mãe e seremos salvos. Lembremo-nos, porém, que para merecermos a sua proteção especial, é preciso que tenhamos ao menos a vontade de nos emendar.

*************************

O principal ofício que foi dado a Maria, quando veio à terra, consistiu em levantar as almas decaídas da graça divina e reconciliá-las com Deus. Eis como o Espírito Santo a faz falar nos sagrados Cânticos: Eu me tornei diante dele como uma que achou a paz. Eu sou, diz Maria, a defesa daqueles que a mim recorrem, e a minha misericórdia é, em benefício deles, como uma torre de refúgio, porque o Senhor me fez medianeira de paz entre os pecadores e Deus. — Oh, quantos daqueles que são agora grandes Santos no paraíso, estariam talvez a arder no inferno, se a Virgem não tivesse intercedido junto ao Filho para lhes obter perdão!

Por isso, os Santos Padres comparam Maria Santíssima, não só com a arca de Noé, onde acharam abrigo todos os animais, figuras dos pecadores; mas ainda com a pomba, que, saída da arca, para ela voltou, trazendo no bico o ramo de oliveira, em sinal da paz que Deus concedia aos homens.

Foi também figura expressiva de Maria o iris, que, na visão de São João, cercava o trono de Deus: Et iris erat in circuitu sedis (Apoc 4, 3). Sim, porque, na explicação de um intérprete, a Santa Virgem sempre assiste no tribunal divino para mitigar a sentença e o castigo devido aos pecadores; ou ainda, porque, segundo diz São Bernardino de Sena, como Deus à vista do arco-íris se lembra da paz prometida à terra, assim também, pelos rogos de Maria, perdoa aos pecadores as ofensas feitas, e faz pazes com eles. Continuar lendo

DA VIDA PENOSA DE JESUS CRISTO

cruzDefecit in dolore vita mea, et anni mei in gemitibus – “A minha vida tem desfalecido com a dor, e os meus anos com os gemidos” (Ps. 30, 11).

Sumário. O nosso amável Redentor, desde o primeiro instante da sua vida, teve sempre presentes os ultrajes e as dores que o esperavam pela vista horrível de todos os males que o deviam afligir. Quando nos sentirmos oprimidos pelas cruzes que se nos afiguram longas ou pesadas demais, lancemos um olhar para Jesus Cristo e lembremo-nos da vida penosa que ele levou. Assim de certo não nos ousaremos queixar da mão paternal que nos fere para nosso bem.

*************************

Deus, usando de compaixão para conosco, não nos faz conhecer, antes do tempo, as penas que nos esperam. Se a um criminoso, que expira sobre o patíbulo, tivesse sido revelado, desde o uso da razão, o suplício que o esperava, teria jamais podido experimentar alegria? Se, desde o princípio do seu reinado, tivesse sido mostrada a Saul a espada que o devia traspassar, se Judas tivesse visto de antemão o laço que o devia estrangular, quão amarga teria sido a sua vida!

O nosso amável Redentor, porém, desde o primeiro instante da sua vida, teve sempre presentes os açoites, os espinhos, a cruz, os ultrajes da sua Paixão e a morte desolada que o esperava. Quando via as vítimas sacrificadas no templo, bem sabia que eram outras tantas figuras do sacrifício que ele mesmo, o Cordeiro sem mancha, devia consumar sobre o altar da cruz. Quando via a cidade de Jerusalém, bem sabia que era ali que devia perder a vida em um mar de dores e de opróbrios. Quando lançava os olhos para a sua amada Mãe, já imaginava vê-la agonizante de dor ao pé da cruz, na qual Ele expirava.

Assim, ó meu Jesus, a vista horrível de tantos males Vos teve num tormento e numa aflição incessantes, muito tempo antes da vossa morte. E Vós aceitastes e sofrestes tudo isso por meu amor. – Ó Senhor, só a vista de todos os pecados do mundo, particularmente dos meus, fez com que a vossa vida fosse a mais aflita e penosa, de todas as existências passadas e futuras. – Mas, ó Deus! Em que lei bárbara está escrito que um Deus ame tanto a uma criatura e que depois disto a criatura viva sem amar a seu Deus; mais ainda, viva a ofendê-Lo e contrista-Lo? Ah, Senhor! Fazei-me conhecer a grandeza do vosso amor, afim de que eu deixe de Vos ser ingrato. Se eu Vos amasse, ó meu Jesus, se eu Vos amasse verdadeiramente, quão doce me seria sofrer por Vós! Continuar lendo

JESUS NO SANTÍSSIMO SACRAMENTO FAZ AS DELÍCIAS DAS ALMAS DESPRENDIDAS

santUbicumque fuerit corpus, illuc congregabuntur et aquilae — “Por toda a parte onde se achar o corpo, aí se reunirão as águias” (Luc. 17, 37)

Sumário. As almas desapegadas são aquelas águias magnânimas que se elevam acima de todas as coisas criadas e têm pelo afeto sua morada continua no céu. Ainda na terra elas acham o seu paraíso na presença de Jesus sacramentado e nunca se fartam de visitá-Lo e fazer-Lhe companhia. Se nós também quisermos achar nossas delícias no divino Sacramento, desapeguemos nosso coração de nós mesmos e de todos os bens terrestres; e quando cometermos alguma falta, refugiemo-nos logo em nosso divino Salvador, afim de que nos purifique.

***********************

Por este corpo os Santos entendem comumente o de Jesus Cristo, e pelas águias entendem as almas desapegadas, que se elevam, como estas aves, acima das coisas da terra e voam para o céu, para onde tendem sem cessar por seus pensamentos e afetos e onde têm a sua morada continua. Estas águias ainda na terra acham seu paraíso, onde quer que achem a Jesus sacramentado e parece que nunca se podem fartar de o visitarem e de ficarem na sua presença. — Se as águias, diz São Jerônimo, percebendo o cheiro de alguma presa logo se lançam para a tomar, com quanto maior ardor devemos nós correr e voar para Jesus no Santíssimo Sacramento, como para o mais precioso alimento dos nossos corações?

Os Santos, neste vale de lágrimas, correram sempre com avidez, como cervos sequiosos, para esta fonte celeste. A grande serva de Deus, Maria Diaz, que viveu no tempo de Santa Teresa, obteve do bispo de Ávila licença para morar numa tribuna da igreja, onde ficava continuamente na presença de Jesus sacramentado, a quem chamava seu vizinho. O venerável frei Francisco do Menino Jesus, carmelita descalço, passando diante das igrejas onde estava o Santíssimo Sacramento, não podia deixar de entrar nelas para o visitar, dizendo que não convém a um amigo passar diante da casa de seu amigo sem entrar ao menos para saudá-lo e dizer-lhe uma palavra.

