A NEO PASTORAL DE FRANCISCO – PARTE III

Recentemente, o Papa Francisco insistiu pela terceira vez sobre a ideia falsa e escandalosa do valor salvífico de todas as religiões.

Leia também a Parte 1 e a Parte 2

1. De 22 a 24 do último mês de setembro aconteceu, em Paris, o trigésimo oitavo Encontro Internacional de Oração pela Paz, organizado pela Comunidade de Santo Egídio. O Papa Francisco fez questão de dirigir uma mensagem aos participantes. E aproveitou a oportunidade para insistir mais uma vez – pela terceira vez – sobre esta ideia escandalosa e falsa do valor salvífico de todas as religiões.

2. O Papa citou o Documento assinado (por ele mesmo, em conjunto com o grão Imã Ahmad Al-Tayyeb) em Abu Dhabi, no dia 4 de fevereiro de 2019, sobre “a fraternidade humana pela paz mundial e a coexistência comum”. O desejo particularmente expresso neste texto é de que as religiões não incitem o ódio. Com efeito, os sentimentos de ódio são apresentados como desvios, dos quais se tornam responsáveis os adeptos de toda religião, a partir do momento em que “abusaram – em certas fases da história– da influência do sentimento religioso nos corações dos homens”. Logo, a religião deveria ser definida como a expressão de um sentimento religioso?…

3. Mais adiante, o Papa encoraja os participantes desse encontro a “se deixarem guiar pela inspiração divina que habita toda fé”, e isso “para imaginarmos juntos a paz entre todos os povos”. Reencontramos aqui a ideia mestra já expressa pelo Papa, durante seu diálogo com os jovens de Singapura, no último dia 13 de setembro (1), e na mensagem por vídeo dirigida ao grupo ecumênico reunido em Tirana, na Itália, em 17 de setembro(2). Esta ideia é que toda religião é querida por Deus e conduz a Deus. Como poderia ser diferente, com efeito, a partir do momento em que toda fé, toda crença de toda religião é habitada pela inspiração divina? Continuar lendo

A IGREJA É INDEFECTÍVEL

Fonte: Courrier de Rome n°678 – Tradução: Dominus Est

1 – INDEFECTÍVEL E INDEFECTIBILIDADE: NAS ORIGENS DE UMA TERMINOLOGIA.

1. O substantivo “indefectibilidade” surge no século dezessete. O Dicionário da Academia Francesa o menciona em sua 3ª edição, de 1740. Apresenta-o como um “termo dogmático”, e define-o como “a qualidade do que é indefectível”, esclarecendo que ele não é “muito utilizado além desta frase:A indefectibilidade da Igreja”. Permanecerá assim, de edição em edição, até a 7ª, de 1878, onde um novo esclarecimento é introduzido: a palavra, “todavia, por vezes é dita em termos de filosofia. A indefectibilidade das substâncias”. Foi somente em 1935, na 8ª edição do Dictionnaire, que nosso substantivo recebeu um significado não mais exclusivamente dogmático: doravante, ele é apresentado como “um termo didático” que designa “a qualidade do que é indefectível”, no sentido mais amplo do termo: “A indefectibilidade da Igreja. A indefectibilidade das substâncias”. Paralelamente, o Dictionnaire de l’Académie reserva o mesmo destino ao adjetivo “indefectível”. Esse termo também aparece na 3ª edição de 1740, e, até a 7ª edição de 1878, é dado como um “termo dogmático”, definido como “o que não pode desfalecer, deixar de existir”, “não sendo muito utilizado senão nesta frase: A Igreja é indefectível”. Somente com a 8ª edição, de 1935, a palavra é designada como “um termo didático”, que significa, em um sentido amplo, “o que não pode desfalecer, deixar de existir. A Igreja é indefectível. Linha de conduta indefectível”. A edição atual do Dictionnaire, a 9ª, consagra essa evolução semântica. O adjetivo “indefectível” é definido como “o que não pode falhar, deixar de ser. Uma memória indefectível. Uma amizade indefectível. Uma linha de conduta indefectível. De acordo com a doutrina católica, a Igreja é indefectível, deve durar até o fim dos tempos”. Quanto ao substantivo “indefectibilidade”, ele é definido como “a qualidade do que é indefectível. A indefectibilidade de um sentimento. A indefectibilidade da Igreja”.

2. Essa amplificação de sentido deve manter toda a sua importância, pois, aqui, o histórico da palavra vem confirmar a extensão da coisa que ela se emprega a designar. A indefectibilidade é, originariamente, própria e exclusiva da Igreja, e isso é facilmente concebido, visto que a Igreja aparece como a única realidade criada da qual se pode dizer, aqui na terra, que não somente ela nunca deixou, mas também que ela não deixará de ser o que é: não somente indeficienteou indeficente, mas, precisamente, indefectível, ou, se nos permitem arriscarmos aqui o neologismo, “indefalível”. Aqui, em seu sentido original, a palavra significa uma impossibilidade de princípio, e não um simples fato. E isto está ligado, seguramente, à natureza essencialmente sobrenatural da Igreja. A tal ponto que a indefectibilidade não pode ser dita, por extensão de sentido, sobre as outras realidades da terra, senão em um sentido impróprio e reduzido, no sentido de um simples fato, e não mais de uma pura impossibilidade. Continuar lendo

A NEO PASTORAL DE FRANCISCO – PARTE II

Retorno às palavras escandalosas proferidas pelo Papa Francisco no último dia 13 de setembro.

Fonte: La Porte Latine – Tradução: Dominus Est

Leia a primeira parte clicando aqui

1. As palavras – escandalosas – proferidas pelo Papa Francisco no último dia 13 de setembro(1) podem ser compreendidas no sentido de uma forma sútil de indiferentismo, se as entendermos à luz do Concílio Vaticano II. A constituição Lumen gentiumsobre a Igreja, completada pelo decreto Unitatis redintegratio sobre o ecumenismo e a declaração Nostra ætate sobre as religiões não cristãs recusam, com efeito, o princípio próprio do pluralismo religioso, ou seja, a ideia de igual dignidade, verdade e eficácia em matéria de salvação de todas as religiões. Para admitir o valor salvífico de todas as religiões, os ensinamentos do Vaticano II pretendem entendê-lo de modo diferenciado, em referência ao primado da Igreja de Cristo, que subsiste na Igreja católica.

2. A ideia do pluralismo religioso entendida no sentido estrito foi, além do mais, objeto de uma avaliação crítica pela Congregação para a Doutrina da Fé, então dirigida pelo cardeal Joseph Ratzinger, em uma Notificação publicada pelo Osservatore Romano de 26 de fevereiro de 2001. Naquela época, a Santa Sé aproveitou o lançamento do livro do padre jesuíta Jacques Dupuis, Vers une théologie chrétienne du pluralisme religieux(2), disponível nas livrarias em 1997, para reagir e indicar o verdadeiro sentido dos textos do Concílio que supostamente autorizavam o diálogo inter-religioso(3). A religião católica, e somente ela, representa a plenitude, ou o estado perfeito, da economia salutar, enquanto as religiões não cristãs e as confissões cristãs não católicas representam apenas um estado parcial, certamente em graus diversos, mas, não obstante, reais. Em outras palavras, e se servindo do exemplo utilizado pelo Papa Francisco em seu bate-papo com os jovens de Singapura, a religião católica, e somente ela, representa a língua mais completa para alcançar a Deus, enquanto as outras religiões não teriam a mesma precisão. Todavia, resta dizer que todas as religiões são caminhos iguais que conduzem a Deus. Para ser mitigado, o pluralismo religioso permanece o que é: uma forma nova do mesmo erro, ou uma variante.

3. O pensamento do Papa Francisco corresponde a essa variante, na continuidade do Vaticano II? A continuação de sua fala, é necessário dizê-lo, permitiria duvidar disso. “Mas o meu Deus é mais importante que o seu!”, objeta ele. “É verdade? Há apenas um único Deus, e nós, nossas religiões são línguas, caminhos para alcançar a Deus”. Se nenhuma religião pode pretender conduzir a um Deus mais importante que aquele das outras, onde está a mitigação do pluralismo? E onde está a continuidade? Continuar lendo

A NEO PASTORAL DE FRANCISCO

Dirigindo-se aos jovens de Singapura em 13 de setembro de 2024, o Santo Padre disse-lhes claramente que “todas as religiões são um caminho para alcançar a Deus”.

Fonte: La Porte Latine – Tradução: Dominus Est

1. Durante sua última viagem realizada à Indonésia, o Papa Francisco quis se encontrar com os jovens do Colégio Católico de Singapura, nesta sexta-feira, dia 13 de setembro de 2024. Encontro inter-religioso, no sentido em que os jovens em questão, longe de serem todos católicos, pertenciam a diferentes confissões, católicas ou não, cristãs ou não.

2. Encorajando esses jovens a “dialogar”, o Santo Padre disse-lhes claramente que todas as religiões conduzem a Deus. “Todas as religiões são um caminho para alcançar a Deus. São – faço uma comparação – como diversas línguas, diversos idiomas, para alcançá-Lo. Porém Deus é Deus para todos. E porque Deus é Deus para todos, somos todos filhos de Deus”(1).

