POR QUE OS CATÓLICOS NÃO COMEM CARNE NAS SEXTAS-FEIRAS?

Os benefícios do jejum e da abstinência de carne para a saúde

A prática de abstinência de carne nas sextas-feiras data do início da Igreja. O princípio da prática penitencial de abstinência, para se atingir o domínio de si mesmo, já estava delineado por São Paulo: “E todos aqueles que combatem na arena de tudo se abstêm e o fazem para alcançar uma coroa corruptível; nós, porém, uma incorruptível” (1Cor 9, 25) e “Antes nos mostramos como ministros de Deus nos trabalhos, nas vigílias, nos jejuns” (2Cor 6,5).

Menção explícita da prática de abstinência nas sextas-feiras é feita em um documento do fim do século I (A Didaqué dos Apóstolos), assim como por São Clemente de Alexandria e por Tertuliano no século III. Era um costume universal desde o começo, e a sexta-feira foi escolhida em comemoração da Paixão de Nosso Senhor como um dia em que devemos nos esforçar de maneira especial para praticar a penitência. É em reconhecimento do fato de que Cristo sofreu e morreu e deu sua carne humana e sua vida por nossos pecados em uma sexta-feira que os católicos não comem carne nesse dia. O Papa Nicolau I tornou isso lei da Igreja no século IX. Na Igreja Latina, nos primórdios da Idade Média, esse dia de abstinência não foi considerado suficiente, e a abstinência aos sábados foi acrescentada em honra ao sepultamento de Cristo e ao sofrimento de Nossa Senhora e das santas mulheres no Sábado Santo. Isso foi tornado lei da Igreja por São Gregório VII no Século XI, mas, desde então, caiu em desuso, exceto por parte daqueles que querem professar sua devoção a Nossa Senhora de maneira especial. A Igreja Oriental também tem regras  rigorosas para abstinência, pois, nela, a abstinência de carne é praticada nas quartas e nas sextas-feiras.

As regras acerca do que é ou não permitido em dias de abstinência também variaram conforme o tempo. Santo Tomás de Aquino, por exemplo, indica que ovos, leite, manteiga, queijo e gordura são proibidos em dia de abstinência porque eles vêm de animal e, portanto, têm, em sua origem, algum tipo de identidade com a carne. As regras dos nossos dias restringem a abstinência à carne vermelha apenas. Continuar lendo

É PECADO MORTAL VOTAR EM UM CANDIDATO PRÓ-ABORTO?

Aborto: “Meu corpo, minhas regras”, mas e o corpo do bebê?

O ato de votar pode ser um ato virtuoso mesmo nas nossas democracias liberais, nas quais muito do sistema se opõe não apenas à nossa Santa Religião, mas até mesmo ao Direito natural em si. Porém, para um voto ser um ato virtuoso, ele deve ser direcionado ao seu fim, a saber, o bem comum. Consequentemente, é um pecado mortal votar em um candidato indigno, pois a escolha de um candidato cuja vida ou política é imoral é uma cooperação ilícita ao advento de um mal grave à sociedade. Não há a menor dúvida de que o aborto, o assassinato de inocentes, é um dos maiores males que afligem a sociedade moderna, e que esse pecado está clamando aos Céus por vingança. Consequentemente, não pode haver nenhuma justificativa para votar em algum candidato que seja pró-aborto ou tolerante ao aborto de algum modo.

Surge a questão, porém, de se poderia haver razão suficiente para votar em um candidato que tolera alguns abortos, por exemplo, para evitar um grave mal maior, como no caso de tentar derrotar um candidato que seja a favor de casamentos homossexuais ou que ativamente promova o aborto ou algum mal maior, como guerras injustas.