Finalmente, o Padre Alvarez, qualquer que fosse a sua ocupação, dirigia muitas vezes os olhos para o lado onde sabia que repousava o Santíssimo Sacramento; freqüentemente o visitava e passava algumas vezes noites inteiras na sua presença. Derramava lágrimas vendo os palácios dos grandes cheios de gente, para fazerem corte a um homem, de quem esperam algum mísero bem; e tão abandonadas as igrejas, onde reside no meio de nós, como num trono de amor, o soberano Senhor do céu, rico de bens infinitos e eternos. Dizia que são muito felizes os religiosos que na sua própria casa podem visitar, quantas vezes querem, de noite e de dia, este augusto Senhor no Santíssimo Sacramento; o que não é dado às pessoas do século. Continuar lendo

QUEM AMA A DEUS, SUSPIRA POR VÊ-LO NO CÉU

ceuHeu mihi, quia incolatus meus prolongatus est – “Ai de mim, que o meu desterro se prolongou” (Ps. 119, 5).

Sumário. As almas que amam a Deus, são como que outras tantas nobres peregrinas, destinadas a serem eternamente esposas do Rei do céu, mas ainda estão longe d’Ele sem O poderem ver. Estão, é verdade, contentes com a sua sorte, porque se conformam com a vontade de Deus que as quer deixar no exílio; sempre, porém, suspiram para irem ao céu, onde eles sabem que o Esposo as espera. Se não sentimos o mesmo desejo de nos unirmos a Deus é porque o amamos pouco. Mas querermos ficar sempre assim? – Ah, Senhor, de hoje em diante quero amar-Vos de todo o meu coração.

************************

As almas que neste mundo não amam senão a Deus, são como que umas nobres peregrinas, destinadas, pelo seu estado, a serem as esposas eternas do Rei do céu; mas que vivem longe d’Ele sem O poderem ver. Pelo que suspiram incessantemente por irem à pátria bem-aventurada onde sabem que o Esposo as espera.

Sabem que o objeto do seu amor lhes está sempre presente; mas está como escondido atrás de um reposteiro e não se deixa ver. Está, para dizer melhor, como muitas vezes o sol entre as nuvens, donde de tempo a tempo faz luzir um raio de seu esplendor, mas sem se deixar ver a descoberto. – Aquelas esposas amadas têm os olhos vendados, de sorte que não podem ver o seu amado. Vivem, todavia, contentes, conformando-se com a vontade do Senhor, que as quer deixar no exílio e longe de si; mas, apesar disso, não podem deixar de suspirar incessantemente pelo desejo de O conhecerem face a face, afim de se abrasarem mais de amor e O amarem com mais ardor.

Por isso, cada uma delas vai freqüente mas docemente queixar-se ao dileto, porque se não deixa ver, e diz: O amor único do meu coração, já que me amais tanto e me feristes com o vosso santo amor, porque é que Vos escondeis e não Vos deixais ver? Sei que sois uma beleza infinita; amo-Vos, mais que a mim mesma, ainda que não Vos tenha visto; descobri-me a vossa face formosa; quero conhecer-Vos a descoberto, afim de não olhar mais nem para mim mesma nem para outras criaturas, e não pensar mais senão em Vos amar, meu Bem supremo: Ai de mim, porque se prolongou o meu desterro! Continuar lendo

A PAZ QUE DEUS FAZ GOZAR AOS BONS RELIGIOSOS

Sedebit populus meus in pulchritudine pacis, et in tabernaculis fiduciae, et in requie opulenta – “Assentar-se-á meu povo na formosura de paz, e nos tabernáculos da confiança, e num descanso opulento” (Is 32, 18)

Sumário. Se Deus é o único dispensador do grande tesouro da paz da alma, a quem pensamos que o dará senão aos que deixaram tudo para se consagrarem à Ele?Por isso vemos que os bons religiosos, encerrados em suas celas, bem que mortificados, desprezados, pobres e enfermos, vivem mais contentes do que os grandes do mundo com todas as riquezas, pompas e prazeres que gozam. Se os homens refletissem bem nesta grande verdade, todo o mundo se tornaria um convento, todos se fariam religiosos.

************************

A paz da alma é um bem que vale mais do que todos os reinos do mundo. De que serviria ter o domínio de todo o mundo sem a paz interior? É melhor ser o aldeão mais pobre do mundo e estar contente, do que ser senhor de todo o mundo e viver inquieto. -Mas, quem pode dar esta paz? O mundo? Não. A paz é um bem que só de Deus pode vir. Por isso ele mesmo se chama o Deus de toda a consolação: Deus totius consolationis (1).

Ora, se Deus é o único dispensador da paz, a quem pensamos que Deus a concederá senão àqueles que deixam tudo e se desprendem das criaturas, para se consagrarem inteiramente ao Criador? Por isso vemos que os bons religiosos, encerrados em suas celas, bem que mortificados, desprezados, pobres e enfermos, vivem mais contentes de que os grandes do mundo com todas as riquezas, pompas e prazeres que gozam.

Dizia Santa Escolástica que, se os homens conhecessem a paz que experimentam os bons religiosos, todo o mundo se tornaria um convento. E Santa Maria Magdalena de Pazzi acrescentava que todos haviam de tomar de escalada os conventos, se soubessem a paz que neles se goza. -O coração humano, criado para um bem infinito, não se pode contentar com todas as criaturas, que são bens finitos e caducos. Só Deus, que é o bem infinito, o pode contentar. Delectare in Domino, et dabit tibi petitiones cordis tui (2) – “Deleita-te no Senhor, e te outorgará as petições do teu coração”. Continuar lendo

IMPORTÂNCIA DO ÚLTIMO MOMENTO DA VIDA

leitoMortuo homine impio, nulla erit ultra spes, et expectatio sollicitorum peribit – “Morto o homem ímpio, não restará mais esperança alguma e a expectação dos ambiciosos perecerá” (Prov. 11, 7).

Sumário. Um pagão, a quem perguntaram qual era a melhor sorte neste mundo, respondeu: Uma boa morte. Que dirá, pois, o cristão, que sabe pela fé que nesse momento começa a eterna alegria ou o eterno sofrimento? Oh! De que importância é o último momento, a última respiração, o último cair do pano sobre o teatro do mundo! Que loucura, portanto, a nossa, se, por amor aos prazeres vis e passageiros deste mundo, nos expuséssemos ao perigo de morrermos de morte desgraçada e de irmos sofrer para sempre no inferno!

