Fonte: Courrier de Rome n.º 322, maio de 2009 – Tradução: Dominus Est
Autor: Pe. Jean-Michel Gleize, FSSPX
Por meio de um decreto da Congregação para os Bispos do dia 21 de janeiro de 2009[1], Bento XVI “levantou a excomunhão”[2] sofrida em 1988 pelos quatro bispos da Fraternidade São Pio X. Apenas uma semana depois, durante a Audiência geral de quarta-feira, 28 de janeiro[3], o papa julgou que deveria explicar o sentido desse decreto, dizendo que quisera realizar «um ato de misericórdia paternal», acrescentando que ele esperava da parte dos bispos consagrados por Mons. Lefebvre «um verdadeiro reconhecimento do magistério e da autoridade do papa e do concílio Vaticano II».
Razões profundas de um antagonismo
As palavras de Bento XVI ecoam as de Paulo VI e de João Paulo II. Com efeito, duas frases se mantêm na memória de todos. «Como hoje alguém poderia se comparar a Santo Atanásio, ousando combater um concílio como o segundo concílio do Vaticano, que não possui menos autoridade, e que inclusive, sob certos aspectos, é mais importante ainda que aquele de Niceia?»[4]. Essa censura lançada pelo papa Paulo VI em 1975 é reiterada de maneira ainda mais precisa pelo papa João Paulo II, após Mons. Lefebvre ter evocado o estado de necessidade na Igreja para se dar o direito de consagrar os quatro bispos em 30 de junho de 1988. No motu proprio Ecclesia Dei afflicta, que excomunga Mons. Lefebvre, o papa João Paulo II declara: «A raiz deste ato cismático pode localizar-se numa incompleta e contraditória noção de Tradição. Incompleta, porque não tem em suficiente consideração o carácter vivo da Tradição»[5].
A recente declaração do Papa Bento XVI
Ao pedir à Fraternidade São Pio X que reconhecesse a autoridade do Concílio Vaticano II, Bento XVI confirma então a análise de seus dois predecessores e parece manter o postulado deles com essa nova noção de uma tradição viva. Na famosa carta de 10 de março de 2009 ele revisita o assunto: «Pretendo, no futuro, vincular a Comissão Pontificial “Ecclesia Dei” – que desde 1988 é responsável por essas comunidades de pessoas que, vindo da Fraternidade São Pio X ou de outros grupos similares, querem voltar à plena comunhão com o Papa – à Congregação para a Doutrina da Fé. Parece evidente que os problemas a serem tratados agora são de natureza essencialmente doutrinal, em particular aqueles concernentes à aceitação do concílio Vaticano II e o magistério pós-conciliar dos papas. […] Não podemos congelar a autoridade do magistério da Igreja em 1962: isso deve estar muito claro para a Fraternidade»[6]. Mas, desta vez, Bento XVI acrescenta uma reflexão que não deve deixar ninguém indiferente: «Não obstante, para alguns daqueles que se proclamam grandes defensores do Concílio, devemos lembrar que o Vaticano II contém em si a história doutrinal inteira da Igreja. Aquele que quer obedecer ao Concílio deve aceitar a fé professada ao longo dos séculos e não pode cortar as raízes que dão vida à árvore»[7]. Continuar lendo