Os teólogos respondem que o ato de votar é uma cooperação material no mal que esse candidato pode causar e não necessariamente uma cooperação formal (cf. Prummer, III, §604). Isso significa que a pessoa que vota não necessariamente é diretamente responsável pelo que um mau candidato faz uma vez eleito, ainda que se tenha previsto que ele faria algumas más obras. Nesses casos de cooperação material, a Igreja permite a aplicação do princípio do voluntário indireto. É permitido, pois o ato de votar em si não é mal, e o fim é bom, a saber, evitar um mal maior. Porém, deve haver uma razão grave apta a justificar essa cooperação material, e todo tipo de escândalo precisa ser evitado. Esse poderia ser o caso, por exemplo, de uma pessoa que vota em um protestante cuja plataforma esteja, de modo geral, de acordo com o Direito natural, mas que pode ter alguns princípios equivocados acerca do divórcio ou do financiamento das escolas católicas ou sobre alguma outra questão. Nesse caso, seria permitido escolher o mal menor e votar em um candidato que não é inteiramente bom sob a condição de que haja uma razão muito grave, a saber, evitar um mal maior. Continuar lendo

PODE UM APÓSTATA SALVAR SUA ALMA SE MORRER NO ESTADO DE APOSTASIA SEM ARREPENDER-SE?

O Prisioneiro Arrependido Do Homem Com Suas Mãos Shackled Nas ...Apóstata é a pessoa que já foi católica e que abandonou toda a prática da religião. Por ter recebido e crido na fé católica e por ter conhecido ao menos alguma coisa da ordem sobrenatural da graça, não é possível que tal pessoa esteja de boa fé, como seria possível a um protestante que parou de praticar sua falsa religião. A razão para isso é que a boa fé pressupõe ignorância invencível. Ignorância invencível só é possível para aqueles que não têm possibilidade de conhecer a verdade acerca da revelação divina, e cuja ignorância, portanto, não é culpável. Alguém que já teve a virtude teológica da fé infundida no batismo e que recebeu ao menos alguma instrução na fé católica não pode estar em ignorância invencível. Ele pode, certamente, estar em ignorância quanto à verdadeira Igreja e seus ensinamentos, mas, se ele estiver nesse estado, é por culpa própria, e sua ignorância é vencível. Aparentemente, as únicas exceções a essa regra seriam católicos batizados que nunca receberam ensinamento algum sobre a fé, ou que não receberam exemplos de vidas católicas.

A Igreja Católica recusa exéquias cristãs a todos os pecadores públicos, incluindo apóstatas públicos que não se arrependeram. Se eles deram algum sinal de arrependimento antes da morte, ainda que seja um sinal ao menos provável, como palavras de tristeza pela sua teimosia ou o desejo de receber um Padre, a Igreja pode ter alguma esperança quanto à sua salvação eterna e, portanto, autoriza um funeral cristão. Desnecessário dizer, porém, que apenas Deus pode julgar a alma, então é permitido rezar em privado e oferecer Missas privadas pelos apóstatas que não deram sinais de arrependimento.

– Pe. Peter Scott, Agosto de 2005.

O QUE DEVEMOS PENSAR DA DIVINA MISERICÓRDIA?

O mistério pascal e a Divina Misericórdia| Jornal o Säo Paulo

Resposta do padre Peter R. Scott sobre a Devoção a Divina Misericórdia, de Irmã Faustina Kowalska, e os decretos de Roma condenando tal devoção:

Condenada pelo Santo Ofício

Há dois decretos de Roma sobre essa questão, ambos do tempo do Papa João XXIII. A Suprema Congregação do Santo Ofício, em reunião plenária em 19 de novembro de 1958, tomou as seguintes decisões:

  1. A natureza sobrenatural das revelações feitas à Irmã Faustina não é evidente.
  2. Nenhuma festa da Divina Misericórdia deve ser instituída.
  3. É proibido divulgar imagens e escritos que propagam essa devoção da forma recebida pela Irmã Faustina.

O segundo decreto do Santo Ofício é de 6 de março de 1959, onde foi estabelecido o seguinte:

  1. A difusão de imagens e textos que promovem a devoção à Divina Misericórdia sob a forma proposta pela mesma Irmã Faustina foi proibida.
  2. A prudência dos bispos deve julgar quanto à remoção das imagens referidas que já são expostas para veneração pública.

O que havia nesta devoção que impediu o Santo Ofício de reconhecer sua origem divina? Os decretos não o dizem, mas parece que a razão está no fato de que há muita ênfase na misericórdia de Deus como que para excluir a Sua justiça. Nossos pecados e a gravidade da ofensa que eles infligem em Deus são deixados de lado como sendo de pouca importância. É por isso que o aspecto da reparação do pecado é omitido ou obscurecido.