*********************

Que loucura! Por amor aos miseráveis e breves prazeres de tão curta vida, correr o risco de uma morte desgraçada e com esta principiar uma eternidade desgraçada! De que importância é o último momento, a última respiração, o último cair do pano sobre o teatro do mundo! Vale uma eternidade, ou de todas as alegrias, ou de todos os tormentos; uma vida, ou sempre feliz, ou sempre desgraçada! – Consideremos que Jesus Cristo quis morrer de morte tão ignominiosa e amarga para nos obter uma boa morte. Tantas vezes Ele nos convida, nos dá tantas luzes e nos avisa por tantas ameaças, afim de que nos determinemos a consumar o nosso último instante na graça de Deus!

Até um pagão, Antisthenes, a quem perguntaram qual era a melhor sorte neste mundo, respondeu: Uma boa morte. Que dirá, pois, um cristão, que sabe pela fé que então começa a eternidade, de forma que lhe cabe uma das duas sortes, ou a que traz a eterna alegria ou a que traz consigo o eterno sofrimento? – Se metessem num saco dois bilhetes, um com a palavra inferno, outro com a palavra céu e vos mandassem tirar a sorte, que precaução não tomaríeis para tirar a que vos desse direito ao céu? Como os desgraçados, condenados a jogar a vida, tremem ao estender a mão para lançar os dados, de cuja sorte depende a sua vida ou a sua morte!

Quais serão as tuas agonias, quando te aproximares desse último momento, quando tiveres de dizer: Do instante que se avizinha, depende a minha vida ou a minha morte eterna! Vai ser decidido se serei feliz para sempre ou desesperado para sempre! – São Bernardino de Sena conta que um príncipe, ao expirar, disse muito consternado: Eu que possuo tantas terras e palácios no mundo, não sei qual será a minha morada se vier a morrer esta noite! – meu Jesus, que será de mim no último instante da minha vida? Ah! Não me permitais que me perca e fique privado de Vós, meu único Bem. Continuar lendo

AS TURBAS FAMINTAS E A VAIDADE DOS BENS TERRESTRES

multMisereor super turban: quia ecce iam triduo sustinent me, nec habent quod manducent –“Tenho compaixão da multidão; porque desde três dias já me acompanham e não têm o que comer” (Marc. 8, 2).

Sumário. A fome das turbas de que fala o Evangelho, nos pode ensinar que a felicidade das riquezas, das dignidades e dos prazeres, jamais pode saciar o nosso coração. Persuadamo-nos bem de que o que possui todos os tesouros da terra, mas não possui a graça de Deus, é o homem mais pobre do mundo… Se em tempos passados tivemos a insensatez de apegar o nosso coração às vaidades, sejamos agora mais prudentes; unamo-nos à Jesus Cristo, que nos saciará espiritualmente, assim como com sete pães apenas saciou corporalmente mais de quatro mil pessoas. 

**********************

I. Eram tais os atrativos do nosso divino Salvador, e tal a doçura com que acolhia todos, que se viu um dia cercado de uma multidão de cerca de quatro mil pessoas, que tendo-o seguido três dias não tinham o que comer. Movido de compaixão, disse aos discípulos: Tenho compaixão da multidão que me vem acompanhando três dias e não tem o que comer. E, sabendo que ali havia sete pães e uns poucos peixes, fez o grande milagre da multiplicação dos pães e alimentou abundantemente toda a multidão faminta.

É este o sentido literal do Evangelho de hoje; porém, o sentido místico significa que não há nenhum manjar neste mundo que possa saciar nossas almas. Todos os bens da terra, as riquezas, as honras, os prazeres, deleitam somente os sentidos do corpo; mas para o espírito são vaidade e aflição: Universa vanitas et afflictio spiritus (1), Se os bens deste mundo contentassem o homem, seriam inteiramente felizes os poderosos e os ricos; não obstante, a experiência demonstra inteiramente o contrário; ela nos faz ver que eles são os mais desgraçados, porque vivem sempre sob a opressão do temor, da inveja, da tristeza e da cobiça de possuírem mais. Continuar lendo

FESTA DO PRECIOSÍSSIMO SANGUE DE NOSSO SENHOR JESUS CRISTO.

Resultado de imagem para sangue de nosso senhorRedemisti nos Deo in sanguine tuo… et fecisti nos Deo nostro regnum—«Remiste-nos para Deus com o teu sangue… e fizeste-nos para nosso Deus reino» (Apoc. 5, 9).

SumárioO Senhor podia obter-nos a salvação sem sofrer; pois que uma só lagrima, uma só oração teria sido bastante para salvar uma infinidade de mundos. A fim de nos patentear, porém, o seu amor, quis derramar o seu Sangue até à ultima gota, no meio das mais atrozes dores. Como é que os homens respondem a um tão grande amor?… Mostremo-nos ao menos nós gratos para com esse Coração amabilíssimo, e para reparar as ofensas que lhe tenhamos feito habituemo-nos a oferecer muitas vezes ao Eterno Pai este preço da nossa Redenção.

****************************

Considera o imenso amor que o Filho de Deus nos mostrou, remindo-nos ao preço de seu divino Sangue. Podia salvar-nos sem sofrer; pois que uma só lagrima, um só suspiro, até uma só oração, sendo de valor infinito, teria sido o suficiente para salvar o mundo e até mil mundos. Mas o que bastava para a Redenção, diz São João Crisóstomo, não bastava para patentear o amor que Deus nos tinha; tanto mais que ele quis fazer-se ao mesmo tempo o nosso guia e o nosso mestre: Remiste-nos para Deus com o teu sangue.

Para nos ensinar pelo seu exemplo a obediência às ordens do Pai, também a custo de sacrifícios, Jesus começou a derramar o seu precioso sangue, quando tinha oito dias apenas, sob o cutelo da circuncisão.—Além disso, para nos ensinar a domarmos as nossas paixões rebeldes, e ao mesmo tempo a nos conformarmos em tudo com a vontade divina, mesmo com sacrifício da vida, continuou a derramá-lo no horto das oliveiras, numa agonia mortal e com tamanha abundância que corria sobre a terra: Factus est sudor eius sicut guttai sanguinis decurrentis in terram  — «Veio-lhe um suor, como de gotas de sangue que corria sobre a terra».—Para reparar a delicadeza com que tratamos o nosso corpo, e mais ainda as nossas satisfações indignas, os nossos pensamentos de soberba e luxúria, Jesus Cristo quis derramar seu sangue no pretório de Pilatos sob os golpes de uma cruel flagelação e de uma bárbara coroação de espinhos.