3. A comparação é interessante. Com efeito, Aristóteles e São Tomás nos dizem que a língua é o sinal, a expressão direta e imediata, não das realidades extra mentais, mas das ideias, ou seja, dos conceitos intelectuais por meio dos quais nossa alma assimila, no íntimo de si mesma, a realidade que ela conhece. E a linguagem é, ao mesmo tempo, o meio que a natureza deu aos homens para que estes possam se comunicar entre si, intercambiando seus pensamentos, por meio de sua expressão adequada(2). Comparar a religião a uma língua é, portanto, comparar o caminho que conduz a Deus ao caminho que conduz às ideias, que conduz ao pensamento. Se a religião é uma língua, Deus é uma ideia, e as diferentes religiões têm diferentes modos de exprimir a mesma ideia. O Papa insiste, além do mais, sobre este ponto: ““Mas o meu Deus é mais importante que o seu!” É verdade? Há apenas um Deus, e nós, nossas religiões são línguas, caminhos para alcançar a Deus. Alguns são sikhs, outros muçulmanos, outros hindus, outros cristãos, mas são caminhos diferentes”. Continuar lendo

ESPECIAIS DO BLOG: PEGANDO O TOURO PELOS CHIFRES: O DILEMA SEDEVACANTISTA

O Concílio Vaticano II semeou a dúvida no espírito dos católicos. Essa dúvida deve ser entendida, evidentemente, primeiro como a dúvida semeada pelo Concílio a respeito das verdades divinamente reveladas por Deus. O motivo dessa dúvida se concentra inteiramente no princípio da liberdade de consciência adotado pelos Papas desde o último Concílio, de João XXIII a Francisco.

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ASPECTOS – PARTE 1

ASPECTOS – PARTE 2

REFUTAÇÕES

A IGREJA É VISÍVEL

LA SALETTE

PEGANDO O TOURO PELOS CHIFRES: O DILEMA SEDEVACANTISTA – LA SALETTE

Fonte: Courrier de Rome – Tradução: Dominus Est

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1. “Roma perderá a fé e tornar-se-á a sede do Anticristo”. Esta suposta profecia, acrescentada ao Segredo de Mélanie, a vidente de La Salette, é invocada com frequência para confirmar o estado atual da crise na Igreja. As aparições da Santíssima Virgem em La Salette foram “reconhecidas” pela Igreja. O que este fato significa? Que crédito se pode capitalizar da referida profecia?

2. O termo “aparições” designa determinados fenômenos que, apesar de sua diversidade, têm em comum serem portadores de um sentido inteligível, às vezes até de uma mensagem determinada. Eles tornam conhecido algo que, até então, era incógnito: neste contexto, podemos falar, portanto, de “revelação”. Mais especificamente, falamos de “aparições” ao dizer que elas são “revelações privadas”. E pretendemos, por isso, distinguir as revelações em questão da Revelação propriamente dita, a Revelação divina, chamada “pública”, que foi finalizada com a morte do último dos apóstolos, que está contida, como em suas fontes, nas Sagradas Escrituras e na Tradição, que é conservada e explicada pelo Magistério da Igreja e que se destina, como meio necessário de salvação, a todos os homens de todos os tempos e de todos os lugares.

Para melhor compreender o sentido dessa distinção, imaginemos que a revelação, compreendida, em geral, como um ensinamento que Deus endereça ao homem, seja definida, inicialmente, por seu propósito[1], e esse propósito é duplo: transmitir o conhecimento das verdades de fé necessárias a todos para a salvação e dirigir, na prática, as ações destes ou daqueles em vista de sua melhor santificação. O primeiro objetivo define, como tal, a Revelação pública. O segundo propósito define, como tais, as revelações privadas. É possível que, mesmo após a morte do último dos apóstolos, Deus continue a revelar aos homens seus desígnios providenciais. Não se trata mais de comunicar o conhecimento das verdades de fé, necessárias a todos e em todos os tempos, trata-se de manifestar determinado detalhe do plano divino, conforme decide a conduta particular de alguns em uma época ou em um dado lugar[2]. Notemos que o qualificativo “privadas” não quer dizer, necessariamente, que essas revelações sejam destinadas, em si, ao bem próprio de uma única pessoa física. Elas podem abranger vários indivíduos, grupos inteiros e até toda a Igreja de uma determinada época. Não obstante, em todos esses casos haverá uma única entidade moral. E a mensagem sempre interessará, a título de conselho, a algum privilegiado, mas não, a título de preceito, a uma parte apenas da Igreja, e não toda a Igreja enquanto tal, ou seja, enquanto instituição. O concílio de Trento, no decreto sobre a justificação[3], adota a expressão “speciali revelatione”, terminologia talvez menos clássica, porém melhor. Continuar lendo

PEGANDO O TOURO PELOS CHIFRES: O DILEMA SEDEVACANTISTA – A IGREJA É VISÍVEL

Fonte: Courrier de Rome – Tradução: Dominus Est

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1. A principal dificuldade encontrada pela tese sedevacantista é o dogma da visibilidade da Igreja. De modo que, para manter a tese, não há outro recurso senão minimizar essa visibilidade da Igreja, dada a impossibilidade de negá-la. “A visibilidade da Igreja”, dir-nos-ão, “o fato de sua cabeça ser visível, não é uma nota essencial da Igreja como o são a unidade, a santidade, a catolicidade e a apostolicidade. A visibilidade é uma propriedade da Igreja, é um acidente próprio e, como qualquer acidente, é suscetível a variações. A Igreja continua a ser Igreja mesmo quando a sua visibilidade diminui”(1) . Está claro o que se diz aqui: quando a Igreja está habitualmente privada da sua cabeça visível, o Papa.

2. No entanto, os ensinamentos da Revelação são inequívocos sobre este ponto e o Magistério da Igreja dá-nos a formulação exata e invariável, através de repetidas afirmações. Uma das mais explícitas encontra-se na Encíclica Satis cognitum, do Papa Leão XIII. “Certamente, diz o predecessor de São Pio X, Cristo é o rei eterno, e eternamente, do céu, continua a governar e a proteger o seu reino invisivelmente, mas, como quis que este reino fosse visível, teve de nomear alguém para ocupar o seu lugar na terra, depois de Ele próprio ter subido ao céu. Se alguém disser que a única cabeça e o único pastor é Jesus Cristo, que é o único esposo da única Igreja, esta resposta não é suficiente. É obvio, de fato, que é o próprio Jesus Cristo quem opera os sacramentos na Igreja; é ele quem batiza, é ele quem perdoa os pecados. Ele é o verdadeiro sacerdote que se ofereceu a si mesmo no Altar da Cruz, e em virtude do qual o seu corpo é consagrado todos os dias no altar. E, no entanto, como não podia permanecer com todos os fiéis pela sua presença corporal, escolheu ministros por meio dos quais podia dispensar aos fiéis os sacramentos de que acabamos de falar, como dissemos acima (capítulo 74). Do mesmo modo, porque teve de retirar a sua presença corporal da Igreja, teve de designar alguém para cuidar da Igreja universal em seu lugar. Por isso, antes da sua Ascensão, disse a Pedro: ‘Apascenta as minhas ovelhas’”(2). (3) . Continuar lendo

PEGANDO O TOURO PELOS CHIFRES: O DILEMA SEDEVACANTISTA – REFUTAÇÕES

Fonte: Courrier de Rome – Tradução: Dominus Est

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1. A tese sedevacantista fez e ainda faz correr muita tinta. A título de exemplo, eis o juízo expresso dado por um dos nossos colegas (1), a cujos olhos esta tese nem sequer parece demonstrável, ou seja, seria falsa no plano estritamente teórico.

2. “Embora o modernismo liberal seja, em sua essência, a pior das heresias, a vontade perseverante dos homens modernistas, ao longo dos últimos séculos, de conciliar o pensamento moderno com a fé tradicional, acabou por gerar uma tal confusão que, atualmente, nos seminários e colégios católicos, os teólogos mais heréticos e os mais ortodoxos se misturam, passando por todos os graus intermediários. Se se quiser penetrar na doutrina profunda do Novus Ordo Missæ, encontra-se aí um pensamento inteiramente heterodoxo que, no entanto, oferece a muitos teólogos a possibilidade de explicá-lo sob uma luz completamente católica. O Papa pratica um ecumenismo que não parece distinguir-se em nada do sincretismo maçônico. No entanto, aparentemente, condena o sincretismo aqui e ali, e parece dar garantias suficientes para que mais de um teólogo concilie as suas intenções com as de Pio XI em Mortalium animos. O católico comum, que permanece de boa vontade e que evitou qualquer contato com essa atmosfera de confusão que envolve quase toda a Igreja, tem sérias dificuldades em acreditar (como a experiência mostra) que pessoas animadas por intenções aparentemente retas possam conciliar, a tal ponto, a luz e as trevas. Mas os sofismas que realizam este milagre atingiram um grau supremo de perfeição. O resultado de tudo isto é que, entre os papas conciliares, a má-fé do herege ou a má vontade do cismático não aparecem notoriamente. E não nos peçam para o provar, porque (perdoem-nos este paradoxo) a não notoriedade é algo notório, e o que é obvio não se demonstra, a saber, que a grande maioria dos católicos de hoje, psicologicamente equilibrados e doutrinariamente bem formados, que notam a malícia intrínseca do magistério conciliar, não consideram que os papas tenham deixado de sê-lo”. Continuar lendo

PEGANDO O TOURO PELOS CHIFRES: O DILEMA SEDEVACANTISTA – ASPECTOS – PARTE 2/2

Fonte: Courrier de Rome – Tradução: Dominus Est

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Segundo aspecto do dilema

13. O fato é que, tal como os seus quatro predecessores, o atual ocupante da Sé Apostólica abre amplamente a porta à heresia. Há provas abundantes disso, e nos últimos sete anos assistimos a um aumento sem precedentes. No entanto, aos olhos de todos os teólogos, uma tal situação dificilmente seria compatível com o próprio título do papado. A famosa questão do Papa herético fez história: no rescaldo do Grande Cisma e ainda mais no rescaldo do que poderíamos ser tentados a chamar de o caso Savonarola, Caetano foi o primeiro, e depois dele os teólogos foram levados a refletir sobre a natureza da Igreja, e todos previram a possibilidade de um Papa que viria a professar erros contrários à fé.