A verdadeira imagem da misericórdia de Deus é o Sagrado Coração de Jesus, atravessado pela lança, coroado de espinhos, gotejando seu Preciosíssimo Sangue. O Sagrado Coração de Jesus exige uma devoção de reparação, conforme os papas sempre solicitaram. No entanto, este não é o caso da devoção da Divina Misericórdia. A imagem não tem coração. É um Sagrado Coração sem coração, sem reparação, sem o preço de nossos pecados sendo claramente evidente. É isso que faz com que a devoção seja muito incompleta e nos faz suspeitar de sua origem sobrenatural, independentemente das boas intenções e da santidade pessoal da Irmã Faustina. Esta ausência da necessidade de reparação dos pecados manifesta-se na estranha promessa de libertação de todas as penas temporais devidas aos pecados para aqueles que observam as devoções de domingo às 15:00h. Como tal devoção poderia ser mais poderosa e melhor do que a indulgência plenária, aplicando o extraordinário tesouro dos méritos dos santos? Como não poderia exigir como condição que realizemos uma obra penitencial por nossa própria conta? Como não poderia exigir o distanciamento do pecado, mesmo venial, que é necessário para obter a indulgência plenária? Continuar lendo

É PECADO OMITIR AS ORAÇÕES ANTES E DEPOIS DAS REFEIÇÕES QUANDO ESTOU ENTRE NÃO CATÓLICOS?

Nossa rotina de oração - Lírio entre espinhos - Uma família católica  buscando a santidade

Pe. Peter Scott – FSSPX

Quem faz essa pergunta, talvez, tenha em mente a reação do pequeno João Maria Vianney, o futuro Cura d’Ars, que, quando à mesa com um mendigo que omitiu essa ação, deixou a mesa e passou a noite em jejum. Quando perguntado sobre essa reação por seus pais, ele simplesmente disse que não conseguiria comer diante de alguém comportando-se como um animal! Essa história nos lembra que fazer orações antes e após as refeições é um piedoso costume entre os católicos. Nosso Senhor, frequentemente, abençoava o pão e o repartia de uma maneira tão especial e religiosa que esse ato entregou Sua identidade aos discípulos de Emaús.

Porém, o que pensar de quem omite essas orações em público e entre não católicos? Por uma questão de princípio, devemos começar dizendo que não há nenhum preceito formal sobre orações nas refeições em qualquer dos ensinamentos de Cristo ou da Igreja. E, se não há nenhuma obrigação de rezá-las, então não há pecado em omiti-las. Além disso, essa omissão não necessariamente significa que a fé de alguém está esmorecendo ou que essa pessoa está sendo negligente com suas orações.

Estaríamos, aqui, lidando com um caso de dissimulação da fé? Poderia haver ocasiões em que o mero fato de fazer um sinal da cruz em público poderia causar uma intriga entre trabalhadores e levar a zombarias contra nossa religião. Esse fato, por si só, é uma razão suficiente para omitir essas orações em público, e bastaria rezá-las mentalmente.

Porém, em geral, a questão de rezar ou omitir as orações das refeições quando na presença de não católicos é mais uma questão de coragem vs respeito humano. Com mais frequência que o contrário, principalmente em um restaurante, onde as pessoas têm mais o que fazer além de denegrir a religião dos outros clientes, o fato de rezar as orações das refeições em família vai gerar respeito entre os outros clientes e entre os garçons. E isso pode levar até ao início de uma conversa sobre a fé com algum dos presentes.

A USURA É PECADO?

A história da usura e a gênese do sistema bancário moderno ...

Pe. Peter Scott, FSSPX

Usura é a cobrança de juros pelo uso de dinheiro como se ele tivesse algum tipo de poder produtivo por si próprio. São Tomás de Aquino pergunta-se essa pergunta – a saber, a usura é pecado? – na Suma Teológica (II-II, q. 78, art. 1) e responde, categoricamente, de maneira afirmativa. A razão que ele dá para isso é que o dinheiro não é algo que permanece após ser usado (p. ex., uma casa, cujo uso é remunerado quando ela é alugada), mas que é consumido quando é usado (p. ex., comida, cujo uso não tem preço, apenas seu valor de venda). Essas são suas palavras:

Comete injustiça aquele que vende vinho ou trigo e que pede pagamento duplo, isto é, um pelo retorno da coisa vendida em igual medida, o outro pelo preço do uso, que se chama usura… Agora, o dinheiro, conforme o Filósofo, foi inventado principalmente com o propósito de troca; e, consequentemente, o fim principal do dinheiro é seu consumo ou alienação, através do qual ele se converte em troca. Consequentemente, é ilícito em essência receber pagamento pelo uso do dinheiro emprestado, cujo pagamento é conhecido como usura: e, assim como um homem está obrigado a devolver bens adquiridos ilictamente, também está obrigado a devolver o dinheiro que recebeu a título de usura.