Finalmente, depois de haver tinto com o seu sangue o caminho do Calvário, para nos ensinar que o caminho do céu é o dos sofrimentos; depois de o haver derramado ainda copiosissimamente pelas mãos e pés, deixando-se crucificar a fim de reparar o abuso da nossa liberdade; vendo por um lado que o coração humano é a raiz viciada de todos os males, e por outro, que no seu coração restavam ainda poucas gotas de seu precioso sangue, quis derrama-las também, permitindo que o seu lado sacrossanto fosse aberto por uma lançada: Unus militum lancea tatus eius aperuit — «Um dos soldados abriu-lhe o lado com uma lança». Continuar lendo

DO JUÍZO PARTICULAR – PONTO III

Imagem relacionadaEm resumo: para que a alma consiga a salvação eterna, o juízo há de patentear que a vida dessa alma fora conforme a vida de Cristo.

É o que fazia tremer Jó, quando exclamava:

“Que farei quando Deus se levantar a julgar? E quando me perguntar, que lhe responderei?” (Rm 8,29)

Repreendendo Filipe II um de seus criados, que o tinha enganado, disse-lhe apenas estas palavras: É assim que me enganas?…

Aquele infeliz, ao voltar à sua casa, morreu de pesar. Que fará pois, e que responderá o pecador a Jesus Cristo, seu juiz? Fará como aquele homem do Evangelho, que se apresentou ao banquete sem a veste nupcial. Não soube o que responder e calou-se (Mt 22,12). As próprias culpas lhe fecharam a boca (Sl 106,42). A vergonha — diz São Basílio — será então para o pecador maior tormento que as próprias chamas infernais.

Finalmente, o juiz pronunciará a sentença:

“Apartai-vos de mim, malditos, para o fogo eterno!”

Quão terrivelmente ressoará aquele trovão — exclama Dionísio, o Cartuxo…

“Quem não treme à consideração dessa horrenda sentença — observa Santo Anselmo — não está dormindo, mas morto”.

Santo Eusébio acrescenta que será tão grande o terror dos pecadores ao ouvir a sua condenação, que se não fossem já imortais morreriam de novo. Então, — como escreve São Tomás de Vilanova, — já não será tempo de suplicar, já não haverá intercessores a quem recorrer. A quem, efetivamente, hão de recorrer?… Porventura, a seu Deus a quem desprezaram?. Talvez aos Santos, à Virgem Maria?… Continuar lendo

MARIA SANTÍSSIMA, MODELO DE OBEDIÊNCIA

mariaEcce ancilla Domini: fiat mihi secundum verbum tuum – “Eis aqui a escrava do Senhor: faça-se em mim segundo a tua palavra” (Luc. 1, 38).

Sumário. A obediência de Maria foi incomparavelmente mais perfeita que a dos outros santos; porque, imune de todo labéo de culpa, ela era como que uma roda que pronta se movia a cada inspiração divina. Pelo mérito desta virtude Maria remediou o dano que causou Eva com sua desobediência. E tu como é que obedeces a teus superiores? Como é que observas as leis de Deus e da Igreja e os deveres próprios do teu estado? Lembra-te de que a virtude de obediência faz entrar os bem-aventurados na glória.

**************************

Pelo afeto que Maria consagrava à virtude de obediência, não quis, quando São Gabriel lhe veio anunciar a maternidade divina, chamar-se com outro nome senão com o de escrava: Eis aqui a escrava do Senhor. Sim, diz Santo Tomás de Villanova, porque esta fiel escrava, nem com suas obras nem com o pensamento contradisse jamais ao Senhor; mas, despida de toda a vontade própria, viveu sempre e em tudo obediente à divina vontade.

Observa São Bernardino de Sena que a obediência de Maria foi muito mais perfeita que a dos outros santos, porque todos os homens, por causa da inclinação ao mal pelo pecado original, sentem dificuldade em fazer o bem. Maria, ao contrário, imune, como era, de todo o labéo de culpa, foi como que uma roda que prontamente se movia a cada inspiração divina e outra coisa não fazia senão observar e executar o que agradava a Deus. – Dela é que foi dito: Anima mea liquefacta est, ut dilectus meus locutus est (1) – “A minha alma se derreteu, assim que meu amado falou”; porque, na explicação de Ricardo, a alma da Virgem era como que um metal derretido, disposta a tomar todas as formas que Deus queria.

Quanto era pronta para obedecer, mostrou-o claramente Maria quando, para agradar a Deus, quis obedecer também ao imperador romano, fazendo a viagem a Belém, em tempo de inverno, grávida e tão pobre que se viu obrigada a dar à luz numa gruta. – Foi igualmente pronta quando São José a avisou, que se pusesse a caminho na mesma noite, para viagem mais longa e perigosa ao Egito. Continuar lendo

AS FALSAS RELIGIÕES FORAM INVENTADAS PELO DEMÔNIO – PALAVRAS DE D. LEFEBVRE

Fonte: FSSPX México Tradução: Dominus Est

Os Papas, que de modo algum eram liberais e que permaneceram firmes na fé, sempre distinguiram explicitamente a verdadeira religião das falsas. De que espírito vem as falsas religiões? De Deus ou do demônio? Se são falsas foram inventados pelo espírito do erro e da mentira, e o mestre da mentira e do erro é o demônio “.

Os progressistas ficam furiosos se dissermos que as outras religiões são falsas. Eles não suportam ouvir isso. “Assim que os senhores condenam todas as outras religiões?” “Todas as outras religiões são más?” É algo visceral para eles e seu conceito concorda com o próprio princípio do liberalismo, segundo o qual todas as religiões são boas. 

Os senhores acreditam – dizem – que apenas a religião católica é boa e capaz de fazer o bem à sociedade. Mas veja a piedade dos muçulmanos ou budistas …”

As falsas religiões foram inventadas pelo demônio justamente para afastar populações e países inteiros de Nosso Senhor, e impedir-lhes que se tornem católicos e ouçam a Verdade. Não há dúvida. Por isso que é quase impossível converter muçulmanos. Continuar lendo

QUANTO AGRADA A JESUS A LEMBRANÇA DA SUA PAIXÃO

Resultado de imagem para paixão de cristoGratiam fideiussoris ne obliviscaris; dedit enim pro te animam suam – “Não te esqueças da graça que te fez teu fiador, pois ele expos sua alma para te valer” (Ecclus. 29, 20).