14. Certamente seu pensamento estava em grande parte condicionado pelo contexto, razão pela qual se fez é história, é porque é da história. Isto porque o problema está demasiado ligado a circunstâncias específicas para que a solução que lhe é dada seja facilmente transponível para a situação pós-Vaticano II. Por um lado, os teólogos daquelas épocas consideravam a heresia, com efeito, professada na devida forma, ao passo que os erros atuais são muito mais sutis e sem precedentes para atrair, obviamente, os anátemas já fulminados na época contra as heresias antigas. Por outro lado, esses mesmos teólogos vêem a heresia limitada à pessoa do Papa, de modo que, se o Papa que caiu em heresia perder o pontificado, é possível e relativamente fácil dar-lhe um sucessor sem dificuldade, enquanto o resto do Corpo da Igreja permanece saudável e ileso da heresia. Hoje, o fato inédito daquilo a que se costuma chamar a “Igreja conciliar”ou seja, a situação de uma hierarquia eclesiástica majoritariamente infiltrada pelo cancro do neo-modernismo, torna muito mais problemática a possibilidade de uma desqualificação seguida de uma nova eleição a favor de um candidato isento de heresias. Podemos ver o que aconteceu nos últimos anos, uma vez que tanto as Dubiaapresentadas ao Papa Francisco por quatro cardeais em 2016 como a Correctio filialis dirigida ao mesmo Papa em 2017 por 62 figuras importantes do mundo católico não surtiram resultado. Continuar lendo

PEGANDO O TOURO PELOS CHIFRES: O DILEMA SEDEVACANTISTA – ASPECTOS – PARTE 1/2

Fonte: Courrier de Rome – Tradução: Dominus Est

1. O Concílio Vaticano II semeou a dúvida no espírito dos católicos. Essa dúvida deve ser entendida, evidentemente, primeiro como a dúvida semeada pelo Concílio a respeito das verdades divinamente reveladas por Deus. O motivo dessa dúvida se concentra inteiramente no princípio da liberdade de consciência adotado pelos Papas desde o último Concílio, de João XXIII a Francisco.

2. “Hoje”, disse João XXIII no discurso de abertura do Concílio Vaticano II, em 11 de outubro de 1962, “a Esposa de Cristo prefere usar mais o remédio da misericórdia do que o da severidade. Julga satisfazer melhor às necessidades de hoje mostrando a validez da sua doutrina do que renovando condenações”. Depois dele, na sua mensagem de encerramento do Concílio, dirigida aos governantes, em 8 de dezembro de 1965, Paulo VI declarou que “a Igreja pede apenas liberdade”. Em outras palavras, a verdade pregada pela Igreja é agora reivindicada, no contexto da vida em sociedade e face aos poderes civis, não mais como dogma, mas como uma opinião. O dogma exige para si a exclusividade da expressão — o que implica a repressão dos erros contrários — enquanto a opinião se contenta com a liberdade de expressão e não pretende excluir a expressão de opiniões contrárias. Em sua Mensagem de 8 de dezembro de 1987 pela Jornada Mundial da Paz de 1988, João Paulo II tirou a consequência lógica dessas proposições iniciais de João XXIII e Paulo VI, afirmando que “mesmo quando um Estado concede a uma determinada religião uma posição jurídica particular, deve reconhecer juridicamente e respeitar efetivamente o direito de todos os cidadãos à liberdade de consciência”.

A mesma ideia foi vigorosamente reafirmada por Bento XVI no seu discurso à ONU em 8 de dezembro de 2010: “Todos devem poder exercer livremente o direito de professar e manifestar, individualmente ou comunitariamente, a sua religião ou sua fé, tanto pública como privadamente, no ensino e na prática, nas publicações, no culto e na observância dos ritos. Não devem ser impedidos se quiserem, eventualmente, aderir a uma outra religião ou não professar nenhuma”. Portanto, o tipo de discurso que o Papa Francisco utiliza atualmente não apresenta nenhuma novidade. Quando, no dia seguinte à sua eleição, em outubro de 2013, o sucessor de Bento XVI declarou, numa entrevista a Eugenio Scalfari que “cada um tem a sua própria concepção do bem e do mal”, o novo Papa estava simplesmente traduzindo a doutrina do Concílio sobre a liberdade religiosa. Continuar lendo

JESUS CRISTO, PACIÊNCIA DE DEUS

 

Nesta Semana Santa, meditemos sobre a paciência de Deus por meio da paciência de Cristo para com Maria Madalena.

Fonte: La Porte Latine – Tradução: Dominus Est

A Semana Santa é o ápice da vida espiritual do cristão. A Igreja nos dá, de fato, a oportunidade de meditar mais intensamente sobre o exemplo de Nosso Senhor: Santo Agostinho diz que a Cruz de Jesus é como o púlpito a partir do qual o Filho de Deus nos ensina.

A Paixão começa muito cedo: quando é anunciada, diz Santo Tomás em seu comentário e explicação do Evangelho de São Mateus. O próprio Cristo a anuncia (Mt 26, 1-2); os inimigos de Cristo também a anunciam quando tramam sua queda (Mt 26, 3–5); e o gesto de Maria Madalena também a anuncia, quando derrama perfume de grande valor (Mt 26, 6-13) pois Cristo declara que este gesto anuncia o seu próprio sepultamento: “Mittens autem hoc unguentum in corpus meum, ad sepeliendum me fecit” (Mt 26, 11). Ao espalhar esse perfume, disse ele, essa mulher realizou antecipadamente o mesmo gesto daqueles que colocarão meu corpo no sepulcro. Santo Agostinho explica que, por vezes, o Espírito Santo nos impele a realizar gestos, gestos esses que podem ser muito simples, mas cujo alcance vai além de nossa intenção… Continuar lendo

A JUSTA MEDIDA DE D. LEFEBVRE

Teria D. Lefebvre sido menos comedido que Jean Madiran, a quem o Pe. de Blignières prestou homenagem em um artigo no periódico L’Homme nouveau de 22 de dezembro de 2023, ao comparar a missa nova com a “missa de Lutero”?

Fonte: La Porte Latine – Tradução: Dominus Est

A coluna “Tribune libre” do periódico L’Homme nouveau – felizmente dirigido por Philippe Maxence – publicou, em sua página na internet, no dia 22 de dezembro de 2023, uma homenagem a Jean Madiran. A homenagem se aproveitou da recente publicação de uma biografia dedicada ao falecido editor do periódico Présent, escrita por Yves Chiron, um historiador bem conhecido no meio tradicional católico. E a homenagem da coluna é assinada pelo Revmo. Pe. de Blignières, fundador da Fraternidade São Vicente Ferrer.

No espírito da Antiguidade grega, que ele tanto amava”, diz-nos o padre dominicano, Jean Madiran, “evitava aquele excesso tão difícil de se evitar em tempos de crise. Por exemplo, ele apontou claramente as deficiências da missa nova, mas nunca a descreveu como ‘a Missa de Lutero’”.

D. Lefebvre chegou ao ponto de fazer uma comparação entre a missa evangélica de Lutero e o Novus Ordo Missae de Paulo VI, sem todavia qualificar esta como sendo aquela. A referida comparação foi claramente estabelecida numa conferência histórica proferida em Florença, em 15 de fevereiro de 1975. O título dado ao texto dessa conferência, publicada juntamente com outra sobre a Missa e o sacerdócio católico, pelas Edições Saint-Gabriel em Martigny, na Suíça, poderia, no entanto, sugerir que o nome recusado por Madiran tenha sido adotado por D. Lefebvre. Mas o texto da conferência não faz qualquer menção a essa afirmação. Tampouco o título, que simplesmente designa o conteúdo principal da conferência, que é a missa evangélica de Lutero comparada ao Novus Ordo de Paulo VI. Continuar lendo

FIDUCIA SUPPLICANS E A “BÊNÇÃO PASTORAL”

A Igreja deve evitar basear sua prática pastoral na rigidez de certos padrões doutrinários ou disciplinares”.

Fonte: La Porte Latine – Tradução: Dominus Est

1. Essa passagem do número 25 da recentíssima Declaração Fiducia supplicans é apenas uma repetição do princípio fundamental já afirmado pelo Papa Francisco na Exortação pós-sinodal Amoris laetitia. Esse princípio encontra sua justificação no número 8 da referida Declaração, que por sua vez se refere ao número 12 do Novo Ritualpromulgado por João Paulo II em 1985. “As Bênçãos”,diz o documento, “podem ser consideradas como um dos sacramentais mais difundidos e em constante evolução. Eles nos ajudam a compreender a presença de Deus em todos os acontecimentos da vida e nos recordam que, mesmo no uso das coisas criadas, o ser humano é convidado a buscar a Deus, a amá-Lo e a servi-Lo fielmente”. As bênçãos estão “em constante evolução”. Por quê? Porque o seu objetivo é “nos fazer compreender e recordar”… Fazer compreender e recordar: as bênçãos são, portanto, apenas uma linguagem, puros sinais, operando simplesmente com o fim de aumentar a conscientização? Se for esse o caso, é lógico que as bênçãos se adaptam, como qualquer linguagem, à mentalidade daqueles a quem são dirigidas. Porque o essencial, em qualquer trabalho pastoral, é fazer-se compreender. Tudo o mais decorre disso.

