Cardeal Pie de Poitiers (1815-1880)
[Lutemos] com esperança contra a esperança mesma. Pois quero falar a esses cristãos pusilânimes, a esses cristãos que se fazem escravos da popularidade, adoradores do sucesso, e que são desconcertados pelo menor progresso do mal. Ah! afetáveis como eles são, praza a Deus que as angústias da provação derradeira sejam mitigadas! Esta provação está próxima ou está distante? Ninguém o sabe […]. Mas o certo é que, à medida que o mundo se aproxime de seu termo, os maus e os sedutores terão cada vez mais vantagem. Já quase não se encontrará fé sobre a face da terra, ou seja, ela terá desaparecido quase completamente de todas as instituições terrestres. Os próprios crentes mal ousarão fazer uma profissão pública e social de suas crenças. A cisão, a separação, o divórcio das sociedades com Deus, o que é dado por São Paulo como sinal precursor do fim, “nisi venerit discessio primum”, ir-se-á consumando, dia após dia. A Igreja, sociedade sem dúvida sempre visível, será cada vez mais reduzida a proporções simplesmente individuais e domésticas. Ela, que dizia em seus começos: O lugar me é estreito, abre-me um espaço em que eu possa habitar: Angustus mihi locus, fac spatium ut habitem, ela se verá disputar o terreno palmo a palmo, ela será cercada, encerrada por todos os lados: tanto quanto os séculos a tinham feito grande, tanto se aplicarão muitos agora a restringi-la. Enfim, haverá para a Igreja da terra uma como verdadeira derrota, e será dado à Besta mover guerra contra os santos e vencê-los. A insolência do mal atingirá o ápice.
Ora, nesse extremo das coisas, nesse estado desesperado, neste globo entregue ao triunfo do mal e que logo será invadido pelas chamas, o que deverão fazer todos os verdadeiros cristãos, todos os bons, todos os santos, todos os homens de fé e de coragem?
Aferrando-se a uma impossibilidade mais palpável que nunca, eles dirão com energia redobrada e tanto pelo ardor de suas preces como pela atividade de suas obras e pela intrepidez de suas lutas: Ó Deus! Pai nosso que estais no céu, santificado seja o vosso nome assim na terra como no céu; venha a nós o vosso reino assim na terra como no céu; seja feita a vossa vontade assim na terra como no céu! Eles murmurarão ainda estas palavras, e a terra tremerá sob seus pés. E, assim como outrora, em seguida a um espantoso desastre, se viu todo o senado de Roma e todas as ordens do Estado ir ao encontro do cônsul vencido, e felicitá-lo por não se ter desesperado da república, assim também o senado dos céus, todos os coros dos anjos, todas as ordens dos bem-aventurados virão ter com os generosos atletas que tiverem sustentado o combate até ao fim, esperando contra a esperança mesma: contra spem in spem. E então este ideal impossível, que todos os eleitos de todos os séculos tinham obstinadamente perseguido, se tornará enfim realidade. Neste segundo e derradeiro advento, o Filho entregará o Reino deste mundo a Deus seu Pai, e o poder do mal terá sido evacuado, para sempre, para o fundo dos abismos; todo aquele que não tiver querido assimilar-se, incorporar-se a Deus por Jesus Cristo, pela fé, pelo amor, pela observância da lei será relegado à cloaca das imundícies eternas. E Deus viverá e reinará plenamente e eternamente, não apenas na unidade de sua natureza e na sociedade das três pessoas divinas, mas na plenitude do corpo místico de seu Filho encarnado e na consumação dos santos!
Tradução: Carlos Nougué
Fonte: “Discours prononcé le 8 novembre 1859 dans l’église cathédrale de Nantes à l’occasion de la réception des reliques de Saint Émilien”, in Oeuvres de Monseigneur l’Évêque de Poitiers, t. 3, Bibliothèque Nationale de France, p. 526-528.
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