Sumário. Quão agradável é a Jesus que nos lembremos da sua Paixão, conclui-se de que o Santíssimo Sacramento foi instituído exatamente para conservar em nós a memória dela. Eis porque todos os santos meditavam continuamente nos sofrimentos e desprezos que o Redentor padeceu em toda a sua vida e particularmente na morte. Procuremos dar esta satisfação ao Coração amabilíssimo de Jesus; contemplemo-lo muitas vezes, mormente na sexta-feira, moribundo por nós, lembrando-nos as penas que com tamanho amor sofreu por nós.

**********************

Quão agradável é a Jesus Cristo que nos lembremos freqüentemente da sua paixão e da morte ignominiosa que por nós sofreu, conclui-se da instituição do Santíssimo Sacramento do altar, a qual foi feita exatamente para guardar sempre viva a lembrança do amor que nos mostrou Jesus, sacrificando-se sobre a cruz pela nossa salvação. – Já sabemos que Jesus instituiu este Sacramento de amor na véspera da sua morte e que depois de ter dado seu corpo aos discípulos, lhes disse, e na pessoa deles também a nós, que quando tomassem a santa comunhão, anunciassem a morte do Senhor(1), quer dizer, que se lembrassem do muito que por nosso amor sofreu. Por isso, a Igreja ordena que na missa o celebrante diga depois da consagração, em nome de Jesus Cristo: Haec quotiescumque feceritis, in mei memoriam facietis– “Todas as vezes que fizerdes estas coisas, as fareis em memória de mim”.

Se alguém padecesse pelo seu amigo injúrias e açoites e depois lhe contassem que o amigo, ouvindo falar disso, nem quer escutar dizendo: Falemos em outra coisa, que pena não havia de sentir de tamanha ingratidão? Que consolação teria, ao contrário, sabendo que o amigo proclama a sua gratidão eterna e dele sempre se lembra e fala com lágrimas de ternura? – Eis porque os santos, sabendo quanto agrada a Jesus Cristo a lembrança freqüente da sua Paixão, se tem aplicado sempre a meditar nas dores e nos desprezos que o amantíssimo Redentor sofreu em toda a sua vida e especialmente em sua morte.

Refere-se na vida do Bem-aventurado Bernardo de Corlione, capuchinho, que, quando os religiosos, seus irmãos, queriam ensiná-lo a ler, foi primeiro tomar conselho com Jesus crucificado. Respondeu-lhe o Senhor: Que leitura! Que livros! Eu, o crucificado, quero ser teu livro, no qual poderás ler o amor que te hei consagrado. – Jesus crucificado foi também o livro predileto de São Filipe Benício. No leito da morte pediu o Santo lhe dessem seu livro. Os assistentes não sabiam qual era o livro que desejava, mas frei Ubaldo, seu confidente, deu-lhe a imagem de Jesus crucificado e então disse o Santo: “É este o meu livro”; e, beijando as chagas sagradas, exalou a sua alma bendita. Continuar lendo

DO JUÍZO PARTICULAR – PONTO II

Resultado de imagem para juízo particularConsidera a acusação e o exame:

“Começou o juízo e os livros foram abertos” (Dn 7,10)

Haverá dois livros: o Evangelho e a consciência.

Naquele, ler-se-á o que o réu devia fazer; nesta, o que fez. Na balança da divina justiça não se pesarão as riquezas, nem as dignidades e a nobreza das pessoas, mas somente suas obras.

“Foste pesado na balança — diz Daniel ao rei Baltasar — e achado demasiadamente leve” (Dn 5,27)

Quer dizer, segundo o comentário do Padre Álvares, que “não foram postos na balança o ouro e as riquezas, mas unicamente a pessoa do rei”. Virão logo os acusadores e em primeiro lugar o demônio.

“O inimigo estará ante o tribunal de Cristo, — disse Santo Agostinho — e referirá as palavras de tua profissão”. “Recordar-nos-á tudo quanto temos feito, o dia e a hora em que pecamos”

Referir as palavras de nossa profissão significa que apresentará todas as promessas que fizemos, que esquecemos e, por conseguinte, deixamos de cumprir. Denunciar-nos-á nossas faltas, designando os dias e as horas em que as cometemos. Depois dirá ao juiz:

“Senhor, eu não sofri nada por este réu; mas ele vos abandonou, a vós que destes a vida para salvá-lo, e se fez meu escravo. É a mim que ele pertence…” Continuar lendo

JESUS NO SANTÍSSIMO SACRAMENTO É PRISIONEIRO DE AMOR

santDescendit cum illo in foveam, et in vinculis non dereliquit eum – “Desceu (Deus) com ele ao fosso, e não o deixou nas cadeias” (Sap. 10, 13).

Sumário. Considera que Jesus está noite e dia sobre os altares como em outras tantas prisões de amor. Bastava que ali ficasse só de dia; porém Ele quis ficar também durante a noite, afim de que de manhã o possa achar quem o venha buscar. Só esta fineza devia excitar todos os homens a ficar sempre na presença de Jesus sacramentado; mas é o contrário que se dá. Nós ao menos procuremos dar-Lhe alguma compensação, multiplicando o mais possível nossas visitas, e ao sairmos da Igreja, deixemos nossos corações com todos os seus afetos ao pé do altar, ou encerrados dentro do santo Tabernáculo.

**********************

Nosso amantíssimo Pastor, que deu a vida por nós, suas ovelhas, não quis pela morte separar-se de nós. Eis-me aqui, diz Ele, eis-me aqui, sempre no meio de vós, minhas queridas ovelhas. Por vós me deixei ficar sobre a terra neste Sacramento; aqui me achareis sempre que quiserdes, para vos ajudar e consolar com a minha presença; não vos deixarei até o fim dos séculos, enquanto estiverdes sobre a terra.

Eis, pois, que Jesus Cristo está sobre os altares como em outras tantas prisões de amor. Os sacerdotes tiram-No do Tabernáculo para O exporem, ou para O darem na santa comunhão, e depois tornam a encerra-Lo. E Jesus de boa vontade aí fica dia e noite. – Mas, meu Redentor, para que ficar em tantas igrejas também durante a noite, quando se fecham as portas e os homens Vos deixam só? Bastava que ficásseis somente de dia. Não; Jesus quer ficar também de noite, embora sozinho, afim de que de manhã o possa achar logo quem O queira procurar.

A sagrada Esposa andava procurando a seu Amado e perguntava a todos que encontrava: Não vistes porventura àquele que meu coração ama? (1) E, não o achando, prorrompia em lamentos, dizendo: Meu esposo, fazei-me saber, onde estais. Então a Esposa não o achava, porque ainda não havia o Santíssimo Sacramento; mas agora se uma alma deseja achar Jesus Cristo, basta que vá a uma igreja ou a qualquer mosteiro, e ali achará seu amado, que está à espera dela. Continuar lendo

DEUS É O BEM QUE FAZ O PARAÍSO

facEgo ero merces tua magna nimis – “Eu serei tua recompensa infinitamente grande” (Gen. 15, 1).