2. Em primeiro lugar, para abençoar, segundo o documento, basta ouvir as diversas pessoas “que vêm espontaneamente pedir uma bênção” (n.º 21). Este pedido, por si só, expressa a necessidade “da presença salvífica de Deus em sua história”(nº. 20). Pedir uma bênção é reconhecer a Igreja “como sacramento de salvação” (ibidem), “admitir que a vida eclesial brota das entranhas da misericórdia de Deus e nos ajuda a avançar, a viver melhor, a responder à vontade do Senhor” (ibidem). Em suma, o pedido expressa convicções, mas o que mais? Expressa um desejo de cura, uma resolução eficaz? Ela expressa desejo de uma conversão? O número 21 simplesmente menciona, por parte daqueles que pedem a bênção, “uma abertura sincera à transcendência, a confiança de seu que não depende apenas das suas próprias forças, sua necessidade de Deus e do seu desejo de escapar à estreiteza desse mundo fechado sobre si mesmo.” E sair do pecado? Aparentemente, esse não é o caso aqui. O que não surpreende, já que a bênção é uma escuta, porque, como toda escuta, ela não precisa se preocupar com resoluções efetivas. Ela vem em um momento de esperança e expectativa.
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AUTORIDADE, O VERDADEIRO DESAFIO DO SÍNODO – PARTE 3

A Autoridade, segundo o Vaticano II? 

“Um partido no poder e todos os outros na prisão”(1) (Mikhail Tomsky).

Fonte: La Porte Latine – Tradução: Dominus Est

1. “Uma injustiça de fato, coroada de bom êxito, em nada prejudica a santidade do direito”. Essa proposição condenada, a 61ª do Syllabus de Pio IX, descreve muito bem a abordagem pastoral do Papa Francisco, pelo menos, na medida em que não nega, na prática, a admissão de pecadores públicos à recepção da sagrada Eucaristia. E, em breve, talvez, a bênção de uniões LGBT? Poderíamos também traçar um paralelo entre essa proposição de Syllabus com a recente demissão de Mons. Strickland. Mas, já em 1976, o católico perplexo e atônito pôde ver a condenação de um “Seminário selvagem”, o Seminário de Écone, onde D. Lefebvre, antigo Arcebispo de Dakar, apenas aplicava os decretos do santo Concílio de Trento.

2. Essa maneira de exercer a autoridade corresponde a uma alteração de definição da própria natureza da autoridade. Com efeito, se a autoridade consagra e impõe um fato, é porque ela é a expressão bruta dos Números, a vontade de uma maioria. A autoridade torna-se então o que trata o Contrato Social de Rousseau, ou seja, a expressão da vontade geral. Torna-se também o que trata o modernismo, ou seja, a expressão da Consciência comum do Povo de Deus.

3. No modernismo do Vaticano II, portanto, o bem comum não é mais exatamente o que era ensinado pela Igreja, com base na explicação dada por Aristóteles e Santo Tomás. Para estes últimos, o bem comum é o Fim, isto é, a causa primeira sobre a qual tudo o mais está abandonado e em vista da qual todo o resto deve ser organizado. E esse Fim, essa causa é, antes de tudo, a transmissão do depósito da fé, a expressão da dupla lei divina, natural e revelada, à qual os homens devem conformar as suas ações se quiserem obter a salvação eterna das suas almas. Com o Vaticano II e Francisco, o bem comum é o de uma “fraternidade universal”, isto é, uma comunhão desejada em si mesma, ou melhor, desejada como sinal de esperança para a unidade de todo gênero humano. Não um fim, mas um sinal – ou um sacramento. A constituição pastoral Gaudium et spes afirma que “ao proclamar a mais nobre vocação do homem e afirmar que nele está depositada uma semente divina, este santo Sínodo oferece á humanidade a colaboração sincera da Igreja no “estabelecimento de uma fraternidade universal que corresponda a essa vocação” (Prefácio, nº. 3). Por conseguinte, a constituição dogmática Lumen gentium define a Igreja como um “Povo Messiânico“, ou seja, “para todo o gênero humano a semente mais segura de unidade, esperança e salvação”, enviado “a todo o mundo [… ] como luz do mundo e sal da terra” (capítulo II, nº. 9). A missão da Igreja é uma missão de testemunho, de expressão da consciência comum do Povo de Deus que cristaliza as necessidades da humanidade, e é por isso que a autoridade na Igreja é definida como um serviço, na medida em que sanciona esta expressão e assegura a sua permanência. Continuar lendo

AUTORIDADE, O VERDADEIRO DESAFIO DO SÍNODO – PARTE 2

Para o modernismo do Vaticano II, a autoridade vem de baixo e não mais de cima: essa gravíssima inversão da doutrina tradicional explica as atuais oscilações pontifícias entre o autoritarismo face à tradição e a capitulação às exigências libertárias.

Fonte: La Porte Latine – Tradução: Dominus Est

Ele os ensinava como quem tem autoridade. e não como os escribas” (Mc 1, 22).

A autoridade vem de Deus: a autoridade tomada como tal e, portanto, toda autoridade. São Paulo o diz (Rm 13, 1), mas a reta razão já reconhece isso em seu nível. Portanto, toda autoridade “vem do alto”, porque é a expressão particularizada do governo de Deus, que se utiliza de intermediários humanos para conduzir suas criaturas à felicidade eterna do céu, e para conduzi-las até lá de maneira adequada à sua natureza de seres humanos, isto é, com toda a inteligência e com toda a liberdade. É dessa forma que o mundo, tendo saído de Deus, que o criou e preserva, retorna a Deus, que o atrai e chama. Com efeito, é Deus, o Fim Último e Supremo, que todas as criaturas buscam, cada uma segundo o modo adequado à sua natureza. Os homens tendem a fazê-lo com inteligência e da liberdade. E se vários homens estão envidando juntos em direção a esse mesmo Fim, precisam que suas inteligências e as suas liberdades sejam auxiliadas por uma autoridade, cujo papel é unificar e ordenar os seus esforços, com pleno conhecimento de causa. A autoridade é, portanto, a ajuda e a assistência dadas por Deus aos homens, uma inteligência suficientemente elevada para discernir o verdadeiro bem comum a todos, acima do bem particular de cada indivíduo. E é também a ajuda e a assistência de uma inteligência dotada de todo o poder para tomar as decisões necessárias para aquisição e preservação desse bem comum.

2. A autoridade, portanto, só pode ser concebida em relação a um bem comum e a um fim, porque a autoridade é definida como a ajuda e a assistência de que a liberdade humana necessita para obter este bem e alcançar este fim, segundo a sua modalidade própria, que é a de uma ação comum. Na Igreja a autoridade dos Bispos e a do Papa não tem outro sentido senão em relação à salvação eterna, cuja primeira condição é a preservação e transmissão do depósito da fé, uma vez que a fé é o princípio da salvação. Continuar lendo

AUTORIDADE, O VERDADEIRO DESAFIO DO SÍNODO – PARTE 1

O recente episódio da destituição de Sua Excelência Mons. Joseph E. Strickland, Bispo nos EUA, pelo Papa Francisco, revela-nos o que realmente está em jogo no Sínodo, na qual um relatório resumido acaba de ser publicado no dia 28 de outubro: o desafio é uma adequada compreensão do que deve ser a autoridade na Igreja.

Fonte: La Porte Latine – Tradução: Dominus Est

O que sairá desse último Sínodo? Será necessário aguardar pela Exortação Pós-Sinodal que o Papa publicará para podermos realmente responder a esta pergunta. Com efeito, o atual Sínodo de 2023, cujo relatório resumido acaba de ser publicado no sábado, 28 de outubro, ainda não está concluído, pois deverá ser realizado em duas sessões. Assim, esse relatório apresenta apenas reflexões e propostas tendo em vista a segunda sessão, que será realizada no outono de 2024. O Papa é sempre livre para publicar o que quiser nesse intervalo, mas o fato é que, por enquanto, não podemos entrar em mais detalhes.

Parece-nos, no entanto, que o que realmente está em jogo no Sínodo acaba de nos ser esclarecido por um episódio recente: a destituição, pelo Papa Francisco, de Sua Excelência Mons. Joseph E. Strickland, Bispo de Tyler, no Estado de Texas, nos EUA. O desafio é o entendimento correto do que deve ser a autoridade na Igreja.

A palavra “autoridade” vem do verbo latino “augere”, que significa aumentar. De acordo com a etimologia, a autoridade designa a função daquele que deve dar aumento (crescimento) aos que governa. Aumento da liberdade. Tornar os outros cada vez mais livres é o ato fundamental e radical que define a autoridade como tal. E essa liberdade, cuja promoção a autoridade deve promover, é aquela que os membros de uma sociedade devem exercer cada vez melhor, uns com os outros e por meio dos outros, agindo de acordo com as exigências da reta razão iluminada pela fé, a fim de alcançar a perfeição à qual Deus os chama. Perfeição inscrita no bem comum, que é a razão de ser da vida em sociedade e da qual a autoridade é responsável. Continuar lendo

SAGRAÇÕES EM 30 DE JUNHO DE 2023?

Análise moral de um boato.

Fonte: La Porte Latine – Tradução: Dominus Est

1. Talvez tenham lido isso nas redes sociais: “No próximo dia 30 de junho, em Ecône, D. Vitus Huonder, auxiliado por D. de Galarreta e por D. Fellay, conferirá a sagração episcopal a três sacerdotes membros da Fraternidade São Pio X, entre os quais D. Davide Pagliarani, Superior Geral da dita Fraternidade. Para realizar esta sagração, D. Huonder teria recebido o mandato apostólico do Papa Francisco”.

