
ENCÍCLICA DE SUA SANTIDADE PAPA LEÃO XIII
Tradução: Dominus Est
Aos Veneráveis Irmãos Patriarcas, Primazes, Arcebispos, e todos os Bispos do Orbe Católico em comunhão com a Sé Apostólica: sobre a origem do poder civil.
Veneráveis Irmãos: Saudação e Bênção Apostólica.
A prolongada e abominável guerra declarada contra a autoridade divina da Igreja chegou ao ponto no qual haveria de chegar: a pôr em perigo universal a sociedade humana e, em especial, a autoridade política, que é onde a conservação pública fundamentalmente se apoia. Na nossa época em especial esse fato mostra-se com evidência. As paixões desordenadas do povo hoje recusam, com mais audácia do que nunca, todo vínculo de autoridade. Tão grande e disseminado é o abuso, e tão frequentes as sedições e turbulências, que não somente se negou muitas vezes a obediência aos governantes, mas também nem sequer lhes foi dada garantia suficiente de segurança pessoal. Há muito se trabalha para fazer com que os governantes caiam no desprezo e no ódio das multidões. E a chama da inveja, fomentada, logo foi desencadeada; por meio de complôs secretos ou ataques abertos, num curto intervalo de tempo atentou-se contra a vida dos soberanos mais poderosos. Toda a Europa horrorizou-se há pouco tempo ao saber do nefando assassinato de um poderoso imperador. Enquanto ainda estavam atônitos os ânimos com a magnitude de tal crime, homens perdidos não hesitaram em lançar ameaças e intimidações públicas a outros soberanos europeus.
Esses grandes perigos públicos que estão diante dos nossos olhos causam-nos uma grave preocupação ao ver em perigo a quase todo momento a segurança pessoal dos príncipes, a tranquilidade dos Estados e a salvação dos povos. Todavia, foi a virtude divina da religião cristã quem engendrou os egrégios fundamentos da estabilidade e da ordem nos Estados desde o momento em que penetrou nos costumes e instituições das cidades. Dessa virtude, o fruto que não é o menor e nem o último é o justo e sábio equilíbrio de direitos e deveres entre os príncipes e os povos. Porquanto, os preceitos e exemplos de Nosso Senhor Jesus Cristo possuem uma força admirável para conter em seu dever tanto aos que obedecem quanto aos que mandam e para conservar entre ambos a união e harmonia de vontades, que é plenamente conforme a natureza e da qual nasce o tranquilo e imperturbado curso dos assuntos públicos. Por isso, tendo sido colocado pela graça de Deus à frente da Igreja católica como guardião e intérprete da doutrina de Cristo, Nós julgamos, veneráveis irmãos, que é incumbência da nossa autoridade recordar publicamente o que a verdade Católica exige de cada um nessa esfera de deveres. Desta exposição emergirá também o caminho e a maneira com que em tão deplorável estado de coisas deve-se ter em conta o bem público.
Ainda que o homem, que quando impelido por certa arrogância e orgulho intenta muitas vezes abalar os freios da autoridade, ele todavia nunca pôde se livrar de toda obediência. Em todas as comunidades e reuniões de homens é necessário que haja alguns que mandem, para que a sociedade, destituída de princípio ou cabeça, não desapareça e seja privada de alcançar o fim para o qual nasceu e foi constituída. Mas, não conseguindo lograr a destruição total da autoridade política nos Estados — destruição essa que teria sido impossível — tentou-se empregar todos os meios e artifícios possíveis para debilitar sua força e diminuir sua majestade. Isto sucedeu-se principalmente no século XVI, quando uma perniciosa novidade opiniões seduziu a muitos. A partir daquele tempo, a multidão pretendeu não somente que lhe fosse dada uma liberdade mais ampla do que lhe era conforme, como também considerou adequado modelar ao seu próprio arbítrio a origem e a constituição da sociedade dos homens. Hoje em dia vê-se que foi além; um grande número dos nossos contemporâneos, seguindo as pegadas daqueles que no século passado deram a si mesmos o nome de filósofos, afirmam que todo poder vem do povo. Por conseguinte, aqueles que exercem o poder não o exercem como coisa própria, mas sim como mandatários ou emissários do povo; e por essa própria regra a vontade do povo pode a qualquer momento retirar de seus mandatários o poder que lhes foi delegado. Mas disso os católicos dissentem, pois colocam em Deus, como princípio natural e necessário, a origem do poder político. Continuar lendo →
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