Sumário. A formosura dos Santos, as harmonias celestiais e todas as outras delícias do céu, são os menores bens desse reino bem-aventurado. O bem que faz a alma plenamente feliz e faz propriamente o céu é o Bem supremo, é Deus, é vê-lo face a face e amá-lo. Ânimo, pois, meu irmão, visto que tão grande recompensa nos aguarda também. Mas, para o conseguirmos, mister é que abracemos de boa vontade as cruzes e tribulações da vida presente, mormente se no passado houvéssemos tido a desgraça de merecer o inferno.

***********************

A formosura dos Santos, as harmonias celestiais e todas as outras delícias do céu são os menores bens desse reino bem-aventurado. O bem que faz a alma plenamente feliz e que constitui propriamente o paraíso é o Bem supremo, é o Deus, é ver Deus face a face e amá-lo. – Diz Santo Agostinho que, se Deus se deixasse ver aos réprobos, o inferno com todos os seus tormentos se mudaria para ele no mesmo instante em um paraíso. E acrescenta que, se fosse dada a uma alma, ao sair desta vida, a escolha de ver a Deus ficando nas penas do inferno, ou de ser livre das penas do inferno, mas privada da vista de Deus, preferiria ver o Senhor nos tormentos do inferno.

A felicidade de ver e amar a Deus face a face, não pode ser de nós concebida nesta terra. Procuremos, porém, formar dela alguma idéia. Em primeiro lugar, sabemos que o amor divino é tão encantador, que mesmo nesta terra chegou a arrebatar não só as almas, como também os corpos dos Santos. São Filipe Neri foi certa vez arrebatado ao ar, juntamente com o banco em que estava sentado. São Pedro de Alcântara foi também elevado sobre a terra, a ponto de desarraigar a árvore à qual estava abraçado.

Sabemos, além disso, que os santos mártires, pela doçura do amor divino, se regozijavam até no meio dos tormentos. São Vicente falava de tal maneira, enquanto o atormentavam, que, na expressão de Santo Agostinho, parecia ser um que sofria e outro que falava. São Lourenço, enquanto estava na grelha em brasa, zombava do tirano nestes termos: Vira-me e come. – Que suavidade não enche a alma, quando, iluminada na oração por um raio da luz divina, vê a bondade divina e as misericórdias de Deus para com ela e o amor que lhe teve Jesus Cristo. Então a alma se sente toda abrasada e como que cair desfalecida pelo amor. Continuar lendo

DO JUÍZO PARTICULAR – PONTO I

Resultado de imagem para juízo particularOmnes nos manifestari oportet ante tribunal Christi – “Porque é necessário que todos nós compareçamos diante do tribunal de Cristo” (2 Cor 5, 10)

Consideremos o comparecimento do réu, a acusação, o exame e a sentença deste juízo. Primeiramente, quanto ao comparecimento da alma perante o juiz, dizem comumente os teólogos que o juízo particular se efetua no mesmo instante em que o homem expira, que no próprio lugar onde a alma se separa do corpo é julgada por Nosso Senhor Jesus Cristo, o qual não delega seu poder, mas vem ele mesmo julgar esta causa.

“Na hora que não cuidais, virá o Filho do homem” (Lc 12,40).

“Virá com amor para os fiéis — disse Santo Agostinho — e com terror para os ímpios”.

Qual não será o espanto daquele que, vendo pela primeira vez o seu Redentor, vir também a indignação divina!

“Quem poderá subsistir ante a face de sua indignação?” (Na 1,6)

Meditando nisto, o Padre Luís de la Puente estremecia de tal modo, que a cela em que se achava tremia com ele. O venerável Padre Juvenal Ancina se converteu ao ouvir cantar o Dies irae, porque, considerando o terror que se apodera da alma quando se apresentar em juízo, resolveu deixar o mundo, o que efetivamente fez.

A indignação do juiz será prenúncio de eterna condenação (Pr 16,14); e fará sofrer mais as almas que as próprias penas do inferno, segundo afirma São Bernardo. Têm-se visto criminosos banhados em copioso suor frio na presença dos juízes terrestres. Pison, em traje de réu, comparecendo no senado, sentiu tamanha confusão e vergonha, que ali mesmo se deu a morte. Que aflição profunda sente um filho ou um bom vassalo quando vê seu pai ou seu amo gravemente indignado!… Mágoa muito maior sentirá a alma quando vir indignado a Jesus Cristo, a quem desprezou! (Jo 19,37). Irritado e implacável, então, se lhe apresentará esse Cordeiro divino, que foi no mundo tão paciente e amoroso, e a alma, sem esperança, clamará aos montes que caiam sobre ela e a ocultem à indignação de Deus (Ap 6,16). Falando do juízo, disse São Lucas: Continuar lendo

GRANDEZA DA DIVINA MISERICÓRDIA

sagraSuperexaltat autem misericordia iudicium – “A misericórdia se eleva sobre o juízo” (Iac. 2, 13).

Sumário. Toda a terra está cheia da misericórdia de Deus, que nos ama tanto e tão grande desejo tem de nos dispensar suas graças, que nós não o temos igual de as receber. Basta dizer que foi a misericórdia que levou o Senhor a enviar à terra o seu próprio Filho mesmo para se fazer homem, levar uma vida de trabalhos e fadigas e afinal morrer sobre uma cruz por nosso amor. Mas, ai daquele que deixa passar o tempo da divina misericórdia! De repente lhe virá o da justiça, e da justiça tanto mais inexorável, quanto maior tiver sido a misericórdia.

************************

É tão grande o desejo de Deus de nos dispensar suas graças, que, no dizer de Santo Agostinho, Ele mais deseja no-las comunicar do que nós as desejamos receber. A razão é que, como explicam os filósofos, a bondade é por natureza levada a dilatar-se em benefício dos outros. Por isso, Deus, que é a bondade infinita, tem um desejo infinito de se comunicar a nós suas criaturas e fazer-nos participantes de seus bens.

Dali nasce a grande misericórdia do Senhor para com as criaturas. Davi diz que a terra está cheia da divina misericórdia. Não está cheia da divina justiça, porque Deus não exerce sua justiça para castigar os pecadores, senão quando se vê obrigado ou quase constrangido a exercê-la. Ao contrário, é generoso e liberal no uso da sua misericórdia para com todos e em todo tempo, pelo que São Tiago escreve: Superexaltat autem misericordia iudicium – “A misericórdia se eleva sobre o juízo”. Muitas vezes a misericórdia arranca das mãos da justiça os açoites aparelhados para os pecadores e obtém para eles o perdão.