Boato

2. Isso é um boato. Ou, se preferirem, uma “fake news”, embora a palavra “fake”, que conota sobretudo a ideia de falsidade, não traduza com exatidão toda a significativa gravidade de “boato”, que conota sobretudo a ideia de rapidez, de velocidade, como um tiro

3. Não sabemos de onde os boatos partem, mas inevitavelmente circulam – principalmente na web. E a partir daí espalham-se em uma velocidade tão vertiginosa que, em pouco tempo, invadem uma cidade, uma província ou um cantão, um país inteiro. A Tradição não é exceção. Às vezes, tem-se até a impressão de que os boatos circulam mais rápido e melhor por aqui do que em quaisquer outros lugares.

4. Quem os lançou? Como eles percorrem distâncias enormes em velocidade recorde? Não se sabe. Uma coisa é certa: uma vez lançados, eles atingem multidões como se fossem transmitidos por um rádio misterioso.

5. Os boatos sempre existiram. Sempre houve e sempre haverá, até o fim do mundo, em cada indivíduo, homem ou mulher, um espectador crédulo para acolhê-los e deixar-se impressionar por eles. Mas em tempos conturbados eles encontram um clima mais favorável à sua profusão. Continuar lendo

É NECESSÁRIO RECEBER O SACRAMENTO DA CONFIRMAÇÃO SOB CONDIÇÃO?

Crismas 2019 – Galeria fotográfica | Fraternidade Sacerdotal São Pio X no  Brasil

Fonte: Courrier de Rome  n° 662 – Tradução: Dominus Est

– 1 –

Da etimologia à teologia

Todos conhecem Gaffiot. Félix Gaffiot (1870-1937), decano da Faculdade de Letras de Besançon, que não é conhecido apenas pela sua famosa adega (1), leiloada no domingo, 8 de maio de 1938. Ele é, sobretudo, autor do prestigiado Dicionário ilustrado Francês-Latim, publicado pela Editions Hachette, em 1934, e constantemente reeditado desde então. Aprendemos lá que o substantivo feminino “oliva”, que designa simultaneamente a oliveira e o seu fruto natural, a oliva (azeitona), deu origem ao outro substantivo neutro “oleum”, que significa o óleo. A relação etimológica aqui apoia essa ligação: aos olhos dos antigos, o óleo era, como tal, obtido do fruto da oliveira e, portanto, o óleo era essencialmente um azeite de oliva. Todos os demais “óleos” só foram nomeados como tais por analogia, ou seja, à custa de uma ampliação de sentido que vem acompanhada de uma certa perda do conceito. Além do azeite de oliva, existem também (para nos atermos aos óleos vegetais) óleo de amendoim, óleo de noz, óleo de colza, óleo de milho, óleo de linhaça, óleo de palma, óleo de rícino, óleo de soja e óleo de girassol. Existem ainda óleos animais (óleo de fígado de bacalhau, óleo de foca e, sobretudo, óleo de baleia, utilizados até ao século XIX, antes do advento do gás, como combustível para lâmpadas de iluminação) e óleos minerais, alguns dos quais podem ser obtidos por destilação do petróleo. Sem falar nos óleos essenciais. Mas esses “óleos” são apenas substitutos e, além das semelhanças externas, a verdadeira substância que corresponde adequadamente a esse nome só pode ser o oleum, o líquido proveniente da oliva, fruto natural da oliveira.

2. De acordo com essa abordagem dos antigos, a Igreja sempre reconheceu apenas o azeite de oliva como matéria válida para os sacramentos da Confirmação e da Extrema Unção, excluindo qualquer outro tipo de óleo. Definitivamente, o mesmo se aplica ao pão. O pão é a matéria válida do sacramento da Eucaristia, mas – nosso Gaffiot ainda está aí para atestar isso – trata-se aqui unicamente do pão feito de farinha de trigo, pois, como o óleo em sentido próprio é o azeite, também o pão no sentido próprio é o pão feito com as espécies mais nobres (o “triticum”) do gênero do trigo (o “frumentum”). Os outros “pães” são assim chamados em virtude de uma analogia que tanto diminui como amplia a noção e é por isso que eles não são chamados de “pão” em seu sentido próprio. Aos olhos da Igreja, o pão feito com cevada (“hordeum”), aveia (“avena”), arroz (“oryza”), milho, castanhas, batatas ou outros vegetais não é matéria válida para a Eucaristia, pois esses ingredientes não pertencem ao gênero do trigo; a espelta (“spelta, ae, f“) e o centeio são, certamente, espécies do género do trigo, mas distintas da sua espécie mais nobre, o “triticum“, razão pela qual não é matéria adequada para fazer pão em sentido próprio, ou seja, não é matéria válida para o sacramento da Eucaristia. Continuar lendo

SOLVE ET COAGULA – A OPERAÇÃO ALQUÍMICA REALIZADA PELA REVOLUÇÃO CONCILIAR

Pe. Jean-Michel Gleize, FSSPX

Fonte: Courrier de Rome nº 660, janeiro de 2023 — Tradução: Dominus Est

Este texto é uma continuação do post OS 60 ANOS DO CONCÍLIO

Em alquimia, a Grande Obra é a realização da pedra filosofal, a famosa pedra capaz de transmutar os metais, curar infalivelmente os males do corpo e trazer a imortalidade. Na origem da teoria que afirma a existência de tal pedra nós encontramos uma tradição segundo a qual os diversos metais estariam, no seio da terra, em lenta maturação para um dia chegar ao estado metálico ideal, ou seja, do ouro. A Grande Obra é a aceleração dessa maturação por meio do uso, como catalisador, do agente ativo dessa evolução. A operação alquímica da Grande Obra comporta, por conseguinte, duas etapas principais: primeiro isolar esse princípio de transmutação, separando-o de todos os demais corpos aos quais está misturado e que impedem sua ação (solvere); em seguida, utilizá-lo como agente ativo de evolução, associando-o de uma maneira nova a todos os demais corpos dos quais ele fora anteriormente isolado (coagulare).

Oportunidade de perspectiva de leitura?

A expressão utilizada para designar esse procedimento dos alquimistas ganhou fama, especialmente porque a alquimia é uma ciência oculta e, enquanto tal, por sua correspondência com as outras ciências e outras práticas que são abrangidas pelo mesmo gênero de ocultismo. É assim que a maçonaria retomou por conta própria essa fórmula que caracteriza a partir de então seu próprio modo de proceder: “aplainar o terreno antes de construir”[1]. Esse método de ação maçônica foi perfeitamente analisado por Mons. Delassus em seu livro A Conjuração Anticristã[2]. A divisão dos capítulos do livro mostra-o por si só: a maçonaria atém-se primeiramente a corromper (é esse o sentido da palavra latina solvere) as tradições e as ideias antes de reconstruir uma nova ordem social, porém reutilizando os elementos que compunham a ordem antiga e que se encontram a partir de então desarticulados (é o sentido da palavra latina coagulare). É o que o velho Aristóteles já chamava de “desarmonizar e rearmonizar”.

Esse plano maçônico é uma realidade devidamente atestada em seu plano geral por numerosos trabalhos sérios, dos quais Mons. Delassus reuniu sua substância, e que foram continuados desde então e cujas principais conclusões mantêm ainda sua atualidade[3] na medida em que foram retomadas e desenvolvidas nas análises da questão do globalismo[4]. Dito isso, por que esse plano não poderia, hoje, no contexto pós-Vaticano II — e mais particularmente no contexto do pontificado do Papa Francisco — servir de fio condutor para o católico que se manteve fiel às promessas de seu batismo e está preocupado em aprender a exata natureza da mudança de rumo dos acontecimentos no interior da Igreja? Com efeito, já desde dez anos atrás quando o Papa Francisco aceitou sua eleição para o Soberano Pontificado, parece cada vez mais claramente que essa mudança de rumo é nova não somente em relação ao que a Igreja conhecia antes do Vaticano II, mas também em relação à evolução seguida desde João XXIII até Bento XVI. É preciso forçosamente reconhecer que os dez anos do pontificado de Francisco pouco se parecem com os anos precedentes aos quais estávamos habituados a uma certa continuidade na ruptura — ou mais exatamente na dissolução do patrimônio sagrado da Santa Igreja: operação cuja continuação parece a ponto de confundir-se com aquela que os alquimistas nomearam usando a palavra latina solvere. Atualmente, e isso nunca deixa de assombrar os mais diferentes observadores da atualidade na Igreja, de qualquer obediência que seja, parece muito que a histórica data da quarta-feira, 13 de março de 2013, inaugurou um verdadeiro desvio: um ponto de não-retorno. Ou ainda como que uma nova ruptura nessa continuidade da ruptura. Continuar lendo

OS 60 ANOS DO CONCÍLIO

Sessenta anos após o Concílio Vaticano II, já não é mais o tempo de adaptar a apresentação da doutrina para torná-la acessível à mentalidade do homem moderno. Parece ter chegado o momento de percorrer um “caminho de conversão e reforma […] institucional e pastoral”. 

Uma análise sobre um recente discurso do Papa Francisco.

Pe. Jean-Michel Gleize, FSSPX

Fonte: Courrier de Rome n° 660, janeiro de 2023 – Tradução: Dominus Est

Irmãos e irmãs, voltemos ao Concílio, que redescobriu o rio vivo da Tradição sem estagnar nas tradições”.

Homilia proferida pelo Papa Francisco em 11 de outubro de 2022 em Roma.

1. Esta é, provavelmente, uma das frases-chave da Homilia proferida pelo Papa Francisco na terça-feira, 11 de outubro de 2022, na Basílica de São Pedro no Vaticano, por ocasião do 60° aniversário da abertura do Concílio Vaticano II (1). O que o bom Povo de Deus poderia lembrar desta reflexão? Muito provavelmente duas palavras: “rio vivo” e “estagnar”. Com efeito, são duas expressões que impressionam as pessoas porque apelam à imaginação. E aqui temos uma amostra particularmente representativa – mais uma! – da maneira surpreendente a qual o Papa nos habituou e que não cessa de nos desconcertar.