Não há dúvida de que a usura é o que movimenta a sociedade capitalista moderna ao longo do seu caminho destrutivo do materialismo, e que isso é responsável por depressões e guerras mundiais. Se, porém, a usura sempre é um pecado mortal, isso não significa que não pode haver um juro justo, desde que ele não seja cobrado pelo valor do dinheiro em si, pois este é um mero meio de troca e não tem nenhum poder produtivo em si mesmo, como o trabalho ou um bem imóvel têm. O Pe. Walter Farrell, O.P., resume essa idéia bem em A Companion to the Summa (III, 239): Continuar lendo

INVESTIDORES OU ESPECULADORES?

Investidor de risco: clique e entenda mais sobre esses investidores

Fonte: Permanencia

Em tempo de juros baixos, como o atual, muitos tem voltado as costas para os costumeiros investimentos em renda fixa — que hoje já não são garantia de proteção do patrimônio contra a inflação — e demonstrado interesse pela bolsa de valores.

O que pensar de tais investimentos? São lícitos para o católico?

Sobre esse assunto, recomendamos vivamente a leitura do texto do Pe. Peter Scott – FSSPX, que resumimos a seguir, acrescido de alguns comentários nossos.

O padre faz uma distinção importante entre investimento e especulação: se é certo que ambas atividades visam igualmente o lucro, distinguem-se por ser a última uma “colocação de dinheiro a curto prazo” com vistas a um “ganho rápido”. Se ambas não podem ser condenadas como atividades pecaminosas em si mesmas, uma vez que não são contrárias à justiça, a especulação não é tida como algo “moralmente louvável” — a não ser quando exigida por alguma atividade comercial. Em outros termos: a Igreja não condena, mas desaconselha e mesmo critica tal prática como atividade inútil, na qual não se procura o ganho com um trabalho proporcional nem se atende ao bem comum. Por sua vez, o investimento — e aqui subentende-se o investimento em ações — é tratado diferentemente pelo Pe. Scott, que diz logo no início do artigo tratar-se de algo “essencial para o bem comum, pois sem capital não pode haver produção”. Ora, as ações são justamente a porção de capital próprio que financia a empresa — é o dinheiro dos donos. Continuar lendo

É PERMITIDO A UM CATÓLICO ESPECULAR NA BOLSA DE VALORES OU NO MERCADO DE CÂMBIO?

O que é a Bolsa de Valores e como operar? - Nelogica

Fonte: Permanencia

A lei natural do direito à propriedade privada traz consigo o direito de comprar e vender, possuir e, conseqüentemente, negociar bens como ações de empresas públicas ou privadas. Esse investimento privado é, de fato, absolutamente essencial para o bem comum, pois sem capital não pode haver produção. O fato de o resultado de tais investimentos ser altamente arriscado não altera a moralidade, desde que um homem não invista os fundos necessários para o sustento de sua família. Tampouco se o ganho de um homem for, paralelamente, a perda de outro, desde que não haja engano, fraude ou que se tire proveito da ignorância dos demais.

Especulação, no entanto, não é a mesma coisa que investimento, mas é a colocação de dinheiro a curto prazo, em ações ou moedas, a fim de obter um ganho rápido com uma venda rápida no momento em que o mercado estiver forte. 

Tal especulação não é contrária à justiça, uma vez que os termos do contrato são mantidos, nem pode ser considerada em si um pecado, uma vez que todos os termos dos vários contratos de compra e venda e os requisitos do direito civil são observados. No entanto, “eles não são moralmente louváveis, a menos que sejam exigidos por alguma necessidade comercial” (Merkelbach, Summa Theologiae Moralis, II, §604).