Eis porque o profeta no salmo 58 dá a Deus o nome de misericórdia (1), e no 24 suplica queira perdoa-lhe pelo seu nome, por ser Ele a própria misericórdia (2). No salmo 135, no qual exorta todos a louvarem a Deus por causa da sua providência e dos benefícios conferidos a seu povo, repete vinte e sete vezes estas palavras: In aeternum misericordia eius — “A sua misericórdia é para sempre”. – Em suma, foi a sua grande misericórdia que moveu Deus a enviar a terra seu próprio Filho, para se fazer homem e morrer sobre uma cruz, afim de nos livrar da morte eterna. Por isso Zacarias cantou: Per viscera misericordiae Dei nostri (3) –  “Pelas entranhas da misericórdia de nosso Deus” (Lc 1,78). Por “entranhas de misericórdia” entende-se uma misericórdia que procede do íntimo do Coração de Deus; porquanto preferiu ver morrer seu Filho feito homem, a ver-nos perdidos. Continuar lendo

SEGREDO INVIOLÁVEL

Resultado de imagem para sacramento confissãoDiscípulo — Padre, será que alguma vez não acontece que o confessor conte algum pecado ouvido na confissão?

Mestre — Absolutamente nunca! Um tríplice segredo fecha-lhe a boca; nisto entra a vontade de Deus que não permite que se cometam faltas no que diz respeito a este capítulo.

De fato, a confissão existe há mil e novecentos anos, e nunca aconteceu que um confessor, por nenhum motivo, tenha divulgado um único pecado ouvido na confissão. Martinho Lutero que era um frade zeloso, renegou a sua fé, fez se protestante, tornou-se inimigo da igreja falou e escreveu contra a Igreja calúnias infâmias sem fim, mas nunca, nem uma vez sequer, falou de coisas ouvidas na confissão.

Um dia, achava-se ele numa estalagem com alguns amigos, estes, vendo-o meio embriagado, tiveram a idéia de interrogá-lo, justamente a esse respeito. Antes nunca o tivessem feito! Lutero, de um momento para o outro, ficou furioso, e, agarrando uma garrafa, teria quebrado a cabeça daqueles malvados se eles, mais do que depressa, não tivessem fugido.

O segredo da confissão é inviolável, mesmo diante da morte.

D. — Até diante da morte?!

M. — Certamente! Eis aqui um dos mil fatos que eu poderia citar como prova: Justamente durante a quaresma de 1873, um missionário famoso pregava com grande sucesso numa das principais Igrejas de Paris. No meio da multidão enorme que acorria para ouvi-lo, havia também alguns incrédulos, os quais, tendo-o ouvido falar sobre a inviolabilidade da confissão, quiseram fazer uma experiência. Depois de terem combinado o plano, um deles se finge de doente e outros dois procuram o sacerdote e o convidam para acudir junto ao leito do enfermo. O missionário de Deus, concorda de pronto, e acompanha os dois homens que, fazendo-o entrar num carro fechado, vendam-lhe os olhos; depois de uma meia hora de corrida, fazem-no descer na frente de um palacete, e subindo por uma escada o introduzem em um apartamento junto a cabeceira de um homem que se confessa realmente. Acabada a confissão, voltam os dois companheiros e o fazem descer por escadas até um subterrâneo, onde lhe tiram a venda e apontando-lhe duas pistolas carregadas o intimam a referir o que ouvira na confissão .
Continuar lendo

O GRANDE SEGREDO PARA VIVER BEM

cemiIn omnibus operibus tuis memorare novissima tua, et in aeternum non peccabis – “Em todas as tuas obras lembra-te de teus novíssimos e nunca, jamais pecarás” (Ecclus. 7, 40).

Sumário. Meu irmão, se queres viver bem, procura pensar sempre na morte. Ao veres um túmulo, ao assistires às exéquias de um parente ou amigo, ao veres um cadáver sendo levado à sepultura, contempla nisso a tua própria imagem e dize: Dentro de breves anos, talvez meses ou dias, será tal a sorte de meu corpo e, estando então perdida a alma, estará perdida para sempre. Por terem pensado na morte, quantos deixaram a morte e subiram à mais alta perfeição.

***********************

Meu irmão, se queres viver bem, procura, durante o tempo de vida que te resta, viver pensando sempre na morte. Ao veres um túmulo, ao assistires às exéquias de um amigo ou parente, ao veres um cadáver sendo levado à sepultura, contempla nisso a tua própria imagem e o que um dia há de ser de ti. Reflete então e dize contigo: dentro em poucos anos, talvez meses ou dias tudo acabará para mim; meu corpo será apenas podridão e vermes. Estando então perdida a alma, tudo estará perdido para mim e perdido para sempre.

Assim é que fizeram os Santos, que agora reinam no céu; é por este meio que chegaram a desprezar todos os bens desta terra, que venceram as tentações mais fortes e subiram a alta santidade. Jó dizia à podridão: Tu és meu pai; e aos vermes: Vós sois minha mãe e minha irmã (1). São Carlos Borromeu conservava sempre sobre a sua mesa uma caveira, para te-la continuamente diante dos olhos. O cardeal Barônio fez gravar no seu anel estas palavras: Memento mori – “Lembra-te da morte”. O bem-aventurado Juvenal, bispo de Saluzzo, escrevera sobre uma caveira estas palavras: O que tu és, fui eu; o que eu sou, tu serás um dia. Outro santo solitário, perguntando na hora da morte porque estava tão alegre, respondeu: Sempre tive a lembrança da morte diante dos olhos; por isso, agora que ela vem, não vejo coisa nova.

Finalmente, para não falar de outros, São Camilo de Lelis, ao ver os túmulos, dizia consigo: Se estes defuntos voltassem ao mundo, quanto não fariam pela vida eterna! E eu, que ainda tenho tempo, que faço pela minha alma? – O Santo falava assim por humildade. Mas tu, meu irmão, tens talvez razão para temer que sejas aquela figueira sem fruto da qual disse o Senhor: Já há três anos que venho procurar fruto nesta figueira e não o acho (2). Tu que estás no mundo há mais de três anos, que fruto tens produzido? Considera, diz São Bernardo, que o Senhor não procura somente flores, mas quer também frutos; isto é, não somente bons desejos e propósitos, senão também obras santas. Continuar lendo

QUINTO DOMINGO DEPOIS DE PENTECOSTES: O VÍCIO DA IRA E O MODO DE REFREÁ-LA

iraOmnis qui irascitur fratri suo, reus erit iudicio – “Todo aquele que se irar contra seu irmão, será réu em seu juízo” (Matth, 5, 22).