2. De fato, é notável como o pensamento do Papa Francisco sempre caminha mais ou menos por metáforas, ou seja, através de imagens que falam, antes de tudo, à imaginação. Certamente, o uso dessas figuras de linguagem é benéfico e mesmo necessário(2), pois está em conformidade com a natureza do homem elevar-se às ideias inteligíveis a partir das realidades sensíveis e concretas. O exemplo ilustrado da metáfora representa, portanto, uma ferramenta preciosa, graças a qual o espírito dos leitores ou dos ouvintes pode aceder à compreensão das definições e das distinções. Mas é ainda necessário que estas definições e distinções estejam presentes no decorrer da apresentação que se apoia na expressão metafórica. E esta expressão intervém às vezes antes que a definição seja dada, e aqui serve para preparar o espírito para compreendê-la e, às vezes após a definição ter sido dada, e aqui serve para dar sua confirmação. Em ambos os casos, para preparar e confirmar, a imagem desempenha o papel de exemplo ou ilustração. Mas é evidente que a ilustração pressupõe a ideia abstrata que se deseja ilustrar e que o exemplo pressupõe a noção geral que se deseja concretizar.

3. Entretanto, somos obrigados a constatar que o discurso pontifício da atualidade se limita, com demasiada frequência, a recorrer a fórmulas que são, sem dúvida, sedutoras, em virtude de sua originalidade, mas que permanecem puramente metafóricas em seu conteúdo. Onde se espera uma explicação ou uma prova, um argumento que, aos olhos da razão, deve explicar a afirmação repetida, não se encontra outra justificação que não seja a de uma imagem, e esta é demasiadamente decepcionante à expectativa do ouvinte, e mais parece um malabarismo. Continuar lendo

A MORTE CEREBRAL É REAL E PROPRIAMENTE UMA MORTE?

Alguns cirurgiões apressam-se em remover órgãos vitais de um doente em coma, enquanto a morte deste não é certa.

Fonte: Courrier de Rome n° 648 – Tradução: Dominus Est

Há algumas semanas, o Parlamento Federal Suíço aprovou um projeto de lei que visa estabelecer o princípio do consentimento presumido para doação de órgãos. O principal problema com esta lei diz respeito à doação de órgãos necessários à vida. Para transplantar estes órgãos, é necessário, com efeito, que estes estejam vivos e, portanto, o doador deve estar vivo no momento de serem removidos. Uma comissão foi formada para lutar contra esse projeto de lei e foi lançado também um referendo que deve recolher 50.000 assinaturas até o dia 20 de janeiro. As reflexões que se seguem podem contribuir para legitimar esta iniciativa, aos olhos da justa razão.

– PARECE QUE SIM

1. Os argumentos a favor da morte encefálica podem ser reduzidos a três tipos.

2. Argumento da eficiênciaa falência cerebral irreversível significa a morte, por isso ela faz com que seja possível o transplante de órgãos. Todo o objetivo do argumento consiste em encurralar o oponente em um dilema. Ou a falência cerebral irreversível é a morte ou não é. 

No entanto, se não for, as consequências são inaceitáveis:

a) o transplante de órgãos torna-se impossível (com tudo o que essa impossibilidade receberá de aparentemente odioso, injusto, revoltante, tanto emocional quanto intelectualmente);

b) a perda radical das funções vitais, tal como observada pelo mais rigoroso exame médico, é reconsiderada, uma vez que se considera ainda vivo um sujeito cujo princípio vital está obliterado; 

O que significa que ela é.

3. Argumento da cientificidaderetoma a alínea “b” do argumento anterior para apresentá-lo numa perspectiva aparentemente neutra e desinteressada de qualquer consequência prática. A morte é o que o médico observa cientificamente com base em elementos suficientemente conclusivos. Ora, a falência cerebral irreversível é o elemento que, tal como cientificamente observado pelo médico, representa o elemento suficientemente conclusivo da morte. Portanto, a observação médica da falência cerebral irreversível é a observação da morte.

4. Argumento legal/jurídicoeste é o argumento da autoridade. A lei e a política decidem definir a morte como falência cerebral irreversível(1). O Vaticano e as atuais autoridades religiosas decidiram finalmente validar esta definição(2). Continuar lendo

AS SAGRAÇÕES EPISCOPAIS DE 1988: O DILEMA ECCLESIA DEI

As sagrações de D. Lefebvre contra a vontade do Papa constituíram um ato cismático? Foram elas apenas uma desobediência a um preceito legítimo? Por falta das distinções necessárias, a argumentação Ecclesia Dei para afastar os fiéis da Fraternidade São Pio X conduz apenas a um dilema insustentável.

Fonte: La Porte Latine – Tradução: Dominus Est

Essa é a continuação de duas partes anteriores:

PARTE 1: AS SAGRAÇÕES EPISCOPAIS DE 1988 PREJUDICARAM UM ELEMENTO ESSENCIAL DA FÉ CATÓLICA: A UNIDADE DA IGREJA?

PARTE 2: AS SAGRAÇÕES REALIZADAS POR D. LEFEBVRE EM 1988 REPRESENTAM UM ATO DE NATUREZA CISMÁTICA?

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1. Na segunda entrevista, na seção “teologia”, publicada na página de 27 de abril de 2022, do site “Claves.org”, o Pe. de Blignières menciona o estudo apresentado em 1983 a D. Lefebvre pelo Pe. Josef Bisig e retomado após as sagrações de 30 de junho de 1988, sob a forma de um folheto intitulado:  Da sagração episcopal contra a vontade do papa, Ensaio teológico coletivo dos membros da Fraternidade São Pedro(FSSP, Distrito da França, 5, Rue McDonald, 18000 Bourges). Este estudo tinha por finalidade, evidentemente, justificar a posição dos sacerdotes e dos fiéis que se recusaram a seguir D. Lefebvre em sua decisão de prosseguir com as sagrações episcopais contra a vontade do Papa.

2. O principal argumento apresentado por este estudo, e que aparece no parágrafo IV da primeira parte, é que as sagrações episcopais realizadas – não apenas sem a vontade do Papa, mas também e sobretudo contra a sua vontade expressa – são, em si mesmas ou intrinsecamente, um ato mau: “O problema das sagrações de 30 de junho é que elas são contra a vontade explícita daquele por quem toda a jurisdição é dada (principaliter) como a Cabeça visível da Igreja”(1). E este ato é mau, acrescenta o Pe. de Blignières, retomando a substância do estudo do Pe. Bisig, porque prejudica um elemento da fé católica, que é a necessária comunhão hierárquica com os outros bispos católicos, uma comunhão cujo garante é o Bispo de Roma. Mas esse atenta contra essa comunhão por si mesmo ou em seu efeito? É aqui que as inferências dos padres fundadores do movimento Ecclesia Dei podem parecer um pouco precipitadas. Continuar lendo

AS SAGRAÇÕES EPISCOPAIS DE 1988 PREJUDICARAM UM ELEMENTO ESSENCIAL DA FÉ CATÓLICA: A UNIDADE DA IGREJA?

Mgr Lefebvre lors du sermon des sacres du 30 juin 1988

Essa é a continuação da Parte 1: As sagrações realizadas por D. Lefebvre em 1988 representam um ato de natureza cismática?

Fonte: La Porte Latine – Tradução: Dominus Est

1. Na segunda entrevista, da seção “teologia”, publicada na página de 27 de abril de 2022, do site “Claves.org”, o Pe. de Blignières indica qual é, segundo ele, “o critério para avaliar as sagrações de 1988”. Os sacerdotes e os fiéis que não quiseram seguir a D. Lefebvre não teriam agido em virtude de uma concepção errônea de obediência, tampouco de forma puramente tática ou com vistas a obter qualquer vantagem. O que teria acontecido e estaria em questão “é um juízo fundamental sobre a comunhão hierárquica como elemento essencial da fé e da estrutura da Igreja Católica”. Com efeito, a sagração episcopal realizada contra a vontade do Papa seria “um ato intrinsecamente mau porque atenta contra um elemento da fé católica”. Esse elemento é que, para ser não apenas válido, mas legitimamente sagrado, um Bispo deve receber a sagração episcopal “no seio da comunhão hierárquica entre todos os Bispos católicos”, cujo garante é o Bispo de Roma, sucessor de Pedro. Deste modo, a sagração episcopal, recebida sem a instituição pontifícia, constitui “um gravíssimo ataque à própria unidade da Igreja”.

2. O Pe. de Blignières refere-se aqui à Encíclica Ad apostolorum Principis de Pio XII, bem como ao número 4 do Motu proprio Ecclesia Dei adflicta. No entanto, nenhum desses dois textos citados são pertinentes para avaliar as sagrações de 30 de junho de 1988. Continuar lendo

AS SAGRAÇÕES REALIZADAS POR D. LEFEBVRE EM 1988 REPRESENTAM UM ATO DE NATUREZA CISMÁTICA?

Fonte: La Porte Latine – Tradução: Dominus Est

1. O site “claves.org” é o órgão oficial da Fraternidade São Pedro, equivalente ao que é o “La Porte Latine” para o Distrito da Fraternidade São Pio X na França. Na seção “Teologia”, o Pe. Louis-Marie de Blignières, da Fraternidade São Vicente Ferrer, publicou recentemente uma série de “Debates abertos sobre o verão de 1988”. A terceira entrevista, publicada na página em 28 de abril de 2022, intitula-se “Por que não seguimos as sagrações”.