O princípio é dado pelo Papa Pio XII em uma mensagem de rádio para o mundo inteiro, em 1º de setembro de 1944, na qual ele condena não apenas o comunismo, por sua negação do direito à propriedade privada, mas também “o capitalismo… fundado em uma concepção errônea que arroga para si um direito ilimitado sobre a propriedade fora de toda subordinação ao bem comum”, tendo isso sempre sido condenado pela Igreja “como algo contrário à lei natural”1

O católico de reta consciência deve fazer uso do seu capital e de seus investimentos não apenas para seu próprio lucro, mas também para o bem comum da sociedade. É altamente duvidoso que especulações transitórias nos mercados acionários ou monetários redundem em alguma contribuição real ao bem comum. Ao contrário, devem ser supostas como egoístas e prejudiciais ao bem comum.

O Pe. Merkelbach explica o porquê de não considerar a especulação como algo moralmente louvável: 

“[tais especuladores] retém indevidamente seu capital em operações intermediárias que não têm utilidade real; e buscam obter riquezas sem mão de obra proporcional e sem subordinação ao bem comum, com prejuízo aos outros que não se expõem livremente ao acaso, mas são obrigados a fazê-lo por razões comerciais. Além disso, o costume de se preocupar com especulações monetárias leva a um desejo avassalador de ganhos, ao qual subordinam todas as coisas e todas as atividades; engendra uma ansiedade constante e expõe empresas e famílias a um grande perigo de desperdício, ociosidade e ruína financeira.” (Ibidem)

É lamentável que alguns católicos tradicionais considerem que esse modo de vida seja compatível com o Reinado Social de Jesus Cristo, engajando-se, como fazem, em tais comércios pela Internet, sem se perguntarem se esse comércio especulativo poderia servir a Cristo Rei, ou talvez seguindo o falso princípio de que os fins justificam os meios. Podemos conhecer o pensamento da Igreja sobre esse ponto na tradicional interdição do Código de Direito Canônico (1917) desse tipo de especulação dessa sorte para todos os clérigos e religiosos, mesmo se feita em benefício da Igreja ou de outras pessoas (Can. 142).

-Fr. Scott, maio de 2007

1. Disponível no site do Vaticano (em espanhol): http://w2.vatican.va/content/pius-xii/es/speeches/1944/documents/hf_p-xii_spe_19440901_al-compiersi.html

ESTUDO SOBRE O NATURALISMO DOS “MISTÉRIOS LUMINOSOS” DO PAPA JOÃO PAULO II – PARTE 4/4

Fonte: SSPX Asia – Tradução: Dominus Est 

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Frutos do Rosário

Se for necessária uma última prova sobre todo esse espírito naturalista da carta apostólica, ele encontra-se na discussão sobre os frutos do Rosário. Há, antes de tudo, uma reinterpretação humanista das graças a serem recebidas pela meditação dos mistérios, especialmente nos mistérios dolorosos e gloriosos. Tradicionalmente, meditamos os mistérios dolorosos em reparação aos nossos pecados e aos pecados do mundo, para que assim cresçamos em contrição e, ao sermos purificados das desordens da nossa sensualidade e orgulho, possamos carregar nossa cruz. Todavia, de acordo com a Carta Apostólica de João Paulo II, os mistérios dolorosos são simplesmente “o ápice da revelação do amor e a fonte da nossa salvação” que revela “o mesmo sentido do homem” através da “força regeneradora” do “amor de Deus” (§22). Essa é uma consequência direta da nova teologia naturalista do Mistério Pascal, que diz que não há necessidade de penitência, sacrifício e satisfação dos pecados. O sofrimento humano de Cristo simplesmente nos dá um maior conhecimento da humanidade em comum (isto é, do próprio “sentido do homem”). Visto assim, esse humanismo é em si mesmo uma revelação do amor de Deus, pois Cristo é a melhor manifestação humana desse amor. Pode-se facilmente ver que nenhum fruto sobrenatural pode vir dessa nebulosa experiência, pois ela não nos atrai ao paraíso, nem nos inspira a desprezar as coisas da terra e abraçar nossa cruz.