Sumário. É com razão que Jesus Cristo disse que, quem se encoleriza, se torna réu do juízo; porquanto a ira faz o homem cair em mil excessos, sem que lhe deixe ver o mal que faz. Roguemos ao Senhor que nos livre desta paixão, sejamos mansos para com todos; e façamos com nossa língua a convenção que nos guardaremos de falar, quando se diga contra nós alguma coisa que nos possa irar. Se por desgraça nos tivéssemos irado, não se ponha o sol sobre nossa ira.

*********************

I. Oh, quantos males nascem do vício insensato da ira! Ela é semelhante ao fogo, porque assim como o fogo é veemente na sua força destrutiva e logo que pegou impede a vista pelo fumo que despede, assim a ira faz o homem cair em mil excessos, e não lhe deixa ver o que está fazendo e assim, conforme à palavra de Jesus Cristo no Evangelho de hoje, torna-o réu do juízo: Ominis qui irascitur fratri suo, reus erit indicio.

É tão prejudicial ao homem a ira, que ainda mesmo exteriormente o desfigura. Ainda que seja a pessoa mais bela e graciosa do mundo, quando a cólera a transporta, será, como diz São Boaventura e confirma a experiência, semelhante a um monstro, a uma fera que atemoriza. Portanto, se a ira nos desfigura aos olhos dos homens quanto mais nos desfigurará aos olhos de Deus.

Ira viri; escreve São Thiago, institiam Dei non operatur (1), quer dizer que as obras de um homem iracundo não podem harmonizar-se com a justiça divina, nem, por conseguinte, estar isentas de pecado, talvez mesmo grave. Sim, porque a ira, no dizer de São Jerônimo, faz o homem perder a razão e obrar cegamente como um louco ou uma fera. Fá-lo cair em pecados de murmurações, de injustiças, de vinganças, de blasfêmias, de escândalos e de mil outras iniqüidades. Numa palavra, concluí o mesmo Santo, é pela ira que entram na alma quase todos os vícios: Omnium vitiorum ianua est iracundia. Continuar lendo

DA SAUDAÇÃO ANGÉLICA

saudaAve, gratia plena, Dominus tecum – “Ave, cheia de graça, o Senhor é contigo” (Luc. 1, 28).

Sumário. Entre todas as orações que a Igreja dirige à Santíssima Virgem, a Saudação Angélica, ou a Ave-Maria, é a mais excelente em si mesma, a mais agradável ao coração da divina Mãe e a mais útil para nós. A experiência demonstra que o que saúda a Maria com esta oração é logo retribuído por ela com algum favor especial. Recitemo-la, pois, freqüente e devotamente durante o dia, mormente no princípio e no fim de cada ação. Felizes as ações que forem compreendidas entre duas Ave-Marias.

**********************

Considera que entre todas as orações que a Igreja dirige à Santíssima Virgem, a mais excelente, a mais aceita e a mais útil é a Ave-Maria.

Ela é a mais excelente considerada em si mesma; porque foi composta, por assim dizer, pela Santíssima Trindade e pronunciada a primeira vez pelo Arcanjo São Gabriel e depois por Santa Isabel, então cheia do Espírito Santo. Pelo que o Bem-aventurado Alano afirma que a Saudação Angélica, pela sua excelência, alegra todo o céu, enche a terra de prodígios, faz tremer e põe em fuga o demônio.

Em segundo lugar, ela é a mais aceita ao coração da Virgem, pois, quando dizemos Ave-Maria, parece que se lhe renova o prazer que sentiu quando lhe foi anunciado que havia sido eleita para Mãe de Deus. Mais, pela Ave-Maria mostramos que tomamos parte em sua felicidade, lembrando-lhe as suas grandezas. Disse a mesma divina Mãe a Santa Mechtildes, que nada lhe podia ser mais honroso e mais agradável do que a oferta freqüente da saudação do Anjo. Continuar lendo

DOS ADMIRÁVEIS EFEITOS DO AMOR DIVINO

Resultado de imagem para sagrado coração de jesusA alma: Bendigo-vos, Pai celestial, Pai de meu Senhor Jesus Cristo, por vos terdes dignado lembrar-vos de mim, pobre criatura. Ó Pai de misericórdia e Deus de toda consolação! (2Cor 1,3), graças vos dou porque, apesar de minha indignidade, me recreais às vezes com vossa consolação. Sede para sempre bendito e glorificado, com vosso Filho unigênito e o Espírito Santo consolador, por todos os séculos. Ah! Senhor Deus, santo amigo de minha alma, tanto que entrais em meu coração, exulta de alegria o meu interior. Vós sois a minha glória e o júbilo de meu coração; vós sois a minha esperança e meu refúgio no dia da tribulação.

Mas, como ainda sou fraco no amor e imperfeito na virtude, necessito ser consolado e confortado por vós; por isso visitai-me mais vezes e instruí-me com santas doutrinas. Livrai-me das más paixões e curai meu coração de todos os afetos desordenados, para que eu, sanado e purificado interiormente, seja apto para amar, forte para sofrer e constante para perseverar.

Jesus: Grande coisa é o amor! E um bem verdadeiramente inestimável que por si só torna suave o que é difícil e suporta sereno toda a adversidade. Porque leva a carga sem lhe sentir o peso e torna o amargo doce e saboroso. O amor de Jesus é generoso, inspira grandes ações e nos excita sempre à mais alta perfeição. O amor tende sempre para as alturas e não se deixa prender pelas coisas inferiores. O amor deseja ser livre e isento de todo apego mundano, para não ser impedido no seu afeto íntimo nem se embaraçar com algum incômodo. Nada mais doce do que o amor, nada mais forte, nada mais delicioso, nada mais perfeito ou melhor no céu e na terra; porque o amor procede de Deus, e em Deus só pode descansar, acima de todas as criaturas.

Quem ama, voa, corre, vive alegre, é livre e sem embaraço. Dá tudo por tudo e possui tudo em todas as coisas, porque sobre todas as coisas descansa no Sumo Bem, do qual dimanam e procedem todos os bens. Não olha para as dádivas, mas eleva-se acima de todos os bens até Àquele que os concede. O amor muitas vezes não conhece limites, mas seu ardor excede a toda medida. O amor não sente peso, não faz caso das fadigas e quer empreender mais do que pode; não se escusa com a impossibilidade, pois tudo lhe parece lícito e possível. Por isso de tudo é capaz e realiza obras, enquanto o que não ama desfalece e cai. Continuar lendo