2. Toda a explicação do Padre dominicano baseia-se em um único pressuposto: seguir as sagrações, ou seja, aprovar o ato realizado por D. Lefebvre em 30 de junho de 1988, equivaleria a não manter a comunhão hierárquica com a Santa Sé de Roma. A partir disso, tudo começa a fazer sentido. Se as sagrações episcopais do verão de 1988 representam um ato de natureza cismática, é evidente que os sacerdotes e os fiéis do Movimento chamado “Ecclesia Dei” estão com a razão. Os outros aspectos da diligência que os levou a buscar obter da parte de Roma um regime favorável à Tradição, suas intenções pessoais, suas preocupações e suas dores, são obviamente secundários e acidentais em relação a esse pressuposto principal. E, evidentemente, também, não é de forma alguma sobre esses aspectos secundários, mas antes sobre esse pressuposto principal que incide a avaliação crítica da Fraternidade São Pio X e a razão exata de sua profunda divergência em relação ao referido movimento. Qualquer outra coisa seria apenas um mal-entendido.

3. O Pe. de Blignières não demora em demonstrar seu pressuposto. “O que queríamos”, escreve ele, “era claro e difícil: manter a Missa tradicional dentro do perímetro visível da Igreja, para usar uma expressão de Jean Madiran, ou seja, na comunhão hierárquica”. Tudo aconteceu então – pelo menos na mente do Padre – como se, por si só, as sagrações episcopais de 30 de junho de 1988 tivessem prejudicado essa comunhão e excluído D. Lefebvre e seus fiéis do perímetro visível da Igreja. No entanto, no número 1 do Motu proprio Ecclesia Dei afflicta, pelo qual o Papa João Paulo II avalia oficialmente o alcance dessas sagrações, estas são apresentados pela Santa Sé como causa de tristeza para a Igreja, pelo fato que consagram o fracasso de todos os esforços até agora desenvolvidos pelo Papa “para assegurar a plena comunhão da Fraternidade Sacerdotal São Pio X com a Igreja. Continuar lendo

UMA CONTINUIDADE IMPOSSÍVEL – SOBRE A DIGNITATIS HUMANAE

Fonte: La Porte Latine – Tradução: Witor Lira

Prólogo

1 – O Blog da revista La Nef publicou em sua página de 5 de julho de 2014 um estudo do Padre Basile Valuet, OSB, intitulado “Os mal-entendidos de Ecône sobre a liberdade religiosa” (abreviado aqui como BV2). Este estudo é uma resposta ao artigo publicado na edição de março de 2014 do Courrier de Rome, intitulado:Dignitatis humanae é contrário à Tradição” (abreviado aqui como CDR).

2 – Não desconhecíamos a personalidade do Padre Basile, nem o respeitável alcance de sua obra. Queríamos apenas dizer o que pensamos do estudo publicado em julho de 2013 no Bulletin de Littérature ecclésiastique (abreviado como BV1) onde o padre Basile tenta responder às “objeções dos lefebvristas” [1] bem como aos “três argumentos principais daqueles que negam a compatibilidade da Dignitatis humanae com a Tradição” [2]. Esta resposta se apresenta como suficiente por si mesma, e por isso a tomamos como tal [3]. Por outro lado, admitimos sem dificuldade (e já sabíamos) que o padre Basile teve a oportunidade de examinar em seu tempo as objeções apresentadas pela Fraternidade São Pio X contra a liberdade religiosa (a Dubia tornada pública em 1987, assim como a resposta à resposta do CDF a estas mesmas), que foram retomadas e esclarecidas durante as últimas discussões doutrinárias de 2009-2011. Mas com isso, permanece o fato de que as três objeções às quais o padre Basile tenta responder no estudo de julho de 2013 “não correspondem de forma alguma àquelas que a Fraternidade São Pio X apresentou até agora à Santa Sé” [4]. É sempre possível estar enganado, mesmo de muita boa fé, e mesmo com a melhor informação; para dissipar o mal-entendido e deixar a luz passar, é preciso começar limpando o vidro, e dos dois lados. É com este espírito que empreendemos aqui uma nova reflexão, para esclarecer o debate levantado pelo Padre Basile. Para isso, voltaremos aos principais pontos da análise publicada no Blog de La Nef. Mas, primeiro, gostaríamos de chamar a atenção do leitor para o ponto preciso que representa o verdadeiro cerne da dificuldade.

1 – A raiz do problema

3 – Devemos ler o Concílio à luz da Tradição ou a Tradição à luz do Concílio? Essa é a questão. Esta é uma questão fundamental, porque é a do método a ser seguido. E esta é a questão que ainda permanece pendente, entre a Santa Sé e a Fraternidade São Pio X, desde a famosa Declaração de 21 de novembro de 1974 Aparece regularmente na ordem do dia, e é por falta de resposta suficiente que o acordo, tão esperado de ambas as partes, se revela impossível. Sem falar que, recusar-se a fazer a pergunta é já tê-la respondido, porque é postular que a única leitura possível é aquela dada pelo magistério atual. Continuar lendo

ISTO É O MEU CORPO

O novo Missal de Paulo VI é imperfeito a ponto de tornar-se equívoco na expressão da Lei da fé e incorrer no risco de invalidade quanto à eficácia do sacramento.

Fonte: La Porte Latine – Tradução: Dominus Est

1. Em sua 22ª sessão, realizada em 17 de setembro de 1562, o Concílio de Trento afirmou que “neste sacrifício divino que se realiza na Missa, Cristo está contido e imolado de forma incruenta, Ele que se ofereceu de uma vez por todas de forma cruenta no altar da cruz (Hb 9, 14; 27)[1]. E para insistir no valor propiciatório deste sacrifício, o Concílio especifica ainda que “é, com efeito, uma única e a mesma vítima, a mesma que, oferecendo-se agora pelo ministério dos sacerdotes, ofereceu-se então na Cruz, sendo apenas diferente a forma de oferecer a si mesmo. Os frutos desta oblação – que é cruenta – são recebidos abundantemente através desta oblação incruenta; de tal modo que a última não diminui de modo algum a primeira”[2]. A Missa, portanto, não é outro sacrifício senão o sacrifício do Calvário. Ela é esse mesmo sacrifício, realizado de outra forma, já não mais físico, mas sacramental. Isso significa que ela é seu sinal eficaz: a Missa realmente realiza o próprio sacrifício do Calvário na exata medida em que o significa, através de um conjunto de palavras e gestos que constituem precisamente o rito. O missal é a expressão literal (ou a escrita) deste rito. O Missal tradicional dito “de São Pio V” é a expressão mais exata que a Igreja pôde dar aos seus fiéis até hoje, com todo o significado necessário para esta realização sacramental do sacrifício incruento.

2. O novo Missal de Paulo VI, por sua vez, “representa, tanto em seu todo como nos detalhes, um surpreendente afastamento da teologia católica da Missa tal qual formulada na sessão 22 do Concílio de Trento”. Tal é o veredicto do  Breve Exame Crítico, apresentado ao Papa Paulo VI pelos Cardeais Ottaviani e Bacci. Para ilustrar seu fundamento, demos como exemplo a impressionante redução dos sinais da cruz neste Novus Ordo Missaede Paulo VI. A Institutio Generalis, em sua última versão revisada de 2002, prevê apenas dois fora do Cânon: um primeiro no início da Missa (n.º 124) como rito de entrada quando o celebrante se assinala ao mesmo tempo que os fiéis, e um segundo no final (n.º 167) como rito de conclusão, quando o celebrante dá a bênção aos fiéis. No Cânon (isto é, naquilo que o Missal de Paulo VI doravante designa por “Oração Eucarística”) resta apenas um, logo no início, quando o sacerdote faz o sinal da cruz tanto no pão como no cálice (“Ut benedicas +  haec dona” na Oração Eucarística I; “ut nobis Corpus et  +  Sanguis fiant Domini nostri Jesu Christi” na Oração Eucarística II; “ut Corpus et  +  Sanguis fiant Filii tui Domini nostri Jesu Christi” na Oração Eucarística III; “ut Corpus et  +  Sanguis fiant Domini nostri Jesu Christi” na Oração Eucarística IV).

3. Só no Cânon do Missal dito “de São Pio V”, havia 26 sinais da cruz. A razão destes sinais da cruz é única e representativa: “O sacerdote”, explica São Tomás, “durante a celebração da Missa, faz os sinais da cruz para evocar a Paixão de Cristo, que o levou à Cruz”[3]. Segundo a explicação dada pelo Doutor Comum da Igreja, os vários sinais da cruz feitos pelo celebrante durante a Missa correspondem a uma progressão lógica de significado, para representar as nove etapas da Paixão, ou seja, deixando evidente que a Missa é idêntica ao sacrifício do Calvário. Continuar lendo

LEI DA ORAÇÃO OU LEI DA FÉ/CRENÇA? O MOVIMENTO ECCLESIA DEI

Loi de la prière ou loi de la croyance ? • La Porte Latine

A ilusão do Movimento Ecclesia Dei foi pretender separar os dois em nome da causa tradicional.

Fonte: Courrier de Rome n°649 – Tradução: Dominus Est

A Missa em Lille, celebrada há quase 50 anos por D. Lefebvre em 29 de agosto de 1976(1), ficou marcada, sem dúvidas, aos olhos do grande público e da mídia, como o ponto culminante da reação dos fiéis católicos à reforma litúrgica inaugurada pelo Papa Paulo VI sete anos antes, em 3 de abril de 1969, com a promulgação do Novus Ordo Missae. Durante esses anos, vozes foram ouvidas e as colunas do Courrier de Rome foram amplamente abertas a todos os experientes teólogos e canonistas da época, que se tornaram os intrépidos defensores do Missal dito “de São Pio V”. Isso foi particularmente evidenciado nas edições de 1973-1974, onde o Pe. Raymond Dulac (1903-1987)(2), Pe. Jacques-Emmanuel des Graviers(3), o professor Louis Salleron (1905-1992)(4) e seu filho Pe. Joseph de Sainte-Marie (1932-1984)(5) tentaram justificar o vínculo dos católicos ao seu rito, ao rito católico e romano da Missa, até agora expresso no Missal dito “de São Pio V”, na versão dada pouco antes do Concílio Vaticano II pelo Papa João XXIII. Todos aqueles que contribuíram para o Courrier de Rome naqueles anos fizeram-no, em grande parte, para defender o direito, o bom direito dos católicos de receber da Igreja a Missa de sempre, a Missa celebrada segundo o Missal dito “de São Pio V”.