A mesma coisa pode se dizer das graças que se obtêm dos mistérios gloriosos. Tradicionalmente, eles nos dão as virtudes teologais (Fé, Esperança e Caridade) e nos dão um fervente desejo pelo Paraíso, além da humilde devoção e confiança na Santíssima Virgem Maria. Já na Carta Apostólica é dito que nos mistérios gloriosos “o cristão descobre novamente as razões da própria fé” (§23) — algo que não faz sentido algum para aqueles que acreditam que a Fé é um dom gratuito de Deus aceito por causa da autoridade D’Ele e porque Ele não pode enganar nem ser enganado. Apenas uma fé [puramente] humana procuraria confirmações desse tipo. Ademais, o Papa João Paulo II resume os frutos dos mistérios gloriosos dizendo que eles “alimentam nos crentes a esperança da meta escatológica, para onde caminham como membros do Povo de Deus peregrino na história” (§23). Essa estranha expressão indica que o propósito desses mistérios é ajudar crentes de todos os tipos (pois a ambígua expressão “o povo de Deus” é deliberadamente estendida aos que não são católicos), e ajudá-los na “história” — ou seja, nesta terra — em que a própria Igreja é uma peregrina que não sabe para onde os tempos modernos e as mudanças a levam, embora Ela sempre tenha uma mente aberta. A escatologia é o estudo do destino final, mas aqui o termo “meta escatológica” é usado em sentido ambíguo, de modo que ele muito bem poderia se referir ao destino final do povo de Deus na busca da paz e justiça terrenas, assim como na busca de uma vida perene. Novamente a perspectiva naturalista torna a verdadeira graça ausente. Continuar lendo

ESTUDO SOBRE O NATURALISMO DOS “MISTÉRIOS LUMINOSOS” DO PAPA JOÃO PAULO II – PARTE 3/4

Fonte: SSPX Asia – Tradução: Dominus Est

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Os “melhoramentos” do Rosário

A mais óbvia das melhoras a ser feita no Rosário é a adição de uma nova série de cinco dezenas para ser recitada após os Mistérios Gozosos (§19 e §21). A escolha desses novos mistérios, que o Papa chama de “momentos luminosos”, não é de maneira alguma por acaso. Há um esforço deliberado para evitar os dois principais fatores que contribuíram para que São Domingos determinasse as 15 dezenas as quais estamos acostumados. Primeiro, os mistérios foram dados a ele pela Tradição, e em segundo esses mistérios são eventos objetivos da nossa Redenção. Os 15 mistérios do Rosário como o conhecemos são eventos que aconteceram e que constituíram etapas importantes no cumprimento da Redenção, seja pela Encarnação (no caso dos Mistérios Gozosos), seja pelo mérito e reparação (como nos Mistérios Dolorosos), seja pela causalidade exemplar (como nos Mistérios Gloriosos). Os três conjuntos de mistérios são necessários a nossa redenção, e não poderia ser de outra maneira. É verdadeiro que muitos dos mistérios estão na Sagrada Escritura, todavia, não é por essa razão que eles foram incluídos no Rosário. Eles foram incluídos porque a Tradição católica vivente transmitiu até São Domingos como os mistérios da nossa redenção precisam ser meditados através do Rosário. Por conseguinte, é completamente falso chamar o Rosário de “compêndio do Evangelho” (§19) como ele é chamado na Carta Apostólica. Da mesma maneira, não está de acordo com a Tradição católica — portanto não é católico — querer adicionar cinco mistérios “para que o Rosário possa considerar-se mais plenamente ‘compêndio do Evangelho’” (§19). Ademais, não é surpreendente notar que os mistérios de luz propostos não são eventos da nossa Redenção. São apenas belos episódios do Evangelho e palavras para nos encorajar. Consequentemente, a inserção desses trechos no Rosário obscurece a realidade e a importância da redenção objetiva que o Rosário tradicional representa. Além disso, os novos mistérios são histórias do Evangelho que a Tradição nunca ligou de qualquer maneira ao Rosário. Para acrescentar mais elementos antagônicos ao verdadeiro aspecto mariano da devoção ao Santo Rosário, apenas um desses mistérios menciona a presença e o papel de Nossa Senhora — e apenas de passagem — na ocasião da bodas de Caná. A Santíssima Mãe não está de maneira alguma presente nos demais mistérios. É o caso de se perguntar o que eles estão fazendo no Rosário além de levar sub-repticiamente a atenção para longe de Nossa Senhora.