2. Essas reflexões chamaram a atenção de D. Aimé-Georges Martimort (1911-2000), co-fundador do Centro Nacional de Pastoral Litúrgica (1943), perito no Concílio Vaticano II (1962-1965), professor do Instituto Católico de Toulouse e consultor da Congregação para o Culto Divino. Em um estudo intitulado “Mas o que é a Missa de São Pio V?” publicado no jornal La Croix de 26 de agosto de 1976(6), ele procurou identificar mais de perto “as razões de uma oposição”. Pois é disso que se trata: o vínculo ao Missal conhecido dito “de São Pio V” é apenas a consequência de uma recusa: a recusa do novo Missal de Paulo VI. Por que essa recusa?

3. É necessário reconhecer em D. Martimort o mérito de ter rejeitado as explicações insuficientes ou incompletas, recordadas demasiadamente pelos meios de comunicação. A recusa do Novus Ordo Missae de Paulo VI não se justifica fundamentalmente apenas em razão dos abusos que se pode ocasionar durante esta ou aquela celebração, tampouco pela introdução de certas práticas, como o fato de celebrar de frente do povo, ou pelo uso da língua vernácula, ou ainda pelo abandono de algumas outras práticas, como o uso do latim e do canto gregoriano. Também não seria, ainda fundamentalmente, a notável modificação das orações do ofertório, das palavras da consagração, nem a introdução de novas orações eucarísticas. Continuar lendo

AS PIRUETAS DAS COMUNIDADES ECCLESIA DEI

ECCL

Como as comunidades Ecclesia Dei deverão reagir nos próximos meses? Deveriam recusar-se a obedecer ao Motu proprio de Francisco? Mas em nome de quê?

Fonte: La Porte Latine – Tradução: Dominus Est

1. A implementação do Motu Proprio Traditionis custodes segue de forma inexorável. No dia 18 de dezembro, a Sagrada Congregação para o Culto Divino emitiu uma série de esclarecimentos, sob a clássica forma de “Responsa ad dubia”. Onze respostas esclarecem as dúvidas. As coisas estão ainda mais claras: a Missa tradicional de São Pio V não é a norma de culto na Igreja Católica. A Missa, entendida no sentido de rito universal e obrigatório para toda a Igreja, é a Missa de Paulo VI.

2. E a resposta das diversas comunidades do movimento Ecclesia Dei torna-se também cada vez mais clara. Com efeito, qual é a resposta dos principais líderes destas comunidades? A resposta da Fraternidade de São Pedro (Comunicado de 19 de dezembro de 2021) é que o Motu proprio de François “não se dirige diretamente” a essas comunidades. A resposta da Fraternidade de São Vicente Ferrer (Mensagem de Natal de 23 de dezembro de 2021) é que este Motu proprio não pode dirigir-se a estas comunidades, cujo ato fundador reserva a celebração da liturgia tradicional. Basicamente é isso. E é lamentável. Diante de tais piruetas, o mal-estar só aumenta. 

3. Em suma: as comunidades Ecclesia Dei defendem a celebração da Missa tradicional, reivindicando-a como seu privilégio e fazendo referência ao Motu proprio de João Paulo II, porque haveria, aos olhos dessas comunidades, a expressão jurídica de sua razão de ser. Continuar lendo

OS ENSINAMENTOS DO CONCÍLIO VATICANO II FAZEM PROPRIAMENTE PARTE DO MAGISTÉRIO?

A CRÍTICA DO VATICANO II | DOMINUS EST

Pe. Jean-Michel Gleize, FSSPX

Fonte: Courrier de Rome nº 606, Janeiro de 2018 – Tradução: Dominus Est

UMA QUESTÃO DE PRINCÍPIO

A exortação pós-sinodal Amoris laetitia não deixou ninguém indiferente. Mas eis que, segundo o parecer do próprio Papa, a única interpretação possível do capítulo 8 desse documento é aquela dada pelos bispos da região de Buenos Aires na Argentina, quando afirmaram abertamente que o acesso aos sacramentos pode ser autorizado a certos casais de divorciados recasados. «O escrito é muito bom e explicita perfeitamente o sentido do capítulo 8 de Amoris laetitia, e não há outra interpretação», afirmou o Papa em uma carta de setembro de 2016. E eis que em junho de 2017 a Secretaria de Estado do Vaticano reconhece o estatuto de «Magistério autêntico» a essa afirmação.

Isso suscitará de novo uma questão já há muito estudada[1]. Estando admitido que as autoridades da hierarquia eclesiástica continuam em posse de seu poder de Magistério, pode-se perguntar: qual valor atribuir aos atos de ensino concedidos pelas autoridades em vigor na Igreja (o Papa e os bispos) desde o Concílio Vaticano II? Deve isso ser visto como o exercício de um verdadeiro Magistério, ainda que, no todo ou em parte, esses ensinamentos se desviem da Tradição da Igreja? A posição da Fraternidade São Pio X[2] sustenta que desde o Vaticano II em diante assolou (e ainda assola a Igreja), «um novo tipo de magistério, imbuído de princípios modernistas, que vicia a natureza, o conteúdo, o papel e o exercício».

Essa posição reteve toda a atenção de um representante designado pelo Sumo Pontífice, o Secretário da Comissão Pontifical Ecclesia Dei, Mons. Guido Pozzo, e inspirou a problemática fundamental de todo o seu discurso[3], indo na mesma linha daquele do Papa Bento XVI. O objetivo dessa problemática é validar aos olhos da Fraternidade o valor propriamente magisterial dos ensinamentos conciliares, antes de lhes fazer aceitá-lo. Porquanto é preciso que esse ensinamento seja aceito. Já antes das discussões doutrinais de 2009-2011, Bento XVI havia claramente anunciado essa intenção: «Deste modo torna-se claro que os problemas, que agora se devem tratar, são de natureza essencialmente doutrinal e dizem respeito sobretudo à aceitação do Concílio Vaticano II e do magistério pós-conciliar dos Papas. […] Não se pode congelar a autoridade magisterial da Igreja no ano de 1962: isto deve ser bem claro para a Fraternidade»[4]. Isso mostra a urgência ainda atual dessa questão crucial, que é uma questão de princípio. Nós a reexaminaremos aqui sob a forma sintética de uma questão disputada, fazendo valer os diferentes argumentos pró e contra, a fim de colocar em evidência a legitimidade da posição defendida até aqui pela Fraternidade. Continuar lendo

A MISSA NOVA DE PAULO VI É UM SACRIFÍCIO? PARTE 2

La nouvelle messe de Paul VI est-elle un sacrifice ? (II) • La Porte Latine

Afirmar – como fizeram os promotores da Missa Nova – que a liturgia do Ofertório é uma adição inútil, imputável a uma certa teologia pós-tridentina, é não compreender nada da profunda realidade da Missa Católica.

Fonte: Courrier de Rome n ° 645 – Tradução: Dominus Est

A definição de sacrifício está indicada no seu devido lugar(1) por Santo Tomás, de acordo com as quatro causas: a causa material é a oferta de uma coisa sensível; a causa final é que esta oferta é feita somente a Deus para expressar sua soberania absoluta e nossa sujeição como criaturas, uma expressão que, por sua vez, é concretizada de acordo com os quatro fins particulares, que são: adoração, ação de graças, impetração e satisfação. A causa formal é que esse reconhecimento da soberania divina é significado na medida em que a coisa oferecida é submetida a uma certa transformação; a causa eficiente é um ministro legítimo mandatado por Deus e que é sacerdote no sentido próprio.

2 – De fato, só há um sacrifício aceito por Deus, que é o ato da Paixão de Cristo. De tal modo que este não foi apenas um sacrifício real, mas também o único sacrifício, o único que Deus quis e tal como Ele o quis segundo uma livre vontade que só a Revelação nos dá a conhecer. Os demais sacrifícios são apenas análogos, quer para simbolizar antecipadamente segundo o modo figurativo, como os da antiga Aliança, ou para torná-lo novamente presente segundo o modo sacramental, como o da Missa. O sacrifício da Missa, entendido como sacrifício no sentido próprio é, portanto, a oferta de Cristo imolado. Deve ser definido: 1) primeiramente, como uma oferta, e uma oferta agradável a Deus; 2) segundo, como uma imolação, a de Cristo oferecida a Deus neste estado de imolação. Aqui examinaremos a questão de saber se a Nova Missa de Paulo VI pode ser definida como uma oferta agradável a Deus. Examinaremos mais tarde, em outro artigo, a questão de saber se a Nova Missa de Paulo VI pode ser definida como o ato de uma imolação.

A importância do Ofertório de Missa(2)

3 – “Em suas características específicas”, comenta Da Silveira, “o ofertório da Missa de São Pio V sempre foi um dos principais elementos para distinguir a Missa Católica da Ceia Protestante”(3). É por isso que a supressão das orações do Ofertório, no Novus Ordo, é muito grave, uma vez que é esta supressão que representa uma das partes principais, senão a principal deste distanciamento apontado pela Breve Exame Crítico. Continuar lendo