Citemos esses cinco “momentos” “luminosos” e “significantes” (§21): O batismo de Cristo no Jordão, sua auto-revelação nas bodas de Caná, seu anúncio do Reino de Deus com o convite à conversão, sua Transfiguração e, enfim, a instituição da Eucaristia. Você pode legitimamente se perguntar por que esses episódios do Evangelho e o quê esses episódios têm em comum para merecer o título de “mistérios de luz”. Evidentemente não têm nada a ver com Nossa Senhora, ou mesmo com a redenção objetiva. Continuar lendo

ESTUDO SOBRE O NATURALISMO DOS “MISTÉRIOS LUMINOSOS” DO PAPA JOÃO PAULO II – PARTE 2/4

Fonte: SSPX Asia – Tradução: Dominus Est

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Naturalismo, o defeito primordial da carta

Há um espírito que não se menciona explicitamente na carta, mas toda ela é permeada por ele: é o naturalismo. Embora lá se diga que o Rosário é uma “contemplação salutar” (§13), não há qualquer menção sobre como ele ajuda na salvação, isto é, como ele pode dar a graça divina, inspirar mortificação e sacrifício, elevar as almas à verdade sobrenatural e eterna e ao amor sobrenatural a Deus. Eliminar essa clara distinção entre as ordens natural e sobrenatural — e eliminar a menção de qualquer coisa especificamente sobrenatural — é o erro modernista de Henri de Lubac que o Papa Pio XII condenou em sua encíclica Humani generis.

A evidência de que o erro naturalista permeia a carta Rosarium Virgnis Mariae reside no fato de que toda afirmação lá feita acerca de meditação e Rosário poderiam ser tanto interpretada facilmente em termos de meditação natural (isto é, de uma experiência psicológica) quanto em termos de meditação sobrenatural. Citemos alguns exemplos disso a seguir.

Afirma-se que “O contemplar de Maria é, antes de mais, um recordar” (§13); e que o “Rosário” de Maria consistia nas lembranças que tinha de seu Filho (§11); e que essa “oração marcadamente contemplativa” “por sua natureza (…) requer um ritmo tranquilo e uma certa demora a pensar” (§12).

A meditação sobrenatural vai muito além da pura lembrança, pois ela preenche a alma com a convicção e o desejo de amar e se sacrificar pelo amado. Ademais, meditação sobrenatural não é produto de um mantra ou produto da maneira em que alguma oração particular é dita — como são as meditações naturais da yoga e de religiões orientais. Continuar lendo

ESTUDO SOBRE O NATURALISMO DOS “MISTÉRIOS LUMINOSOS” DO PAPA JOÃO PAULO II – PARTE 1/4

Apresentamos um Comentário do Padre Peter R. Scott – FSSPX, que dividimos em 4 partes para publicação, sobre o Naturalismo da Carta Apostólica Rosarium Virginis Mariae de João Paulo II, publicada em 16 de outubro de 2002.

Fonte: SSPX Asia – Tradução: Dominus Est

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Naturalismo e o Rosário

Não deve existir nada que possa alegrar tanto o coração de um católico tradicional como uma carta apostólica de um papa sobre o Rosário. O que poderia ser mais propício para a renovação da devoção à Nossa Senhora? O que de mais poderoso poderia superar a impiedade dos nossos tempos? O que, em última análise, poderia estar mais de acordo com os pedidos de Nossa Senhora de Fátima sobre a consagração e o triunfo do Imaculado Coração? O que de fato poderia ser mais efetivo como resposta ao ecumenismo, à liberdade religiosa e aos outros erros do Concílio Vaticano II, incompatíveis como são com a verdadeira devoção à Nossa Senhora?

Entretanto, nosso entusiasmo inicial acerca de um pronunciamento papal sobre o Rosário se esvaece tão logo estudamos a carta e percebemos que ela é uma tentativa velada de promover o naturalismo da revolução pós-conciliar, e isso vem disfarçado no tratamento dado à mais tradicional devoção que os católicos conhecem. Como isso poderia ser possível? Como poderia um papa errar recomendando o Rosário? Como poderia Nossa Senhora abandonar aqueles que continuam a recitar suas Ave-Maria? Como poderia um católico criticar um papa que diz que o Rosário é “sua oração predileta”, “Oração maravilhosa! Maravilhosa na simplicidade e na profundidade” (§2)? Continuar lendo